Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Brasil teve 152.383 focos de incêndio entre 1º de janeiro e 6 de setembro deste ano, índice 103% maior que o registrado no mesmo período de 2023. Desde 2010 não eram verificadas tantas ocorrências no país.
As ocorrências não terminaram, entretanto, no dia 6. Entre os dias 9 e 10, o país registrou 5.132 focos de incêndio, concentrando 75,9% das áreas afetadas pelo fogo em todo o continente sul-americano, segundo o Programa Queimadas, também do Inpe. O número de focos no bioma Cerrado ultrapassou o na Amazônia, com 2.489 focos no período.
Mas o que explica essa onda de incêndios no Brasil? De acordo com os especialistas, há vários fatores. "Começa essencialmente pelas mudanças climáticas. Quando falamos que estamos perseguindo limitar o aumento da temperatura global a 1,5% até 2100, a grande luta desenhada pelo IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas], essa média não é verdadeira para o Brasil", explica, em entrevista ao Outras Palavras TV, o presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy, apontando que aqui a situação já estaria além dessa meta. "Isso está caminhando mais rápido do que se esperava e os efeitos, os impactos são maiores do que se esperava", afirma.
Ele também cita o El Niño, fenômeno que foi "muito agressivo no ano passado". "Isso aqueceu as águas do Pacífico, esquentou o planeta e esse calor permanece, gerando o efeito de seca e degradação ambiental. Hoje nós temos a mudança para o La Niña, já atuando na costa da África, mas isso acaba sendo negativo, pois impede a umidade do Atlântico de chegar para a região continental. Existe um bloqueio que ocorre em função da alta temperatura do interior do Brasil", explica.
E há ainda, de acordo com Bocuhy, um terceiro fator, além das mudanças climáticas e do El Niño. "Um outro elemento é que choveu menos na Amazônia durante o verão. Então, existe menos umidade na Floresta Amazônica e, portanto, menos evapotranspiração para o interior do continente, isso gerou seca, um nível de umidade baixíssimo (...). Quando falamos em queimadas, é o resultado disso tudo. As queimadas são um efeito do aquecimento global que se soma a esses outros eventos e nós estamos vivendo uma sinergia de impactos", pontua.
Agronegócio e ações criminosas
No Cerrado, o agronegócio é focado na formação ou renovação de pastos, e essa é a região que concentra o segundo maior rebanho do país. Assim, é o bioma com a maior taxa de conversão da vegetação primária em pastagens, explica o economista agrícola e ambientalista brasileiro Jean Marc von der Weid neste artigo.
"Neste bioma, o processo de desmatamento é mais simples e brutal, com o uso de fogo diretamente sobre a vegetação primária. Isso se explica pelo fato de que a cobertura vegetal dessa região não oferece madeira de lei em quantidade tentadora para a exploração e pela maior facilidade da queima em matas menos densas, do tipo savanas arbóreas e arbustivas (...). As digitais do agronegócio criador de gado bovino estão nítidas em todo o processo de desmatamento na região mais ao norte do bioma, mas do centro ao sul é o agronegócio sojeiro que predomina", detalha.
Para Jean Marc von der Weid, a proliferação do fogo prejudica parte do próprio agro. "O incrível neste quadro é a falta de reação dos setores do agronegócio do Sul e do Sudeste, que preferem apoiar toda e qualquer medida que facilite o processo de destruição em curso nos três biomas, que beneficia apenas a pecuária extensiva no Norte e no Centro-Oeste. Nos últimos 35 anos, 71 milhões de hectares de florestas foram transformados em pasto só na Amazônia, hoje concentrando quase a metade do nosso imenso rebanho de mais de 216 milhões de cabeças de gado. Essa conversão vem crescendo em um contínuo, cada ano superando as médias dos anos anteriores", explica.
Nesta terça-feira (10), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou sobre a situação. "Esse fogo é criminoso. É gente que está tentando colocar fogo para destruir este país", afirmou, destacando que 85% das propriedades afetadas no Pantanal são privadas.
Em nota, a Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) afirmou, também na terça, que o governo federal está mobilizado para enfrentar as queimadas no país. "Além do combate às chamas, também existe o trabalho de investigação policial. Em 52 inquéritos, a Polícia Federal apura o cometimento de crimes ambientais e outros conexos, como lavagem de dinheiro, bem como possíveis ações dolosas e envolvimento de organizações criminosas", pontua a Secom.