DITADURA MILITAR NO BRASIL

Há 55 anos: o dia que mudou a história da ditadura militar brasileira

Em 4 de setembro de 1969, guerrilheiros forçaram a ditadura a assumir seus presos políticos

Fatídica foto dos prisioneiros libertados após a captura do embaixadorCréditos: Reprodução/HistoriaNet
Escrito en CULTURA el

No dia 4 de setembro de 1969, a resistência armada contra a ditadura militar conseguiu o seu maior feito: a captura do embaixador dos EUA no Brasil Charles Elbrick.

A operação organizada pelo Movimento Revolucionário 8 de julho (MR-8) e pela Ação Libertadora Nacional (ALN) foi uma gigantesca derrota para a ditadura militar brasileira.

O Ato Institucional nº5 havia acabado de ser aprovado e a ditadura endurecia a repressão política. Os grupos de guerrilha, então, articularam uma operação de risco: sequestrar o maior representante diplomático dos EUA no país, que foram fiadores do golpe militar de 1964.

No bairro do Humaitá, os militantes raptaram o estadunidense e deixaram com seu motorista as exigências para a libertação do diplomata. Demandavam do regime militar a libertação de 15 presos políticos e a leitura, em rede nacional, do seu manifesto.

Os militares aceitaram a demanda e foram forçados a revelar à população e à comunidade internacional que tinham presos políticos. 

Após 78 horas 15 presos políticos conseguiram seu exílio no México e o diplomata foi libertado. Ele não entregou seus sequestradores, que conseguiram escapar e não foram presos pela ditadura naquele momento.

Participaram da ação Joaquim Câmara Ferreira, Virgílio Gomes da Silva, Franklin Martins,  Manoel Cyrillo, Paulo de Tarso Venceslau, Vera Sílvia Magalhães, José Sebastião Moura, João Lopes Salgado, Cláudio Torres, Fernando Gabeira - sim, aquele -, Cid Benjamin, Sérgio Torres e Antônio Freitas Filho. 

Foram libertados e exilados para o México Luís Travassos, José Dirceu, José Ibraim, Onofre Pinto, Ricardo Villas Boas, Maria Augusta Carneiro, Ricardo Zarattini, Rolando Fratti, João Leonardo Rocha, Agonalto Pacheco da Silva, Vladimir Palmeira, Ivens Marchetti, Flávio Tavares, Gregório Lourenço Bezerra e Mario Roberto Zanconato.

A ação até hoje é lida de maneira controversa. Em entrevista à Fórum neste ano, Cid Benjamin, um dos idealizadores da operação, afirmou que "a luta armada foi um erro, já começa por aí. E o sequestro do embaixador foi um gol de placa dentro de uma estratégia errada. Foi a ação mais espetacular de todas".

Em artigo publicado nesta quarta-feira (4), Manoel Cyrillo defendeu a ação. "Naquele ato de resistência política, nenhum crime foi cometido, tanto a guerrilha, como os guerrilheiros não cometeram crime algum. [...] Hoje, 4 de setembro de 2024, comemoramos os 55 anos da Captura do Embaixador dos Estados Unidos, nação que, em 1964,  mandou a sua IV Frota para dar suporte e respaldo militar aos seus golpistas brasileiros", afirma o publicitário em artigo, que defende o uso do termo "captura" ao invés de "sequestro" para descrever a ação.

Gabeira, por outro lado, afirma que a ação foi um erro e diz se arrepender do sequestro.

O legado controverso entre os próprios agentes da captura do embaixador refletem o quão importante foi esse movimento dentro da história política do Brasil. 

Leia o manifesto dos guerrilheiros contra a ditadura militar:

Grupos revolucionários detiveram hoje o Sr. Charles Burke Elbrick, embaixador dos Estados Unidos, levando-o para algum lugar do país, onde o mantêm preso. Este ato não é um episódio isolado. Ele se soma aos inúmeros atos revolucionários já levados a cabo: assaltos a bancos, nos quais se arrecadam fundos para a revolução, tomando de volta o que os banqueiros tomam do povo e de seus empregados; ocupação de quartéis e delegacias, onde se conseguem armas e munições para a luta pela derrubada da ditadura; invasões de presídios, quando se libertam revolucionários, para devolvê-los à luta do povo; explosões de prédios que simbolizam a opressão; e o justiçamento de carrascos e torturadores.

Na verdade, o rapto do embaixador é apenas mais um ato da guerra revolucionária, que avança a cada dia e que ainda este ano iniciará sua etapa de guerrilha rural.

