A revolta dos inteligentes

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Mas é muita genialidade, que assombroso nível de sapiência. Bibliotecas humanas foram à Paulista balançar bandeiras pra pedir... intervenção militar.

Eta terrinha que ilumina a nação com seus votos de feliz eleição. Não será uma pegadinha de televisão? Um comichão me avisa que daqui a pouco uma câmera vai mostrar que era tudo aplique. Virão as buzinas de palhaço (clown skinhead halterofilista) e aquela flor no peito que esguicha água, dessa vez mandando poeira... porque a SABESP respingou 500 milhões de lucro anual aos seus acionistas, empresa exemplar na bolsa de valores de Nova York desde 2000, mas agora não tem nem pro canudinho na passeata.

A revolta dos inteligentes, o motor espanado da nação. São Paulo. Eta povo sabido entupido no trânsito, correndo sobre os rios asfaltados e que sempre chega atrasado. Gente civilizada com sua forca portátil no pescoço só até às 6 da tarde, enquanto não se baixa de vez a lei que deve se dormir de gravata ou de farda.

Gente gênia gênia gênia, só ideia forte e profunda na fila de meses no hospital. Nas escolas públicas tão escangalhadas que nem seu papel de padronizar e anestesiar o rebanho elas cumprem mais. Terra que trepida se não chegar logo na bandeja os grãos importados e a água perrier na reunião da gente diferenciada que exige bons modos do mordomo.

Tragicômico. Passeata pedindo intervenção militar...

Metade de mim ri, num instinto primeiro, ri. Será aquele riso dos deuses totonacas, milenares mexicanos da costa, riso da decapitação consagrada a Xilomen no altar de Cinteótl? Daquele sangue explodindo do buraco do pescoço e virando sete serpentes... Riso trágico dos dentes abertos à penitência. Aquele riso dos deuses, expressão do seu desdém e graça do seu horror, entre o jogo e a dança, entre a crueldade e a poesia de seus ciclos... Será? Porque aqui em 2014 só vejo tapados e truculentos mesmo. Nem o milho nascente, regência da deusa Cinteótl, nos resta. Porque milho no passo verde amarelo dos que vomitam brados imbecis se vem é do transgênico que vicia e mata a terra. A terra dos comunistascamponesessubversivos arcaicos, que pensam agricultura familiar e não renda pra commodities. Milho ali na passeata pró-militarismo, se vem, vem dos pacotinhos de salgadinho amarelo, tão nutritivos quando a baba de Lobão gagá no palanque.

Mas se metade minha ri, a outra metade lamenta. Pra cada um que se dispõe a berrar por coturnos e bazucas na avenida, quantos em casa não vibram na encolha? A minha metade cabreira é a que sabe que o megafone da mídia graúda aumenta o volume das passeatas que estimula e prefere, grifando a previsão de participantes conforme sua linha editorial. É a minha metade aflita que sabe que Bolsonaros, em nome da família e da moral, incham nos céus quando a raiva e a ignorância prosperam. Pra quem os imigrantes de agora são ameaça à riqueza da nação – afinal os quinhões, sesmarias e favores estatais aos imigrantes chegados com varíola e trabuco em terra indígena nos séculos 16, 19 ou 20 pra girar o moinho do desenvolvimento é que foram justos. Afronta à igualdade constitucional são as cotas e a compensação social, exageros em nossa história pacífica de ordem e progresso.

A minha metade que lastima é a que lembra que já viu fotos de nazistas, tão ternos, com pirulitos nas praças e acariciando a cabeça das suas crianças nos intervalos do trabalho nos campos de concentração. Sempre preocupados com a bunda alheia. Mote do poder.

Bem, os manicômios, esses antros urinados pelos cantos e movidos a pílulas cavalares e cassetetes e corrós de castigo, esses que impõem versículos pra curar os que carimbam como alienados, até eles também devem estar calculando novos investimentos e tratamentos especiais pra essa gente que marcha e saracoteia pedindo ditadura.

Se é corrupção o que incomoda esses manifestantes, afe... imagino o peito murchando quando souberem dos casos Coroa-Brastel, dos casos Econômico, Eletrobrás, UEB/Rio-Sul, Aurea, Lutfalla e tanto mais que na época nem averiguado era.

No livro “Como eles agiam”, o historiador Carlos Fico alinha: “Entre 1968 e 1973, auge da ditadura, a Comissão Geral de Investigações (CGI) analisou 1.153 processos de corrupção. Aprovou 41 confiscos de um total de 58 pedidos”.

Ah, os favores às empresas que contribuíam na caixinha do choque elétrico. Que amor patriótico. Imagina hoje saberem que as fardas ditando soberania nacional deixaram a bagagem da dívida externa trilionária... E os frutos da Transamazônica e da Usina de Angra dos Reis.

Eu entre os rebeldes da camisa da seleção brasileira da CBF, meu estômago aguentaria ouvir o que pensam esses ilustres senhores sobre a tortura institucionalizada? Essa que persevera hoje nas caladas da noite de qualquer quebrada e fecha o caixão nos cemitérios mudos das valas da juventude preta?

Foto de capa: Oswaldo Corneti/Fotos Públicas