Só atrás da China, os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil em 2024 e figuram, também ao lado dos chineses, como os maiores consumidores das nossas commodities. Mas a história das relações entre Brasil e EUA – que englobam economia, diplomacia, cultura etc. - remonta ao século XIX e completa 200 anos no próximo dia 26 de maio.
Foi nessa data, em 1824, que o país da América do Norte reconheceu a nossa independência em relação a Portugal e as relações entre Brasil e Estados Unidos começaram oficialmente. Naquele momento, reconhecer as independências das nações do continente americano era a principal diretriz da política externa dos EUA, que já tinham planos de se tornar uma potência e tentavam diminuir a influência europeia no “Novo Mundo”.
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No entanto, antes disso, quando a família real portuguesa desembarcou no Brasil em 1808, e promoveu a transferência da corte para cá, os vizinhos do norte puderam pela primeira vez trazer suas embarcações comerciais ao território que hoje conhecemos como Brasil. Antes disso, nossos portos só estavam abertos a Portugal por conta da condição de colônia a que estávamos submetidos.
Ainda no contexto de pré-história das relações entre os países, os EUA foram a primeira nação a estabelecer uma representação diplomática em nosso território. O consulado americano foi aberto em 1815 na cidade do Recife, à época capital da Capitania de Pernambuco.
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Até o final do século XIX as relações eram meramente comerciais. Mas em 1890 ocorreu a primeira Conferência Pan-Americana, que contou com a participação de ambos os países e discutiu uma série de temas pertinentes à integração regional, desde cooperação militar até planos econômicos, como uma espécie de união aduaneira. Os EUA tinham como objetivo, ainda, enfraquecer a Europa e aumentar sua influência entre os vizinhos por meio da promoção dessa integração.
O caráter mais predatório e neocolonial dessas relações seria mais notado a partir do século XX, após o estabelecimento da chamada “Aliança não escrita” que demarcou um relacionamento mais cordial e aproximado entre os dois países. Anos mais tarde, na década de 1920 o Brasil já era noticiado pela imprensa dos EUA, sobretudo o Wall Street Journal, como um dos melhores países do mundo para se investir e explorar.
O Brasil então passaria a ser visto como um território propício para a testagem de métodos de desenvolvimento da indústria e do próprio capitalismo desde que, é claro, estivesse alinhado ao país da América do Norte. E foi a partir daí que começaram os problemas pra valer.
Segunda Guerra Mundial
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o Brasil já era conhecido como um grande aliado dos EUA, o que explica termos nos juntado aos Aliados ao invés do Eixo, mesmo com um governo Vargas que em muitos aspectos demonstrava afinidades com os fascismos europeus – haja vista, por exemplo, o episódio em que Olga Benário, uma comunista judia, foi entregue aos alemães em 1936.
Naquele momento, o Brasil tinha um importante papel na economia mundial da guerra com a produção da borracha oriunda da Amazônia e os EUA tinham um plano para nos invadir, o chamado Plan Rubber (Plano Borracha), caso não os acompanhássemos no conflito. Após anos conseguindo manter a neutralidade, declaramos guerra ao Eixo em 1942, e os EUA então enviaram uma ajuda de 100 milhões de dólares por meio do programa Lend-Lease para financiar as forças que viajariam para a Europa.
No mesmo ano foi criada a Comissão Mista de Defesa Brasil-Estados Unidos que enfraqueceu eventuais ataques alemães nas vias marítimas que eram ocupadas por mercadorias e pelo transporte de tropas. Em seguida os Pracinhas lutaram na Itália e a guerra, como um todo, foi vencida pelos Aliados.
Golpe de 1964
Os EUA nunca admitiram oficialmente o apoio ao golpe de Estado que inviabilizou o Brasil por mais 20 anos ao colocar os militares no poder. No entanto, sobram trabalhos acadêmicos e jornalísticos que mostram o quanto os EUA facilitaram o golpe e apoiaram o regime ao longo do seu período, no contexto da Guerra Fria.
De acordo com documentos secretos revelados em 2004 ficou comprovado o apoio silencioso que deram aos militares golpistas com o envio de armas e outras formas de apoio.
