Os escritores vencedores do prêmio Jabuti em 2020 e 2021, respectivamente, Itamar Vieira Júnior e Jeferson Tenório, vão se encontrar no Clube de Leitura CCBB 2024 no próximo dia 13, na Biblioteca Banco do Brasil, para refletir o mês dedicado ao símbolo das lutas antirracistas no país e a precariedade de um sistema que naturaliza o racismo e a opressão que dele resulta.
Em votação aberta, o público optou pelos títulos Torto Arado, de Itamar, e O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório. Os dois autores concederam entrevista exclusiva à Fórum e refletiram sobre questões como a dificuldade dos críticos literários de se descolarem de padrões europeus e explorarem mais profundamente a diversidade cultural do Brasil; e as resistências que marcam as disputas por território.
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“O conhecimento acadêmico é muito dependente do pensamento branco e europeu, ou se preferir, do norte global. Se fizermos uma pesquisa de todas as citações de artigos científicos e bancos de teses dos cursos de letras, veremos que mais de 90% são de pensadores e autores dessa região”, disse Itamar Vieira, que vê esperanças de que a literatura brasileira contemporânea ainda possa mudar esse paradigma.
“É preciso que essa nova geração, que ingressou nas universidades a partir da lei de cotas, seja capaz de desenvolver a crítica da crítica, e passe a pensar a produção literária contemporânea a partir de ontologias outras que nos ajudem a refletir nossa literatura sem praticar epistemicídio”, completa o escritor.
Também autor de “Salvar o Fogo”, que dá continuidade à primeira obra, Itamar parte de um tríptico em suas obras: “Reflito o direito elementar de todo e qualquer ser vivo: o direito ao território, negado e violado de forma sistemática ao longo da história humana. A relação entre os dois livros é total. Personagens de “Torto arado” transitam no segundo livro”.
Jeferson Tenório, que ele descreveu como uma grande referência intelectual e literária, analisa o centro das lutas antirracistas na mesma linha em seu novo livro lançado recentemente,“De Onde Eles Vêm”. À Fórum, contou o que o levou a abordar o tema das cotas no Brasil e reescrever essa história:
“Com 20 anos do início da implantação das cotas raciais nas universidades brasileiras, achei que tinha um distanciamento para poder fazer uma análise mais lúcida e profunda desse processo. A ideia era narrar a trajetória de estudantes negros no ambiente acadêmico tendo de lidar com as desconfianças de colegas e professores, com a burocracia e falta de uma bibliografia menos eurocentrada”, afirma.
Na obra, Tenório nos leva para Porto Alegre dos anos 2000, onde um jovem negro, apaixonado por literatura, enfrenta os desafios da vida universitária e da sociedade brasileira. A cidade é onde o escritor se estabeleceu como professor universitário e a trama explora a jornada de autoconhecimento do protagonista, marcado pela experiência das cotas raciais e pela busca por sua identidade.
“A jornada de Joaquim ilustra, de certo modo, a complexidade da implantação de uma política pública, ilustra as conquistas e contradições de uma ação afirmativa tão importante”
Lugar de contestação
Em meio a um cenário político marcadamente conservador, onde bolsonaristas e forças de direita buscam reescrever a história brasileira e suprimir memórias, o autor destaca a importância da literatura como espaço de resistência. Em abril, a confusão em torno do livro do escritor, "O Avesso da Pele", deixou evidente o quanto o campo literário pode servir de voz para a contestação da permanência de narrativas coloniais.
“Sempre será um lugar de contestação. A literatura existe para discordar da vida, discordar das coisas como são, mas sem renunciar às contradições e complexidades que toda arte exige. Acho que numa primeira camada livros como o Avesso da Pele podem servir como um argumento contranarrativo, oferecendo outros pontos de vistas de populações marginalizadas, mas numa outra camada também traz questões mais profundas de nossa existência como o luto, a perda e o amor”, completou o professor.
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