Óleo no Nordeste: "Atraso do governo é imperdoável e criminoso", diz gerente do Greenpeace

"É um desastre de enormes proporções, que, além de poluir a água do mar, inviabiliza o consumo de alimentação de produtos pescados, afeta turismo, traz doenças e atrapalha todo um ecossistema animal"

Óleo em praia próxima à Foz do Rio São Francisco - Foto: Wilfred Gadêlha
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Por Gabriella Sales, do Portal Veg [caption id="attachment_193843" align="alignleft" width="200"] Foto: Divulgação/Greenpeace[/caption] O Portal Veg entrevistou Ricardo Baitelo, gerente de Clima e Energia do Greenpeace Brasil, para falar sobre o vazamento de óleo que se espalhou pelas praias do Nordeste. Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no sábado (2) já eram afetados 314 localidades de 110 municípios dos nove estados, entre praias, rios e ilhas. Engenheiro eletricista, doutor em Planejamento Energético, Ricardo ajudou a impulsionar o setor eólico brasileiro, com articulações políticas no Nordeste e no Congresso Federal e a energia solar. Coordenou quatro edições do estudo [R]evolução Energética e sua equipe trata ainda de mudanças climáticas e mobilidade urbana. É o líder global da campanha de Corais da Amazônia, que engajou mais de dois milhões de pessoas em todo o mundo e tem impedido a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Portal Veg – Quais têm sido as principais ações do Greenpeace para combater os impactos do derramamento de petróleo no Nordeste? Ricardo Baitelo – Nosso trabalho no tema de petróleo e transição energética já tem mais de uma década. Nesse período, temos promovido a transição da matriz energética para fontes renováveis e sustentáveis e ao, mesmo tempo, focado em reduzir a demanda por combustíveis fósseis. Acompanhamos este – que é o maior desastre ambiental do país em termos de extensão – com profunda tristeza e preocupação. É tempo de agir para minimizar, ao máximo, todos os impactos. Estamos acompanhando a situação desde os primeiros momentos, apoiando locais impactados e expondo a incapacidade do governo federal diante do problema. No âmbito público, temos participado e contribuído nas discussões sobre o assunto. Em Alagoas, Bahia e Pernambuco, estivemos em pelo menos cinco audiências públicas nos últimos dez dias. Também temos papel na articulação com outras organizações para formularmos propostas para que sejam evitadas tragédias como essa no futuro. A Fórum mergulhou na realidade da grande tragédia nas praias do Nordeste. Apoie o minidoc.  Estamos, ainda, operando com nossos grupos de voluntários na limpeza e atividades de documentação da tragédia nas praias da Bahia, Maranhão, Ceará e Pernambuco. Para ajudar a população no contingenciamento dos danos, o Greenpeace também tem comprado e disponibilizado equipamentos de segurança para minimizar os riscos do contato com o petróleo. Apoiamos, com esse trabalho de assistência, as populações que não podem esperar o governo federal para serem atendidas. Portal Veg – Sabemos que o contato direto com o óleo pode ser extremamente prejudicial à saúde do ser humano. O que pode ser feito pela população para ajudar na limpeza e na redução dos impactos? Ricardo Baitelo – Esta é uma das nossas grandes preocupações. Já temos vários relatos de pessoas que tiveram contato com o óleo e passaram mal, apresentaram infecções e outros problemas. O uso de equipamentos apropriados de segurança ajuda a evitar esse tipo de situação. Sabemos que os moradores de locais afetados vão participar – de uma forma ou de outra – de mutirões para limpeza e reforçamos que eles se resguardem e utilizem os equipamentos de segurança. Portal Veg – O Greenpeace tem priorizado a ação em algum estado em específico? Quais são as áreas mais afetadas? Ricardo Baitelo – Temos monitorado o avistamento de manchas por satélite e informações de parceiros e atuado, principalmente, onde temos grupos de voluntários como nos estados da Bahia e Pernambuco, onde o impacto tem sido considerável. Por outro lado, apoiaremos à distância onde não pudermos ter presença física. Portal Veg – A ação do governo parece estar sendo insuficiente para o tamanho dessa tragédia. O que deveria estar sendo feito pelos órgãos oficiais? O Greenpeace tem cobrado ações do governo? Ricardo Baitelo – O governo demorou um tempo inaceitável para começar a resolver o problema e ainda patina na insuficiência e na desorganização, com falta de transparência e comunicação para a população. Por exemplo, você tem ouvido do governo algum plano para minimizar os impactos a pescadores, comércios, turismo e saúde pública? O Plano Nacional de Contingência (PNC) traz justamente a estrutura, responsabilidades, cadeia de comando para o combate a desastres ambientais relacionados a óleo como esse. O atraso do governo em implementar esse plano e comunicar o desastre à população é imperdoável e criminoso. É necessário agir com velocidade, trazer respostas e evitar maiores danos. Nossa cobrança pelas ações governamentais ocorrem diariamente e de diferentes formas. Uma delas ocorreu na semana passada, em que fizemos um protesto pacífico sobre a questão. A ideia é trazer o assunto em foco para todos os brasileiros e população internacional. Hoje, quem está sentindo isto na pele são os moradores das áreas afetadas, os trabalhadores do mar e comerciantes locais. Mas, queremos mostrar que o que está acontecendo afeta todos nós. É um desastre de enormes proporções, que, além de poluir a água do mar, inviabiliza o consumo de alimentação de produtos pescados, afeta turismo, traz doenças e atrapalha todo um ecossistema animal: tartarugas, aves, peixes, mariscos, etc. Então, é um problema de todos nós. Todos os brasileiros precisam pressionar o governo. Portal Veg – Até agora, quais parecem ser os maiores impactos para a saúde dos ecossistemas afetados? Ricardo Baitelo – Esta é uma grande pergunta: como ficará a vida marinha no fundo do mar depois desse desastre? Não temos ainda a noção de quanto ela será afetada. Justamente por isso, nosso time está trabalhando para atuar com documentações mais aprofundadas sobre os corais e mangues, ecossistemas extremamente afetados. O petróleo está em estado sólido no mar, mas, quando chega as praias, ele se transforma rapidamente para o estado líquido e contamina rapidamente, em cadeia, água, areia, mariscos, aves… Por enquanto, são muitas perguntas e poucas respostas, pois não sabemos quando isso terminará. Portal Veg – Vocês têm dados de animais já encontrados mortos ou feridos devido ao vazamento? Quais as espécies mais afetadas? Ricardo Baitelo – Até o momento, o Ibama registrou 109 animais oleados, principalmente tartarugas, mas também aves e outros mamíferos marinhos. Portal Veg – O que pode ser feito para prevenir desastres como esse no futuro? Ricardo Baitelo – Em primeiro lugar, acionar o plano de contingência e dotá-lo de estrutura adequada (recursos humanos e orçamento) de forma a endereçar rapidamente este tipo de emergência. Mas, vale lembrar que temos o dever de acelerar a transição da nossa sociedade de combustíveis fósseis para energias sustentáveis, prevenindo os piores efeitos das mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, reduzindo o risco de novos desastres como este no futuro.