De assessor a refém: a odisseia de Tarcísio de Freitas — por Maria Luiza Falcão Silva
De técnico discreto a mascote do bolsonarismo, Tarcísio se adaptou a cada chefe com o zelo de quem muda de farda conforme a tropa
Não é que eu esteja com pena do Tarcísio — longe disso. Mas há algo de tragicômico na trajetória desse homem que começou como assessor obediente, cumpridor de ordens e adulador contumaz de Dilma Rousseff, para depois se reinventar como ministro de Bolsonaro, arauto da privatização, e finalmente chegar ao posto de governador de São Paulo — um cargo que imaginou ser a antecâmara do Planalto.
Foi rápido, meteórico — e já parece em declínio.
De técnico discreto a mascote do bolsonarismo, Tarcísio se adaptou a cada chefe com o zelo de quem muda de farda conforme a tropa. A imagem dele na garupa da moto de Bolsonaro, acelerando pelas ruas, continua inesquecível: o símbolo perfeito da subserviência que se travestiu de bravura.
E, quando a onda parecia eterna, lá estava ele, orgulhoso, usando o boné vermelho do “Make America Great Again” — versão tupiniquim do “Deus acima de todos”. Defendeu o “America First” com fervor, como se o Brasil fosse uma filial mal gerida do império. Donald Trump, Jair Messias Bolsonaro, Benjamin Netanyahu: eis o triângulo moral em que Tarcísio buscou inspiração — e no qual naufragou.
Da planilha ao populismo
A ironia é que o “técnico exemplar”, o “engenheiro que entrega obras”, hoje parece não conseguir entregar nem segurança nem coerência. O Estado que ele prometeu gerir com eficiência empresarial virou um laboratório de caos. A capital financeira do país está dominada por facções criminosas, e os paulistanos, esses “empreendedores do asfalto”, vivem sob o império de quadrilhas que decidem desde o preço da gasolina até o destino de bebidas falsificadas que já mataram dezenas.
Tarcísio acreditou que bastava trocar o capacete de engenheiro pelo terno de político para governar o Brasil como se fosse uma planilha de Excel. Mas o cálculo não fecha: a planilha que ele preencheu em Brasília era a dos contratos públicos; agora é a planilha da morte, com números de vítimas do metanol e do crime organizado subindo a cada semana.
Aquele que se vangloriava de “não ser político” tornou-se justamente o pior tipo de político — o que faz pose de técnico enquanto acena para o extremismo. Aprendeu rápido a arte de bajular: adulou Bolsonaro como antes adulava Dilma. E se adaptou a cada novo chefe com a flexibilidade moral de quem muda de partido como quem troca de crachá.
O governador que teme o próprio Estado
Hoje, Tarcísio se diz “preocupado com o crime organizado”, mas evita pronunciar as três letras proibidas: PCC. Fala em “mercado ilegal”, “problemas de fiscalização”, “desafios da segurança”, qualquer coisa — menos o nome do verdadeiro poder paralelo que o enfrenta.
O ex-ministro do “Brasil que dá certo” agora comanda o estado que dá medo. E o silêncio diante das mortes por envenenamento não é apenas covardia: é cálculo político. Falar demais pode desgastar o mito da eficiência. Afinal, como admitir que o governador modelo da direita foi engolido pelo submundo da própria economia que idolatra — a do lucro acima da vida?
O lobista de luxo e a derrota da MP do IOF
Nos últimos dias, Tarcísio encontrou um novo papel: o de articulador dos ricos.
Quando o governo federal apresentou a MP do IOF (Medida Provisória 1.303/2025), que previa ajustes nas alíquotas e regras de tributação de aplicações financeiras e grandes capitais — medida que ajudaria a reforçar o caixa da União e equilibrar as contas de 2026 — o governador paulista entrou em cena.
Segundo relatos de bastidores, ligou pessoalmente para governadores e líderes partidários, articulando a derrubada da proposta.
A MP, que poderia arrecadar cerca de R$ 17 bilhões, foi retirada de pauta na Câmara e perdeu validade. O relator, Carlos Zarattini (PT-SP), acusou Tarcísio de interferência direta — e com razão.
Logo depois, em vez de assumir o papel de lobista da elite financeira, Tarcísio gravou um vídeo teatral nas redes sociais, atacando o ministro Fernando Haddad:
“Agora, ficar jogando uns contra os outros de forma absurda e querer que a população apoie aumento de impostos, e eram dez impostos que iam ser aumentados ontem, ninguém, nem eu, nem o país, vai apoiar. Já chega, vamos parar de inventar culpado. Tenha vergonha, Haddad, respeite os brasileiros.”
O discurso soou popular, mas era puro marketing. Enquanto se dizia defensor do “povo que não aguenta mais impostos”, Tarcísio comemorava, nos bastidores, a vitória de um lobby que beneficiou as Big Techs, os bancos e o capital especulativo.
Foi o retrato fiel do “engenheiro que virou operador político”: quando o interesse é dos ricos, ele articula; quando a conta chega ao povo, ele grava vídeo.
Do candidato forte da direita à irrelevância
Hoje, Tarcísio tenta manter o discurso de gestor moderno, mas já não convence nem os seus. O brilho de outrora apagou. A direita que o tratava como “novo rosto do conservadorismo” agora o observa com o mesmo desdém reservado a um produto fora de linha.
Enquanto isso, Lula cresce nas pesquisas, fala ao povo, governa com resultados concretos e se firma como favorito para 2026. A ironia é deliciosa: o homem que queria ser presidente já é passado antes mesmo da disputa começar.
Tarcísio, o garupa de Bolsonaro, o discípulo de Trump, o aliado da Faria Lima, terminou preso num labirinto de contradições.
E o Brasil observa, entre risos e alívio, a queda previsível de quem confundiu bajulação com liderança e marketing com destino.
Não, não tenho pena de Tarcísio.
Tenho pena de São Paulo — que merecia um governador, e ganhou um estagiário da extrema-direita.