Com o rapto do embaixador, queremos mostrar que é possível vencer a ditadura e a exploração, se nos armarmos e nos organizarmos. Apareceremos onde o inimigo menos nos espera e desapareceremos em seguida, desgastando a ditadura, levando o terror e o medo para os exploradores, a esperança e a certeza de vitória para o meio dos explorados.

O sr. Burke Elbrick representa em nosso país os interesses do imperialismo, que, aliado aos grandes patrões, aos grandes fazendeiros e aos grandes banqueiros nacionais, mantêm o regime de opressão e exploração.

Os interesses desses consórcios, de se enriquecerem cada vez mais, criaram e mantêm o arrocho salarial, a estrutura agrária injusta e a repressão institucionalizada. Portanto, o rapto do embaixador é uma advertência clara de que o povo brasileiro não lhes dará descanso e a todo momento fará desabar sobre eles o peso de sua luta. Saibam todos que esta é uma luta sem tréguas, uma luta longa e dura, que não termina com a troca de um ou outro general no poder, mas que só acaba com o fim do regime dos grandes exploradores e com a constituição de um governo que liberte os trabalhadores de todo o país da situação em que se encontram.

Estamos na Semana da Independência. O povo e a ditadura comemoram de maneiras diferentes. A ditadura promove festas, paradas e desfiles, solta fogos de artifício e prega cartazes. Com isso ela não quer comemorar coisa nenhuma; quer jogar areia nos olhos dos explorados, instalando uma falsa alegria com o objetivo de esconder a vida de miséria, exploração e repressão que vivemos. Pode-se tapar o sol com a peneira? Pode-se esconder do povo a sua miséria, quando ele a sente na carne?

Na Semana da Independência, há duas comemorações: a da elite e a do povo, a dos que promovem paradas e a dos que raptam o embaixador, símbolo da exploração.

A vida e a morte do sr. Embaixador estão nas mãos da ditadura. Se ela atender a duas exigências, o sr. Elbrick será libertado. Caso contrário, seremos obrigados a cumprir a justiça revolucionária. Nossas duas exigências são:

a) A libertação de 15 prisioneiros políticos. São 15 revolucionários entre milhares que sofrem torturas nas prisões-quartéis de todo o país, que são espancados, seviciados, e que amargam as humilhações impostas pelos militares. Não estamos exigindo o impossível. Não estamos exigindo a restituição da vida de inúmeros combatentes assassinados nas prisões. Esses não serão libertados, é lógico. Serão vingados, um dia. Exigimos apenas a libertação desses 15 homens, líderes da luta contra a ditadura. Cada um deles vale cem embaixadores, do ponto de vista do povo. Mas um embaixador dos Estados Unidos também vale muito, do ponto de vista da ditadura e da exploração.

b) A publicação e leitura desta mensagem, na íntegra, nos principais jornais, rádios e televisões de todo o país.

Os 15 prisioneiros políticos devem ser conduzidos em avião especial até um país determinado – Argélia, Chile ou México -, onde lhes seja concedido asilo político. Contra eles não devem ser tentadas quaisquer represálias, sob pena de retaliação.

A ditadura tem 48 horas para responder publicamente se aceita ou rejeita nossa proposta. Se a resposta for positiva, divulgaremos a lista dos 15 líderes revolucionários e esperaremos 24 horas por seu transporte para um país seguro. Se a resposta for negativa, ou se não houver resposta nesse prazo, o sr. Burke Elbrick será justiçado. Os 15 companheiros devem ser libertados, estejam ou não condenados: esta é uma “situação excepcional”. Nas “situações excepcionais”, os juristas da ditadura sempre arranjam uma fórmula para resolver as coisas, como se viu recentemente, na subida da Junta Militar.
As conversações só serão iniciadas a partir de declarações públicas e oficiais da ditadura de que atenderá às exigências. O método será sempre público por parte das autoridades e sempre imprevisto por nossa parte. Queremos lembrar que os prazos são improrrogáveis e que não vacilaremos em cumprir nossas promessas.

Finalmente, queremos advertir aqueles que torturam, espancam e matam nossos companheiros: não vamos aceitar a continuação dessa prática odiosa. Estamos dando o último aviso. Quem prosseguir torturando, espancando e matando ponha as barbas de molho. Agora é olho por olho, dente por dente.

Ação Libertadora Nacional (ALN)
Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).

Reporte Error
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar