Dança das cadeiras à la libanaise

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Por Thomas Farran
Os mitos e as narrativas que se perpetuam por trás dos interesses exteriores (e interiores) na democracia libanesa, invariavelmente, não têm a atenção e a honestidade necessárias para encarar frontalmente o que veio a ser a apresentada "reforma" do governo.

Um pequeno resumo alternativo de fatos ignorados acerca do cenário, e da nova formação do governo libanês: 

1- O Hizbollah vende seus planos de liderança para um "Líbano forte" e "justiça social", em troca de um passe-livre para atuar na Síria e investir regionalmente. Mostrando o quão pouco comprometido está com os seus princípios pregados, acabará por perder individualmente muito com isso no país.

2- Para toda essa redistribuição de poderes ser efetiva, seria necessária alguma coesão e maturidade política intra e extra-alianças, o que certamente não é o caso. Apesar da Aliança 8 de Março abrir mão da liderança, esta sai fortificada internamente da situação, enquanto a situação interna da oposição, liderada pelo Movimento Futuro, se deteriora.

3-
A "vitória" da Aliança 14 de Março, é mais movida a propaganda do que qualquer outra coisa: não fica com a liderança, e nem com a responsabilidade de ministérios-chave (como Finanças, Energia e Relações Exteriores) que no fundo era o que interessava para a grande maioria da aliança, e acaba por ter que se envolver no fardo da segurança em uma das situações internas mais tensas dos últimos anos no país, e a ter que ficar de frente com um problema que eles ajudaram a criar: os rebeldes que atuam na Síria contra o regime de Assad, e que agora estão infiltrados, espalhados e atuando no Líbano.


4-
A presença de figuras como Chabtini e Rifi ocupando pastas ministeriais, é de fato preocupante.
Chabtini pelo histórico de conivência (para ser brando) com a interferência israelense no país enquanto juíza, e Rifi por seus laços extensos com o regime saudita - o que até certo ponto explica a anedótica proposta apresentada por Saad Hariri  para Rifi ocupar o cargo de primeiro-ministro.

5-
O sistema político confessional, que distribui os poderes de acordo com a composição demográfico-religiosa do país, é baseado em um censo oficial e foi implementado em 1943 através do "Pacto Nacional" e parcialmente revisado em 1989 no "Acordo de Taif".

O último censo oficial do Líbano? 1932.
E apesar de toda papagaiada da Aliança 14 de Março glorificada na mídia ocidental, o censo de 2012 encomendado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos usado como fonte para "não haver maioria religiosa", não bate com a simples matemática, nem com a realidade em terreno. 
O Líbano hoje tem uma maioria, e ela é muçulmana xiita.
O atual sistema é ultrapassado, alimenta o sectarismo no país e providencia o ambiente ideal para o bizarro cenário político libanês.

Na dança das cadeiras libanesa, nada de novo.
O sectarismo politicamente patrocinado continua, as mesmas elites continuam a decidir, os mesmos agentes externos a interferir, e a falsa sensação de unidade e controle prevalecerá, e nessa "bomba-relógio", como bem definiu Sami Kleib no diário al-Akhbar, quem perde é o libanês.