Um estudo inédito realizado por pesquisadores brasileiros revelou que 80% da área das atividades agropecuárias no país dependem das chuvas geradas em terras indígenas da Amazônia. A pesquisa, divulgada nesta terça-feira (3), ainda revelou que essa dinâmica foi responsável por 57% da renda total do agronegócio brasileiro.
O relatório foi conduzido por dez cientistas especialistas em ecologia tropical do Instituto Serrapilheira, a partir do cruzamento e análise de dados, como os do MapBiomas, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
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Como resultado, o estudo apontou que o impacto da preservação das terras indígenas no Brasil vai além do meio ambiente e se destaca como peça-chave para a segurança hídrica, alimentar e econômica do país. Em 2021, a renda do setor agrícola nas áreas mais beneficiadas pelas chuvas geradas nos territórios indígenas chegou a R$ 338 bilhões.
De acordo com os dados, 18 estados mais o Distrito Federal encontram-se parcial ou totalmente dentro da área de influência dessas terras indígenas amazônicas. Em alguns desses estados, como Acre, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná, há regiões em que a chuva gerada por esses territórios chega a corresponder a um terço do total anual de chuva de cada local. No geral, até 30% da chuva média que cai sobre as terras agropecuárias do país está diretamente relacionada à eficiente reciclagem de água nessas terras indígenas.
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A agricultura e a pecuária são duas das atividades que mais consomem água no país, o que reforça a importância da chuva para esses setores. “O desmatamento e a degradação das florestas nas Terras Indígenas causam a redução dessas chuvas e, com isso, acarretam riscos graves à economia do país”, afirma o hidrólogo Caio Mattos, pesquisador de pós-doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e autor do estudo à Serrapilheira. “Isso significa que a conservação dessas florestas é crucial para garantir a cadeia produtiva do setor agropecuário e, portanto, a produção de uma significativa parcela da economia nacional", completa.
O estudo ainda mostra que as chuvas geradas por essas TIs contribuem diretamente para a segurança alimentar nacional, já que a participação da agricultura familiar no valor da produção total chega a corresponder a mais de 50% em vários estados influenciados, e grande parte da produção desses pequenos produtores é destinada, justamente, ao mercado interno.
Como funciona o irrigação das TIs em parte do país
A Amazônia, floresta extremamente úmida, é capaz de produzir os chamados "rios-voadores", responsáveis pelos ciclos chuvosos em grande parte do país. Desse modo, a umidade reciclada nas terras indígenas amazônicas é transportada e se torna chuva em outras regiões do Brasil, como o Centro-Oeste e o Sul. Por sua vez, esse mecanismo depende diretamente da manutenção de áreas de florestas nativas conservadas.
“A influência dos rios voadores já era conhecida, então o que fizemos foi usar dados que já estavam disponíveis desde 2020 para quantificar de fato essa influência – não só do ponto de vista da água, mas também da economia, em uma abordagem interdisciplinar”, explica a matemática e meteorologista Marina Hirota, professora na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Ou seja, mais do que mapearmos as chuvas que atingem as áreas de agropecuária, convertemos esse dado em valores econômicos”.
São as terras indígenas também as maiores protetoras das florestas, pois atuam como uma barreira do desmatamento. Entre 2019 e 2023, apenas 3% dos 4,4 milhões de hectares desmatados no bioma Amazônia ocorreram dentro desses territórios.
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“Os dados que analisamos endossam estudos anteriores. Eles mostram que a proteção e a demarcação das Terras Indígenas são instrumentos fundamentais e urgentes para a conservação da Amazônia”, completa Caio Mattos.
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