Berimbau

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Por Allan da Rosa,  Berimbau (trecho de “Pedagoginga, Autonomia e Mocambagem”, de Allan da Rosa, 2013, Editora Aeroplano) [caption id="attachment_114" align="alignleft" width="233"] (Imagem: Divulgação)[/caption] O berimbau é, por um lado, a espada do samurai capoeira. Instrumento, ferramenta, companhia e arma. É arqueado, esticado, encontrando o seu afino. Aponta masculino para cima. É um eixo, espinha dorsal. Está colado ao corpo, é sua extensão, seja pela cabaça pegada à barriga, seja pela marcação do ritmo. A cabaça lhe dá um caráter possivelmente feminino. O ventre, provedor. O berimbau é o maestro na função da capoeiragem. Ritmando a batida do coração, o pulso, orquestrando o tom do jogo, o sotaque da dança, chamando as intenções. Sua toada repercute no ouvido, nas palmas, no côro e na ginga. O berimbau Gunga rege a bateria de angola, traz um alívio do lamento e uma seriedade da brincadeira, conduz a solenidade e a gargalhada; o berimbau Médio mantém o berro do boi, apresenta-se invertido perante o toque do Gunga, marca e é coluna o teu som. E o berimbau Viola repica, gota fina de choro, agudo, ou moleque traquinas, ancião alegre. Sua cabaça geralmente menor, (mas não necessariamente porque isso depende do casório combinado da cabaça com a verga, com a madeira, sempre), suas agulhadas relampeando no ar, ponteirinhas do ritual. Sempre em número de três, como nas parelhas sagradas de tambores. Nele, compreender a presença integral da cultura afro brasileira é atentar para sua presença ascendida, a aparência primeira da verga. Sim. Recordando que é a cabaça, voltada para dentro, pegada à região umbilical, nem tão visual quanto a madeira, que garante sua ressonância, melodiosa e mística. Dá-se aí a experiência amorosa, que realiza a união complementar do princípio feminino com o masculino – o encontro, que abre as portas à vida e ao conhecimento. O toque do berimbau ecoa na memória. Sustenta a pegada tanto na saudação quanto no golpe. Sente-se sua familiaridade à função, bonito de olhar. O porte do capoeira, ao se formar a roda e chamar na percussão, é também o porte do berimbau. Põe respeito. Na ciranda das posições na roda, tocar o berimbau é proporcionar que os outros joguem, ginguem, lutem, vadeiem. O fio do berimbau, seu arame que faz a ponte entre os pólos da biriba, salientado como elemento dramático, que mantém a madeira curva. Teso, o arame hoje em dia tão retirado dos pneus (redondos), baseia a corda que mantém a cabaça aprumada na altura certa, recebendo e atilando as batidas da baqueta e os toques do dobrão, a moeda que retine o som. O berimbau pelo equilíbrio de seus elementos é uma imagem, simbólica por excelência, da cultura afro-brasileira. Herdeiro legítimo do urucungo bantu, mas construído com os materiais da terra, não renega nem abandona o seu elemento ascensional, lutador , precisa dele, mas vive por sua matéria feminina, curva, provedora de sopro. A boca que engole também é a que guarda a língua e a que beija. Já presenciei mestre que, ao estourar se o fio de arame, dada a energia que agarrou-se à sua tensão ( a da roda), esperando a chegada de outro Gunga afinado, pôs-se a orquestrar a roda com respeito e picardia percutindo a baqueta na cabaça, com generosidade e tirando som, harmonizando o canto corrido, rimando e sustentando o rito sem a verga e sem o arame. Sorrindo seu olhar mandingueiro, angariando naturalmente respeito. Fazendo, no improvável e na falta, dentro da regra do jogo, a presença autêntica e convidativa aflorar. Aruanda reviver. Junto com seus filhos.