O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, marcou presença na confraria da extrema direita durante a posse do novo presidente da Argentina, Javier Milei, no dia 10 de dezembro.
Ao contrário dos outros chefes de Estado presentes à cerimônia, ele optou pelo traje de cunho militar que usa em todas as suas aparições públicas desde o início do conflito contra a Rússia, em fevereiro de 2022.
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Os trajes bélicos de Zelensky são variações de um moletom ou camiseta, preto ou verde oliva, com o tridente ucraniano no peito, calças cargo e botas de trabalho.
Ele usou o mesmo look durante a 78ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em setembro deste ano.
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Também estava vestido para a guerra durante a primeira visita oficial fora da Ucrânia desde o início da guerra, ao Congresso dos EUA, na capital Washington, em dezembro de 2022.
Ao abolir o uso do tradicional terno e gravata e passar a vestir-se com um estilo que virou sua marca registrada arrematada pela barba, Zelensky emite uma declaração política.
Ele construiu a imagem de um soldado no campo de batalha e deixou de lado a de um chefe de Estado em missão diplomática.
Na ocasião em que falou com os parlamentares estadunidenses, a Guerra entre Rússia e Ucrânia era o interesse principal da disputa entre o "ocidente democrático" e o "oriente autoritário".
Essa primeira visita de Zelensky à capital estadunidense chegou a ser comparada à do primeiro-ministro britânico Winston Churchill, que na Segunda Guerra Mundial chegou à Casa Branca vestindo um siren suit (uma peça de vestuário concebida para ser facilmente vestida em ataques aéreos), houve diferenças notáveis.
Churchill trocou seu traje militar por um terno formal antes de falar ao Congresso. E, ao contrário de Churchill, Zelensky tem usado tão consistentemente as suas roupas marciais em público que o visual passou a definir o seu estilo e imagem de liderança.
"Pedinsky"
Quase dois anos depois, ele retorna aos EUA, onde desembarcou nesta segunda-feira (11) com o prato estendido. Kiev só consegue manter suas Forças Armadas graças à ajuda externa.
Zelensky se reúne nesta terça (12) com o presidente Joe Biden, maior apoiador individual de Kiev, em Washington, em sua busca incessante por recursos para financiar a guerra.
Nas contas do Instituto para a Economia Mundial de Kiel (Alemanha), até 31 de outubro os estadunidenses deram o equivalente a R$ 380 bilhões aos ucranianos, 61% disso em ajuda militar.
Com as atenções do mundo voltadas para a questão Palestina, Zelensky não arreda pé da performance bélica. Tanto no discurso quanto na insistência do uso do traje militar.
Ditadores uniformizados
Seja uniforme oficial ou traje tático, a vestimenta das forças armadas há muito desempenha um papel crucial na forma como os líderes políticos constroem a sua imagem.
Essas roupas comandam autoridade, sinalizam patriotismo, demonstram determinação e expressam poder – normalmente, do tipo masculino. A moda é muitas vezes performática, o que a torna uma ferramenta política valiosa.
Historicamente, os homens fardados têm sido reverenciados e não é coincidência que muitos líderes militares competentes tenham entrado na política, capitalizando a sua experiência militar e o respeito que conquistaram.
No entanto, a autoridade masculina e o patriotismo que os uniformes transmitem também podem ter um significado negativo, especialmente quando estão associados a ditaduras.
Que o digam Adolf Hitler, Benito Mussolini, Augusto Pinochet, Jorge Videla, Alfredo Stroessner, Humberto de Alencar Castelo Branco, Artur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo, ditadores que usaram o seu traje para militarizar a política e a vida cívica e exercer o poder derivado do medo, do controle e da autoridade absoluta.
Na democracia liberal dos EUA, líderes como George Washington, Ulysses S. Grant e Dwight D. Eisenhower usaram a fama militar para construir legitimidade política, mas se apresentaram como líderes civis. Nos retratos presidenciais, eles vestiam ternos, simbolizando poder e prestígio sem recorrer à imagem militar.
Guerreiros eternos
Trajes militares também são adotados por líderes de revoluções populares como Fidel Castro, em Cuba, e Yasser Arafat, na Palestina.
Para eles, o uniforme de batalha camuflado servia a um propósito utilitário, ao mesmo tempo que transmitia a sua imagem política como “guerreiros eternos” pelas causas da revolução cubana e da independência palestina, respectivamente.
Ao ostentar estes trajes, juntamente com barbas, Castro e Arafat alinharam-se com as lutas do seu povo enquanto utilizavam a sua experiência de batalha como uma força política.
O traje de Castro foi especialmente notável por simbolizar o seu papel na derrubada de Fulgencio Batista, o ditador militar corrupto de Cuba que usava uniforme de general.
Ao adotar um simples uniforme verde-oliva como novo líder de Cuba, em vez do traje do seu antecessor, Castro incorporou a resistência e afirmou o seu próprio heroísmo na revolução.
Os trajes de Fidel tornaram-se tão icônicos como um estilo revolucionário que, em 1983, Castro foi incluído no Fashion Hall of Fame da revista People (junto com a princesa Diana e David Bowie).
A imagem de Arafat como combatente foi tão crucial para a sua identidade que ele manteve o estilo mesmo depois de se tornar líder civil.
Em aparições públicas, incluindo uma cerimônia oficial no gramado da Casa Branca após a assinatura dos acordos de paz de Oslo em 1993, Arafat vestiu o seu famoso uniforme.
Ao contrário do seu parceiro israelense, Yitzhak Rabin, um general militar que trocou o seu uniforme por um fato quando se tornou primeiro-ministro, Arafat usou o seu traje de batalha para definir a sua relação com o povo palestino e os seus esforços contínuos para alcançar o reconhecimento internacional de um Estado até sua morte em 2004.
A adoção de trajes militares por Zelensky fornece mais uma ilustração da imagem do guerreiro que se tornou líder político.
De um comediante com experiência política ou militar mínima antes de se tornar presidente teve de construir simultaneamente o seu estilo e a sua legitimidade política.
Tal como Castro e Arafat, ele compreende o impacto que a moda pode ter no público nacional e na comunidade global e, tal como eles, usa as roupas para construir a sua própria marca política.
A roupa casual de inspiração militar de Zelensky é diferente do uniforme militar oficial ucraniano. Ele tenta passar uma imagem democrática de "guerreiro eterno". Sua vestimenta militar funciona como uma expressão da democracia, porque ele, como outros ucranianos, é um civil que se tornou soldado na batalha pelo seu país.
Quando esteve no Congresso dos EUA há cerca de um ano, Zelensky discursou “Derrotamos a Rússia na batalha pelas mentes do mundo”.
Agora, a batalha dele prossegue para que a Ucrânia não seja varrida das mentes do mundo, diante das atenções voltadas para o Oriente Médio e os cofres vazios de Kiev.
O presidente da Ucrânia segue vestido para uma guerra que ele já perdeu.