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Não use a cabeça – Por André Cunha

Precisão e apreensão no Mundial de Esportes Aquáticos

Praticante de High Diving.Créditos: YouTube/Reprodução
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Poucas coisas são mais complicadas de fazer do que aquilo que os atletas do esporte conhecido como High Diving, ou Salto de Grandes Alturas, fazem. Tomados pela coragem, pela frieza e pelo equilíbrio mental forjados em centenas de horas de treinamentos exaustivos, eles devem caminhar sobre uma plataforma, se equilibrar na beira do abismo, saltar com destemor e galhardia de uma altura de vinte e sete metros, o equivalente a um prédio de nove andares, executar uma série de acrobacias utilizando o eixo de rotação do corpo que despenca em altíssima velocidade, como giros, cambalhotas e deslocamentos no formato de parafuso, e furar o paredão de água com o menor impacto possível.

Embora ainda não seja uma modalidade olímpica, e embora a altura do salto na categoria feminina seja só um pouco menos impressionante (vinte metros), o High Diving já compõe o circuito do Mundial de Esportes Aquáticos e coleciona números cada vez mais promissores de praticantes profissionalizados e espectadores convictos. Não é difícil perceber a razão pela qual vem despertando tanto interesse: trata-se de uma proeza não só fabulosa, mas também perigosa, do tipo que só quem é muito audaz e corajoso tem a ousadia de tentar.

As regras são claras quanto ao posicionamento em que se deve efetuar, sob o risco de eliminação da prova ou quiçá banimento do esporte, o prudente mergulho – de pé, sempre e necessariamente de pé, pois um mergulho no estilo clássico de ponta, com os braços erguidos na direção da água e cabeça virada para baixo, está fora de cogitação, é arriscado demais, as consequências, independente da perícia e da experiência do saltador, podem se revelar fatais.

Mesmo com todos os protocolos de segurança náutica, que incluem equipes de mergulhadores, paramédicos e provavelmente mergulhadores-paramédicos e paramédicos-mergulhadores dispostos em volta do local do mergulho, movimentos, mesmo que mínimos, efetuados fora do roteiro previsto, são capazes de provocar, tendo em vista a força da colisão, traumas severos: “Lesões de estiramento de ligamentos e fraturas internas, assim como deslocamento de órgãos internos, além de muitas fissuras musculares” revelou Jucelino Júnior, principal representante brasileiro na área, que também é dublê profissional e tem no currículo passagens como acrobata pelo prestigiado Cirque Du Soleil. Sobre a sensação de pular de uma altura tão espantosa realizando manobras tão complexas e ousadas, resume: “De liberdade com muita adrenalina e precisão!”

Ao contrário do comportamento do público em outras modalidades esportivas, que em geral torce, incentiva, xinga e provoca, o público que assiste às competições de High Diving se comporta de forma pouco ou nada expansiva afim de não atrapalhar a concentração dos competidores, como pôde ser visto na disputa pelo título mundial em fevereiro no Mundial de Esportes Aquáticos em Doha, no Catar, vencido pelo britânico Aidan Heslop, que acumulou um total de 422.95 pontos (Jucelino ficou em vigésimo quinto, com 192.90 pontos). O corpo de jurados leva em conta critérios como partida, voo, coordenação, equilíbrio, elasticidade, complexidade e dificuldade das acrobacias e, por fim, a cautelosa e aguardada entrada na água.

Impossível deixar de notar, também, a expressão de franca circunspecção e seriedade nos semblantes dos juízes, organizadores e equipes técnicas, que parecia dizer: boa sorte, faça o seu melhor, mas por favor, para o bem da sua família, em prol da incorporação gradual dos esportes radicais ao calendário dos esportes tradicionais e da manutenção da saúde mental dos espectadores, apenas não mergulhe de cabeça!

A tensão reinante no Porto de Doha só se dissipou por completo depois do último salto, quando deu para perceber o imenso alívio que tomou conta dos envolvidos pelo fato de terem realizado com êxito e sem danos colaterais sérios o projeto espinhoso que se predispuseram a realizar.

*André Cunha publicou o romance Brasília, “Gravidade Zero”, finalista do Prêmio Sesc de Literatura de 2015, pela Selo Jovem; a novela satírica “Colisão Frontal”, pelo Grupo Editorial Caravana; a ficção especulativa “O Futurista – Reportagens Que Vão Mudar o Mundo” e o livro didático “Ciência Política Descomplicada”, pela Trevo. Está lançando a comédia romântica “Quem falou?” pela editora Penalux, já disponível no catálogo da editora. Também escreve na imprensa.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.