CRÔNICA

Humboldt – Por Esther Rapoport

Aquele mesmo Humboldt da corrente de Humboldt que passa pelo Oceano Pacífico na costa do Peru, da Universidade Humboldt de Berlim, do famoso pinguim Humboldt, da cidade de Humboldt no Canadá, e o mesmo Humboldt que nomeia 19 animais, 17 plantas, duas geleiras, oito montanhas e serras, um rio...

Alexander Von Humboldt.Créditos: Wikimedia Commons
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O inverno chegando, a temperatura caindo por aqui, mas subindo muito, inesperadamente, por aí, no Brasil. Pensando no clima, me ocorreu esse outro alemão.

Vamos para o início do século XIX e vou falar de Humboldt, Alexander Von Humboldt, aquele mesmo Humboldt da corrente de Humboldt que passa pelo Oceano Pacífico na costa do Peru, da Universidade Humboldt de Berlim, do famoso pinguim Humboldt, da cidade de Humboldt no Canadá, e o mesmo Humboldt que nomeia 19 animais, 17 plantas, duas geleiras, oito montanhas e serras, um rio, dois asteroides, um mar lunar, uma cratera lunar, incontáveis escolas e ainda a levedura Pichia humboldtii.

Era uma figurinha muito admirada por seus contemporâneos, como: Thomas Jefferson, Johann Wolfgang von Goethe, Simón Bolívar, que teria dito que Humboldt era "el descubridor del Nuevo Mundo", e Charles Darwin, que disse que nunca teria embarcado no Beagle se não tivesse lido o trabalho e as observações de Humboldt, seu grande herói. Esse é que era “o” cara, considerado o Shakespeare das Ciências Naturais.

Mas vou retroceder um pouquinho no tempo para dar uma geral na sua história. Nasceu no seio de uma família abastada, da aristocracia prussiana. E quem tem berço, tem escola. Alex, se me permitem a intimidade, estudou muita coisa, embora gostasse mesmo era da Natureza. Quando sua mãe morreu, herdou uma fortuna que permitiu realizar seu sonho de consumo, que deve ser o sonho de meio mundo: largou seu trabalho no serviço público e partiu pelo mundo para estudar o planeta. Foi logo atravessando o Atlântico com destino à América Hispânica, estudando tudo: florestas, montanhas, plantas, animais, solo, rochas, clima, etc, etc...

Uma expedição foi montada, bancada, realizada e registrada apenas pelo interesse científico. Nenhum interesse comercial! (suspiros...) Ele passou pelas atuais Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Cuba e México, mas não pôde atravessar nem permanecer no Brasil, pois os portugueses achavam que ele era um espião alemão.

Dá uma olhada na lista de observações, descobertas e conclusões dele, só nessa viagem:

• Escalou o vulcão Chimborazo (Equador), sobre o qual produziu o primeiro infográfico da história, era um pôster de 90 cm de largura, que vinha como encarte em um livro, chamado Ensaio sobre a Geografia das Plantas.
• Praticamente inaugurou a SISMOLOGIA, estudando os vulcões da cordilheira dos Andes. • Estudou a corrente marítima do Pacífico, que ganhou seu nome. • Desenhou um mapa-múndi, prestando muita atenção às LATITUDES e destacando as correspondências entre ecossistemas de continentes diferentes. O Deserto do Atacama na mesma latitude do Deserto de Kalahari; a savana africana e o cerrado brasileiro; a Amazônia e as florestas do Congo. Tentando entender por que dois lugares em dois continentes têm clima, relevo, provavelmente fauna e flora similares. Foi o primeiro a documentar as zonas climáticas do mundo. • E provou também que, em uma determinada altitude nas montanhas, a vegetação é semelhante em todo o mundo. Humboldt lançou as bases das ciências físicas da geografia e da meteorologia. • Levantou uma hipótese, muito antes da teoria das Placas Tectônicas, de que América do Sul e a África estiveram conectadas no passado. • Estudou a diminuição da intensidade do campo magnético terrestre dos polos à linha do Equador. • Falou do poder das matas em esfriar e umedecer a atmosfera, além de proteger os lençóis freáticos e o solo da erosão. • Na bacia do Rio Orinoco, Humboldt percebeu que palmeiras chamadas buritis eram uma espécie-chave para o ecossistema: os frutos comestíveis atraiam pássaros, a terra úmida que ficava nos troncos protegia insetos e minhocas da aridez, e se elas fossem cortadas, esse ecossistema entraria em colapso. • Observou como o sistema de irrigação no altiplano mexicano acabou com a fertilidade das terras que ficavam no vale, aos pés do altiplano.

E muito antes da Greta Tintin Eleonora Ernman Thunberg nascer, Humboldt reconheceu que o clima passava por mudanças em função da ação do homem, do desmatamento, da irrigação artificial e da emissão de gases e calor nos centros industriais. Humboldt foi o primeiro ambientalista do nosso planeta, o homem que descobriu que o ser humano está modificando o clima.

Além de bancar suas viagens, usou a grana da sua herança para a publicação de seus livros, que foram sucesso de vendas, verdadeiros best sellers, mas, como naquela época não existiam direitos autorais, nunca recuperou o valor investido. Além disso, Humboldt financiava outros pesquisadores e jovens cientistas, e na velhice já tinha praticamente zerado sua conta bancária, vivendo em um apartamento alugado em Berlim, pago com ajuda de amigos.

Seu trabalho mais importante, considerado por ele como “o livro da sua vida”, foi uma mega coleção com cinco volumes, chamada Kosmos, que reúne suas observações e ideias sobre a Natureza e que vai dos fungos às estrelas, fruto de uma vida de estudos e observações. O último livro da coleção foi publicado após sua morte.

Ele morreu pouco antes de completar 90 anos, solteiro e pobre. Mas não sozinho.

Nunca ficou sozinho, nem mesmo levando-se em conta que ele viveu numa época sem WhatsApp ou Facebook. E, mesmo sem redes sociais, Humboldt compartilhou todo esse conhecimento com uma tremenda rede de amigos, parceiros, cientistas e outros pesquisadores, a vida toda. Como?? Simples... por carta!

Está documentado que, além de estudar e produzir textos e livros em profusão, este homem escreveu e mandou mais de 50 mil cartas, uma média de duas por dia, para uma rede de 2.500 destinatários!

Imagina se ele estivesse no Twitter!!! Além de ter mais seguidores do que Cristiano Ronaldo (dá uma googada...), Humboldt sairia do começo do século XIX para chegar ao XXI como campeão de deslikes de haters do gado-negacionista-terraplanistas da extrema direita mundial.

No próximo texto falarei de... ahahah... achou que eu ia antecipar????

Abraços!

*Esther Rapoport é graduada em História pela Universidade de São Paulo, mas se dedicou nos últimos 40 anos à indústria do Turismo, tendo trabalhado em diversas empresas do setor além de oferecer palestras e cursos para profissionais do turismo e viajantes curiosos, interessados em ampliar seu repertorio sobre a História dos mais variados destinos do planeta. Mora atualmente na Alemanha

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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