O perfume, a blasfêmia e o espelho

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Um gay, lésbica ou travesti morre a cada 28 horas no Brasil. Assassinato ou suicídio. Há quem nisso firme sua baba raivosa por mandatos e dízimos. Suas vitórias brindadas nos iates, provavelmente entre a lixeira lotada de fiapos dos Levíticos, Pentecostes e Salmos. Seus conchavos tratados em áreas VIP de aeroporto. Seus ministérios ganhos de presente pra orquestrar Olimpíadas e livros didáticos, a latrina de sempre botando nos sete dias e numa suposta maldição africana a conta do desespero. Vai além de fiscalizar o lábio e a bunda alheia. Os seus radares abrangem escopetas e colégios eleitorais. E há a mídia daqui, de nossa pátria mãe gentil, que noticia diariamente o horror da intolerância do Oriente Médio. Fácil ver a brutalidade do Estado Islâmico. Difícil é mirar, querer mirar, as entrelinhas de suas próprias notícias. Manjar as anedotas infames dos seus programas humorísticos. Questionar a batelada de rádios AM e FM berrando de trepidar a mesa, em nome da pureza, da guerra do macho e de um Deus barbudo, que certamente se envergonharia dos que lhe roubaram o CNPJ. Difícil é querer noticiar o papel de cobaia das etíopes falashas, mulheres judias esfrangalhadas pela ciência higienista em Telaviv, que pelos documentos de estadia precisam tomar os comprimidos da curetagem em Israel. Difícil é querer noticiar que em vários estados e cidades dos EUA, um ateu não pode ser funcionário público ou testemunha em júri. Difícil é se perguntar porque em 7 anos o número de detentos aqui cresceu 73%, o chicote continua estralando e a redução da maioridade penal é uma estatística empresarial de quem banca deputados e penitenciárias privadas. Mas no controle remoto os hereges e os ‘intolerantes’ estão sempre longe, do lado de lá do mar. O espelho cai da moldura quando treme. Bora comprar perfume? Há muita ratazana pra pouca água de colônia. Foto: Russell Lee/Domínio Público