“Eu acho que devemos tomar todas as medidas que pudermos e estarmos preparados para fazermos tudo o que podemos fazer”, disse o então presidente americano Lyndon Johnson aos seus servidores que estavam por aqui. Lincoln Gordon, o principal agente dos EUA que ajudou na articulação do golpe, temia que as reformas propostas pelo presidente brasileiro João Goulart transformassem o Brasil numa ‘nova China’.
Ao longo da ditadura, que acabaria em 1985, o apoio dos EUA ao regime foi unilateral e jamais insinuou que os militares exerciam uma ditadura. Com o fim desse período, os EUA rapidamente reconheceram a nova democracia brasileira. Mas àquela altura já seríamos completamente dependentes economicamente e culturalmente dos EUA, substituindo a relação colonialista com Portugal e Inglaterra do século anterior.
Século XXI e a espionagem da NSA
O século XXI já começou agitado, com o ataque às Torres Gêmeas de Nova York em 11 de setembro de 2001. Após o episódio o Brasil foi o primeiro país a propor a retomada do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, ou Tratado do Rio, que coloca que um ataque a um país signatário significa um ataque a todos esses países. No entanto, sob Fernando Henrique Cardoso e logo em seguida sob Lula, o Brasil soube negociar o não envolvimento militar na chamada Guerra ao Terror, que resultou nas invasões do Afeganistão e do Iraque. Lula, inclusive, foi um forte opositor da invasão do Iraque promovida por George W. Bush.
Mas apesar das diferenças de opinião dos mandatários, as relações entre os países nunca foi considerada ruim e uma série de viagens dos chefes de Estado – Lula e Bush – reafirmaram a amizade entre os países. Em 2004 o Brasil lideraria a Minustah – controversa força de paz da ONU no Haiti. Em 2007 seria assinado o Acordo de Camp David, que promovia a produção e o comércio do etanol brasileiro. E mais tarde, em 2009, o recém-eleito Barack Obama teceu uma série de elogios ao Brasil e ao presidente Lula.
Mas em 2011 essa relação estaria estremecida pela primeira vez. Documentos revelados pelo WikiLeaks de Julian Assange revelaram tentativas dos EUA de impedir o desenvolvimento do programa espacial brasileiro, pressionando países como a Ucrânia a não transferir tecnologia espacial ao Brasil. Os EUA também se opuseram ao uso do Centro de Lançamento de Alcântara pelo Brasil para lançar satélites que incluíam componentes americanos, como parte de uma política de longa data contra o programa de foguetes espaciais do Brasil.
Dois anos depois, em julho de 2013, o jornalista Glenn Greenwald escreveu uma série de artigos para o jornal O Globo em que revelou que autoridades brasileiras, incluindo a então presidenta Dilma Rousseff, teriam sido vigiadas pela NSA, a Agência de Segurança Nacional dos EUA.
A descoberta – feita por meio de documentos vazados por Edward Snowden - levou Dilma a convocar uma reunião de emergência e o embaixador americano no Brasil a dar explicações. O Brasil denunciou publicamente a espionagem como uma violação de sua soberania e cancelou os preparativos de uma visita de Estado aos EUA. A tensão escalou, resultando em Rousseff abordando o assunto diretamente com Obama no G20 e mais tarde condenando a prática de espionagem na Assembleia Geral da ONU. Mesmo após as revelações, reportagens indicaram que a espionagem continuou, afetando a confiança entre Brasil e EUA.
Desde então as relações entre os países voltaram a uma certa normalidade histórica. Mas com o advento da extrema direita em ambos os países com Donald Trump e Jair Bolsonaro, acabaram por ficar à mercê dos humores de ocasião. Enquanto ambos eram presidentes, estava tudo em paz. Mas quando Trump perdeu as eleições de 2020 e o democrata Joe Biden assumiu a Casa Branca, Bolsonaro faz coro com as teorias conspiratórias de Trump. Mais tarde obteve a recíproca trumpista logo após a eleição de Lula em 2022. Só que esse caso não se trata mais das relações entre os dois países, mas da gritaria da extrema direita internacional.