18 DE MAIO

Dia Nacional de Luta Antimanicomial: Conheça a história da luta pela Reforma Psiquiátrica Brasileira

Para Adriana Eiko Matsumoto, doutora em psicologia social e professora da Unifesp, rememorar a luta antimanicomial diz respeito a um projeto de sociedade que possibilite a convivência na diferença

Pacientes do Hospital Colônia de Barbacena, em Minas Gerais.Créditos: Reprodução de vídeo/ Holocausto Brasileiro
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Este sábado, 18 de maio, é marcado por uma importante efeméride: o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. A data marca o movimento iniciado nos anos 70, em paralelo com as lutas democráticas contra a ditadura militar, que se colocava contrário aos abusos de direitos humanos e maus-tratos aos pacientes psiquiátricos espalhados pelo Brasil. Mas não só. Também tecia duras críticas ao que definia como uma “lógica manicomial”.

Basicamente, o Movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira se opunha às internações forçadas, a falta de especialização dos trabalhadores dos manicômios no atendimento aos pacientes, a sobremedicação muitas vezes sem supervisão psiquiátrica, entre outros. Para completar o quadro, isso tudo se daria num ambiente que em muito se assemelharia a uma prisão ou um "depósito humano".

Em entrevista à Revista Fórum, Adriana Eiko Matsumoto, doutora em psicologia social pela PUC-SP e professora da Unifesp, explica rapidamente o que era essa "lógica manicomial".

“Podemos dizer que a lógica manicomial abarca toda uma série de ações estruturadas, de políticas de Estado, de políticas de saúde pública, toda uma série de formas de controle e segregação em relação às pessoas consideradas 'desviantes' do padrão e da norma. A própria maneira de como a loucura foi sendo tratada sob o signo da doença mental, isso tem um momento histórico na cultura ocidental que se dá principalmente a partir do fortalecimento dos Estados Nação capitalistas e a forma como a produtividade do sujeito era o foco e, portanto, tudo aquilo que não respondesse a esse padrão de produtividade precisava encontrar um locus nessa sociedade”, explica Adriana.

Os manicômios, segundo a entrevistada, foram os lugares criados para que esse sujeito que não produzia, não respondia às normas da sociedade e não tinha uma função naquela visão da sociedade. Seriam os locais supostamente adequados para que essas pessoas fossem tratadas - e largadas fora da vista de parentes e da própria sociedade.

Adriana Eiko Matsumoto. Arquivo pessoal

“A segregação, a retirada dos sujeitos do convívio social, essa lógica do higienismo pautando ações de suposta saúde mental e saúde pública foram marcos que caracterizaram essas instituições desde o seu nascedouro. E a própria hiatrogenia (que é um termo que a gente usa no campo da saúde, que poderia ser traduzido como os males causados pela própria intervenção que supostamente deveria curar ou amenizar o sofrimento e o processo de adoecimento), ou seja, a própria intervenção em saúde provoca mais mal do que aquilo que ela previa sanar. Assim fica muito evidente do ponto de vista técnico e científico que a hiatrogenia do próprio manicômio vai produzir mais males, mais danos e sofrimentos do que a condição de saúde mental em si que aqueles sujeitos se encontravam”, explica.

O movimento foi inspirado em grande medida pela obra e pelas práticas do psiquiatra italiano Franco Basaglia que a partir da década de 1960 revolucionou as abordagens e terapias de transtornos mentais em seu país. Em Trieste ele dirigiu por dois anos o hospital psiquiátrico San Giovanni, com mais 1,2 mil pacientes internados, onde teve a liberdade para aplicar seus métodos que iam de encontro à psiquiatria tradicional por serem mais libertadores, no sentido literal da palavra.

No Brasil ainda vivíamos uma espécie de idade média no setor. O documentário Holocausto Brasileiro, que conta a história de décadas de maus-tratos contra pacientes no Hospital Colônia de Barbacena (MG) resume um pouco as condições em que se encontravam todos os manicômios do país. O tratamento dispensado aos “loucos”, trancados por suas famílias e pela própria sociedade nessas instituições, fazia com que definhassem sob o efeito de remédios.

Calcula-se que em pouco mais de 80 anos cerca de 60 mil pacientes faleceram sob condições desumanas enquanto estavam sob os cuidados do Hospital Colônia. O fechamento da instituição já na década de 1980 decorreu das denúncias feitas no final dos anos 70 por esse movimento antimanicomial.

“A perspectiva da luta antimanicomial surge exatamente daí, das vozes dessas pessoas que foram silenciadas, das vozes das famílias de pessoas que foram maltratadas, da força também de trabalhadores do campo da saúde mental. Temos então esse movimento que eclode em diálogo com inspiração no que vem ocorrendo em outras partes do mundo, mas principalmente na Itália. E como que isso também está dialogando com o espírito de época do ponto de vista da análise institucional, da reconfiguração dos espaços, dos serviços em políticas públicas para um processo de humanização e acolhimento”, completa a pesquisadora.

Ao longo dos anos 80 e 90 a luta antimanicomial seguiria trilhando seus caminhos até conseguir, em 2001, fazer a Reforma Psiquiátrica Brasileira. Foi nesse ano que a Lei 10216 foi aprovada com a previsão do fechamento gradual de todos os manicômios e hospícios. Também determinava que a internação de um paciente só poderia ser feita em último caso, se o tratamento fora do hospital não estivesse surtindo efeito, e com aprovação do paciente ou dos seus responsáveis e familiares.

Na ocasião o Ministério da Saúde também determinou a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) em substituição aos hospitais psiquiátricos de outrora. Os CAPs, ao contrário de manicômios, têm um caráter mais acolhedor e não-hospitalar, além de oferecerem o chamado "tratamento em liberdade".

Resumindo a ópera, a luta antimanicomial foi de extrema importância civilizatória para o Brasil, sobretudo por conseguir pautar e efetivar a Reforma Psiquiátrica. A presente data, 18 de maio, foi escolhida para rememorar essa luta por ter sido nesse dia em 1987 que um encontro se deu na cidade de Bauru (SP) com mais de 350 profissionais da área que lançaram um manifesto em prol da Reforma Psiquiátrica.

O texto, o chamado “Manifesto de Bauru” pregou o fim das instituições manicomiais e o desenvolvimento de serviços de saúde “abertos”. Ou seja, os tratamentos mais humanizados voltados para o bem-estar e dignidade dos pacientes.

O país atravessava ali seus momentos iniciais de redemocratização e a luta pela extinção dos manicômios e hospícios passou a ser vista como uma consequência do novo período político. Parte da sociedade postou-se contrária aos procedimentos muitas vezes violentos, tanto física quanto simbolicamente, dados aos internos das instituições de tratamento das doenças mentais.

“Nesse sentido, é importante recordar o 18 de maio como uma data que comemoramos, relembramos e também denunciamos os retrocessos no campo da saúde mental, recordar e rememorar a luta antimanicomial para nós diz respeito a um projeto de sociedade que significa a possibilidade de convivermos na diferença”, finalizou Adriana Eiko Matsumoto.

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