Não precisamos de Princesa Isabel! (Agora é que são elas!)

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Neste início de novembro, nós homens com espaços nos veículos de comunicação e mídia recebemos a chamada da campanha “Agora é que são elas!”. Por uma semana os textos serão assinados exclusivamente por mulheres e nós praticaremos os raros atos de ouvir e ler as ideias, experiências, reflexões e horizontes femininos. O que não pode ser mascarado com a hipócrita panca de doação ou concessão e que deve frutificar, junto e após a campanha, com a urgente abertura e presença delas como colunistas frequentes em nossos jornais e sites. Aqui na coluna “À Beira da Palavra” vão rodar textos de mulheres negras que marcam as universidades e as quebradas. Na estreia vem o “Não precisamos de Princesa Isabel”, de Caroline Amanda Borges, articuladora nacional da campanha Reaja ou Será Morta! E nos próximos dias os textos de Ana Flávia Magalhães Pinto e Rosane Borges, brilhantes pensadoras, pesquisadoras e ativistas, além da letra de Jenyffer Nascimento, poetaça do extremo sul paulistano e do mundo. E uma surpresa pro fim de semana.                                                     *** Não precisamos de Princesa Isabel!!! De auto preservação elas e eles sabem. E Nós? Aceitei prontamente o convite do amigo escritor, poeta e capoeirista Allan da Rosa. Não conheço as idealizadoras da Campanha “Agora é que são Elas”, mas desde já quero registrar respeito pela iniciativa. texto carol borgesA autopreservação sempre foi a primeira obrigação humana da etnia dominante. Por isso, consideravam que qualquer alteração do status quo colonial e étnico no novo país era não só uma agressão à dominação, mas algo tão perigoso como uma agressão física ao seu mundo.” (Análise de Luís Mir sobre a Constituição de 1824 e a manutenção do regime escravista). No momento histórico supracitado, o período da Constituição de 1824, a autopreservação da diáspora africana era a ordem do dia. Mulheres e homens negros estavam em intrínseca unidade, de norte a sul do país. Sabinada, Balaiagem, Cabanagem, Revolta dos Malês, essa última, liderada por uma mulher negra, Luiza Mahin. Tal realidade nos tornava inimigos inconciliáveis da supremacia branca no Brasil. Bem como, o “fantasmagórico” HAITIANISMO, o maior atentado contra a sanidade da aristocracia latino-americana. Em todos os levantes e na Revolução Haitiana estávamos em unidade ombro a ombro, pela auto preservação, liberdade e para reerguer a dignidade do povo negro. Através de todos os meios necessários: ginga, ”arapucas”, furtos, sequestros, venenos, magias, lanças, espadas, machados. Todos os meios pensados, produzidos e operados por mulheres e homens de todas as idade. No entanto, o que experimentamos de lá pra cá é a sofisticação do racismo de modo estrutural. Bem como uma vivência de relações deformadas com práticas machistas e letais, que aferem sobretudo nós mulheres negras.Vejamos os dados: Segundo o Dieese, no caso de mulheres negras, o rendimento médio real por hora trabalhada chegou a no máximo 58,3% do valor pago aos homens não negros, enquanto as mulheres não negras tem um rendimento médio de 79% do valor pago aos homens não negros nos grandes centros urbanos. E se falarmos de desemprego, novamente a mulher negra está em desvantagem, segundo a mesma pesquisa. Se assunto for violência, a mulher negra é a que mais sofre também! Na pesquisa que o IPEA fez sobre violência contra a mulher, a taxa de feminicídios entre 2009 e 2011 foi de 5,82 óbitos por 100.000 mulheres, ou seja, 15,52 mulheres morreram a cada dia ou uma mulher a cada hora e meia. De todos os óbitos que ocorreram no Brasil por feminicídio, nesse mesmo período, 61% eram mulheres negras. As negras foram a maioria em todos as regiões do Brasil, com exceção do Sul, sendo que no Nordeste foram 87%, no Norte 83% e no Centro-oeste 68%. Mesmo os meios políticos que suscitavam e suscitam emancipação coletiva por/para o povo negro, muitas vezes é denunciado por machismo e até mesmo homofobia. É necessário olhar de frente para o grande problema que assola a vida da maioria de nós mulheres negras. Problema que muitas vezes tem no próprio homem negro a sua mais nefasta manifestação. Nefasta, por serem parte de NÓS. Nefasta, pois NÓS aguardamos as longas filas nas portarias das detenções e passamos por revistas vexatórias para visita-los. Nefasta, porque NÓS somos as coveiras oficiais da sociedade brasileira. Nefasta porque NÓS os criamos mesmo quando submetidas a solidão, seja essa solidão ocasionada pelo o encarceramento em massa , execução sumária ou abandono. Neste caso, olhar o problema apenas não basta. É necessário disseca-lo, para que tal doença não siga contribuindo como braço do Estado para a aplicação do projeto genocida sobre o povo negro, nesse caso, exterminando nós mulheres. Mas não posso deixar de reafirmar que para tal processo de construção e desconstrução não precisamos de Princesa Isabel. Somos capazes de superar o machismo dentro de nossa comunidade através de nossas práticas e métodos.  E é importante registrar também que não queremos negro nenhum a menos nos meios de comunicação.  Não aceitamos o convite das sinhás para brincar de dança das cadeiras entre nós. Afinal de contas, desde criança jamais vi qualquer pessoa negra apresentar programas infantis. E o máximo que conseguia vislumbrar era o dia em que aparecesse uma “paquita” negra. Para mim, não havia mulher negra no mundo que substituísse as doces e singelas “brancas de neve” da televisão brasileira. Homem negro então, nem se fala! Cresci ouvindo: “Lá vem o negão, cheio de paixão, te catá te catá te catá..” Qual habilidade este  homem negro teria com crianças??? Durante a adolescência, não encontrei negros na mini novela para adolescentes ou em revistas voltadas para o público infanto juvenil. Mesmo no quadro de jornalistas das principais emissoras do país, não enxergo homens e mulheres negras. Haaaaaaa!!!!!!!! Tem aquele que substitui o jornalista diretor no horário nobre aos finais de semana e feriados! Será que o caminho para refletir sobre privilégios históricos e cavar a desconstrução de tanta desigualdade é retirar de cena quem jamais subiu no palco? Sugiro a “Semana Preta dos Meios de Comunicação”, em que todos os brancos, mulheres e homens, cedam seus espaços de fala para nós, negras e negros. Quanto aos nossos irmãos, companheiros, pais, primos, tios...  Em tom imperativo: EXIGIMOS, que estejam ao nosso lado e recebam  nossa CONVOCAÇÃO para reconstruir nossa comunidade. Mulheres e homens africanos foram igualmente construtores das mais sofisticadas civilizações que o planeta já testemunhou e serão IGUALMENTE IMPORTANTES na reconstrução do nosso povo em África e em Diáspora! Caroline Amanda Lopes Borges é articuladora nacional da campanha “Reaja ou Será Morta!”. Colaboradora da “Associação de Mulheres de Ação e Reação”, integrante do grupo de pesquisa PET/Conexões de Saberes, Identidades e Diversidade, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.