TEMPUS VERITATIS

Golpe de Bolsonaro: ex-comandante do Exército depõe à PF e deve explicar ordem a líder dos "kids pretos"

Freire Gomes é último a depor entre os ex-chefes das Forças; ele pode ser interrogado sobre trocas de mensagens com Mauro Cid

Bolsonaro e Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército.Créditos: Estevam Costa/PR
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O general Freire Gomes, ex-comandante do Exército, é esperado para depor à Polícia Federal nesta sexta-feira (1) acerca da trama golpista com envolvimento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados. Último a falar, ele deve esclarecer a ordem dada ao general Estevam Theophilo, responsável pelos "kids pretos".

Freire Gomes será o último dos ex-comandantes a prestar depoimento depois da operação Tempus Veritatis, que apura a organização criminosa que teria envolvimento na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito, para obter vantagem de natureza política com a manutenção do então presidente da República no poder.

O general da reserva pode estar em desvantagem em relação aos demais investigados, cujas versões do seu envolvimento na minuta do golpe foram apresentadas anteriormente. Os ex-comandantes da Marinha, Almir Garnier, e da Aeronáutica, Carlos Eduardo Baptista Júnior, já passaram pela oitiva.

O horário do depoimento ainda não foi confirmado, mas deve ser realizado durante a tarde. Freire Gomes retornou da Espanha, onde moram seus familiares, para prestar esclarecimentos à PF e estaria disposto a responder todas as indagações dos investigadores, segundo interlocutores.

O ex-comandante não é investigado formalmente na operação Lesa Pátria, mas a Polícia Federal deve interrogá-lo sobre o general Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, que relatou ter se reunido com Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada, em dezembro de 2022, para discutir um plano de golpe de Estado à pedido de Freire Gomes.

Theophilo, então chefe do Comando de Operações Terrestres (Coter), era também o responsável por acionar militares das Forças Especiais, o grupo denominado "kids pretos", para concretizar o golpe, caso fosse necessário. De acordo com o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Theophilo garantiu ao ex-presidente que "colocaria sua tropa na rua".

Aliados de Freire Gomes teriam minimizado o depoimento de Theophilo, indicando que nenhum general se reúne com o presidente da República sem conhecimento do comandante da Força.

Citado por Mauro Cid

Freire Gomes também deve ser questionado pela troca de mensagens com o tenente-coronel Mauro Cid ao longo de 31 dias, segundo apurações da Polícia Federal (PF). Em depoimento, ele deverá argumentar que não foi omisso quando soube das intenções de golpe de Estado, e que articulou contra a sua execução.

Ao seus interlocutores, o general afirma que acionou os demais colegas do generalato do Exército para barrar uma possibilidade de golpe. Ou seja, ele teria usado seu cargo para atuar contra a tentativa de reverter o resultado da eleição presidencial de 2022, e não foi omisso, nem prevaricou.

O atual comandante do Exército, o general Tomás Paiva, pode ser apresentado como uma testemunha a favor do depoimento de Freire Gomes. Em entrevista ao Globo, ele já declarou que, quando "comandante do Exército, [Freire Gomes] não tinha opção", referindo-se ao posicionamento contrário ao golpe orquestrado pelo alto escalão do governo à época. 

Para Freire Gomes, uma atuação junto ao Alto Comando seria mais efetivo que denunciar as intenções golpistas de Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF). Uma denúncia à Corte resultaria em uma crise institucional no país, justamente o objetivo da organização criminosa, dizem os aliados próximos do general.

Na representação que embasou a operação Tempus Veritatis, deflagrada no dia 8 de fevereiro, a Polícia Federal menciona cinco áudios enviados pelo tenente-coronel Mauro Cid para o que indica ser o então comandante do Exército, por meio de um aplicativo institucional da Força militar.

Ao longo de 31 dias, entre 8 de novembro e 9 de dezembro de 2022, Cid enviou relatos sobre as reuniões com a cúpula de confiança de Jair Bolsonaro, nas quais se discutiu a edição da minuta do golpe e manter a determinação de prisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do STF, Alexandre de Moraes.

"Hoje o que ele [Bolsonaro] fez de manhã? Ele enxugou o decreto, né? Aqueles considerandos [sic] que o senhor viu e enxugou o decreto, fez um decreto muito mais, é… Resumido, não é?", comunicou o ex-ajudante de ordens em áudio enviado ao celular que seria de Freire Gomes, em 9 de dezembro. Ou seja, Bolsonaro teria alterado a minuta do golpe.

Dois minutos depois, ele enviou outra mensagem de voz, que pode ter confirmado "[a relação das] pessoas que participaram da reunião no dia 07/12/2022 e a existência do decreto que foi alterado e limitado".

O tenente-coronel refere-se às reuniões organizadas com o general Augusto Heleno, o ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa; o general Walter Braga Netto, ex-ministro Chefe da Casa Civil; e Mário Fernandes, ex-secretário-geral substituto da Presidência da República.

"Ele mexeu naquele decreto, né. Ele reduziu bastante [a minuta] e fez algo muito mais direto, objetivo, curto e limitado."

Na delação premiada, Cid argumenta que o ex-presidente pediu para tirar a ordem de prisão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG),e do ministro do Supremo, Gilmar Mendes, mantendo somente o nome de Moraes.

"Cagão"

Na falta de um posicionamento favorável às intenções de golpe de Estado, Freire Gomes foi criticado pelo general Braga Netto em conversa com o militar Aílton Barros, pelo aplicativo de mensagens WhatsApp. O ex-ministro chama o então comandante do Exército de "cagão".

Confira a informação obtida na investigação da operação Tempus Veritatis:

"Meu amigo, infelizmente tenho que dizer que a culpa pelo que está acontecendo e acontecerá e do Gen FREIRE GOMES. Omissão e indecisão não cabem a um combatente'. Em resposta, AILTON BARROS sugere continuar a pressionar o General FREIRE GOMES e caso insistisse em não aderir ao golpe de Estado afirmou 'vamos oferecer a cabeça dele aos leões'. O investigado BRAGA NETTO concorda e dá a ordem: 'Oferece a cabeça dele. Cagão'"

Participação no QG do Exército

Por fim, a Polícia Federal deve retomar o tema da mobilização de bolsonaristas acampados em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília. O ex-comandante será indagado sobre sua inércia diante dos acampamentos.

Em novembro, após o espalhamento de acampamentos por todo o país com o objetivo de contestar a vitória eleitoral de Lula (PT), Freire Gomes assinou uma nota pública junto de Garnier e Baptista Júnior em defesa do direito de manifestação.

O general teria dito, na época, que as manifestações não durariam e se dissolveriam sozinhas. Contudo, a sua falta de atuação na retirada de manifestantes e instalações do local resultaram em um dos principais redutos radicais que culminou nos atos golpistas de 8 de janeiro.

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