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Diferente dos islamistas argelinos, a Fraternidade Muçulmana existe há décadas como movimento clandestino e é capaz de adaptar-se, sabendo distinguir tática de estratégia
Por MK Bhadrakumar, Indian Punchline, traduzido pelo pessoal da Vila Vudu e publicado em redecastorphoto. Original em “Egypt, Algeria like chalk and cheese”
O autor e acadêmico Robert Zaretsky traça alguns paralelos interessantes entre o ataque dos militares argelianos aos islamistas, no início dos anos 1990s, e o que está acontecendo atualmente no Egito. Em Foreign Policy, Zaretsky avalia que o Egito também se encaminha para uma “década negra”.
[caption id="attachment_29509" align="alignright" width="326"] El Baradei e Morsi, personagens da crise atual no Egito[/caption]
Há semelhanças logo à primeira vista, porque os militares argelianos também se autoapresentavam como defensores da democracia e também caricaturizavam os islâmicos como “antidemocráticos” e fanáticos. O ocidente fez-se de cego ante a carnificina na Argélia e mostra-se ambivalente hoje, ante o golpe no Egito.
Mas os paralelos praticamente acabam aí.
Diferente dos islamistas argelianos, a Fraternidade Muçulmana existe há décadas como movimento clandestino e sobreviveu à repressão pelo estado. A Fraternidade é capaz de adaptar-se e assume protoformas e muitas caras – no início da revolução da Praça Tahrir, trabalhou secretamente com os militares egípcios. E a Fraternidade Muçulmana sabe distinguir entre tática e estratégia.
Além disso, a Fraternidade é, pode-se dizer, um conglomerado de pequenos grupos de bairro que fazem trabalho caritativo, o que a liga de modo quase inseparável às massas miseráveis que não podem ser destruídas nem dizimadas em operações cirúrgicas.
E há ainda um ambiente regional no Oriente Médio hoje, que não era o mesmo há 20 anos passados. Diferente dos islamistas argelianos, a Fraternidade tem uma extensa rede por todo o Golfo Persa, a Jordânia, a Síria e além.
O Hamás é fruto da Fraternidade, o que a torna protagonista do problema palestino e do conflito árabes-israelenses. Muito diferente disso, os islamistas argelianos foram duas vezes removidos da questão do Oriente Médio.
A Primavera Árabe enfrenta ameaça extrema, mas a demanda por reformas e mudanças continuará a se fazer ouvir. O acordo construído para o Oriente Médio pelas antigas potências coloniais e a ordem política de então, depois da desintegração do Império Otomano há 100 anos, foram desmontados. O Egito portanto, continuará preso no torvelinho regional do qual não há saída. O Egito não é a Argélia, mas o coração pulsante do mundo árabe – e a Argélia é mais mediterrânea que oriental.
O dilema da junta egípcia será que não pode sustentar alguma total supressão permanente dos islamistas. Questão tortuosa que já surge é o papel do Partido Nour salafista, que gozou de consistente apoio clandestino dos sauditas, e ficou na corda bamba depois da deposição do governo da Fraternidade. Antes do que se pensa, será forçado a assumir posição ao lado do Islã político, e a junta egípcia depende criticamente dos “bilhões do Golfo”, como diz a Agência Reuters, para sobreviver.
E o processo está apenas começando e ainda não se sabe como o Egito reage à libertação de Hosni Mubarak. Os alinhamentos políticos focados na antipatia contra Mohamed Mursi já duram mais do que a utilidade que tiveram para seus protagonistas. Quem algum dia previu que o rápido flerte entre Mohamed El Baradei e a junta tomaria o rumo bizarro que tomou? Basta isso, para saber que o novo alinhamento das forças políticas no Egito pode ainda trazer surpresas.