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A falta do dissenso na Segurança Pública – Por Pedro Chê

Debates que ganharam vida nos anos 70 e que foram especialmente potentes nos anos 90, hoje, encontram-se interditados

Créditos: Governo do Estado de São Paulo
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Em meio a sutil, mas tendencial queda no número geral de homicídios no país, e mesmo com a especialização da produção legislativa em prol da proteção a grupos vulneráveis, convivemos com o mais pobre cenário de debate dentro da Segurança Pública brasileira desde a redemocratização.

Embora seja verdade que estejamos “livres” das iniciativas, ora inconstitucionais, ora draconianas, próprias ao estilo Jair Bolsonaro e sua trupe, como foi o caso o Pacote Anticrime ou da “farra” armamentista; por outro lado - e infelizmente há “um outro lado” - tais medidas, e polêmicas ligadas a esta conjuntura (tendo como exemplo a paralisação da PM/CE), empurraram o chamado “polo centro-democrático” a realizar debates e discussões acerca dos pilares da segurança pública, e da nossa cultura policial, possibilitando – pelo menos enquanto perspectiva – o dissenso através de propostas paradigmáticas.

O fato é que mudança de governo trouxe um justo alívio, mas de natureza estéril e que nos oferece pústulas como o silenciar do dissenso, e da política no sentido dado por Jaques Rancière.

E se o alívio não for suficiente para extinguir a dor das feridas provocadas pela febre de homicídios, assaltos, agressões e golpes que persistem em escalas absurdas e traumáticas, por certo, que para alguns, há de tudo se resolver a partir de um triunfo da racionalidade sobre a boçalidade, e que agora navegamos através de uma melhor orientação das políticas públicas. Não fosse mentira, poderíamos, apesar de nunca recomendado na política, descansar em berço.

A Racionalidade, palavra acalentadora, que ao ser recebida com otimismo pode assumir a forma daquilo que é pensado com esmero, sabedoria, direcionado a um bem-comum, próprio de uma inteligência hermética, platônica. Mas a realidade pode nos lançar a perspectivas bem mais duvidosas, mundanas, onde essa dita “razão” não passa de um estratagema subserviente aos interesses de grupos e corporações que detenham o poder da voz na Segurança Pública.

Debates que ganharam vida nos anos 70 e que foram especialmente potentes nos anos 90, hoje, encontram-se interditados, inclusive como o apoio de grupos que estavam deste lado da trincheira. Não! Esses grupos, não transgrediram para o “bandido bom é bandido morto”, nosso arquirrival dentro das concepções de segurança pública, mas estão abraçados a um infiltrado do “velho modo” de fazer e acontecer na Segurança Pública: a tecnocracia corporativa.

Esse modelo de gestão mereceria muito mais do que um parágrafo, mas temos de ser sintéticos, e assim sendo: este vende dados tímidos (mas muito populares dentro da imprensa), de pouca resiliência frente a contingências, a partir de custos exorbitantes (segurança pública em estrito senso é caríssima). Se diferenciam do genitor “bandido bom é bandido morto” a partir de uma defesa de uma legalidade acrítica (onde os problemas não são institucionais ou estruturais, mas de ordem individual do policial) e uma prevalência da técnica a formas arcaicas de obtenção de provas. Como missão corporativa tem como objetivo primordial a manutenção das estruturas de poder dentro das polícias, sendo resistentes a quaisquer mudanças estruturais, taxando, a partir de currículos e posições de poder preenchidos por eles mesmos, como exotérico quem ousar levantar essas pautas.

E assim, muitos dos nossos, por pragmatismo, escolheram adentrar a caverna, se acomodaram, puseram eles próprios as suas amarras e, apesar do constrangimento em seus rostos, repetem os mesmos mantras dos habituais residentes. Muito se falará em “energia”, “força”, “firmeza”, “não combater com flores”, e muito pouco ou nada quanto a “prevenção”, “participação social”, “formação”, “mudanças” e “reformas”, ou “uma nova polícia”.

*Pedro Chê é policial civil no Rio Grande do Norte e membro do grupo Policiais Antifascistas.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.