É a ocupação, estúpido!

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Por Thomas Farran

Aparentemente a sede de sangue característica dos surtos psicóticos coletivos sionistas chegou ao Brasil, dessa vez em forma de um amontado de palavras em um dos jornais de maior circulação do país.
Nele, um tal Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, decidiu que era boa ideia colocar o pudor de lado e se libertar de todas as suas ânsias tribalistas e desejos reprimidos para uma sociedade superior e pura, regada a sangue, em forma de uma nota.

Brotou mais um tentativa de propaganda sionista, ou Hasbará, que como erva daninha, não tem outro objetivo senão se espalhar a custo do que quer que seja.

Nesse caso, o custo é a verdade.

Na nota publicada, Bierrenbach escreve, dentre mentiras, fraudes e um racismo não-tão-velado, a repetida a pseudo-teoria que não existe um povo palestino, sendo que o mesmo ainda equipara a luta de libertação palestina ao nazismo e como cereja em cima do bolo, sugere que os que lá estão -já que os palestinos não existem- não podem ser sujeitos à qualquer tipo de piedade ou empatia.São todos terroristas e antissemitas, conclui o texto.Para todos os efeitos, desconsiderarei a abordagem racista e violenta do autor da nota.Não acho que seja produtivo responder tal retórica, pelo que o pior dano que poderia ter sido feito ao autor, já foi causado pelo mesmo.
Não, não.

Aqui vale atentarmo-nos ao aspecto cientifico do texto que o mesmo se propõe - mesmo que de forma mal construída e infundada- a esclarecer.
Irei partir das premissas da nota onde se assume que 1)A Palestina, enquanto entidade, nunca existiu, 2)Nunca existiu um povo palestino, sendo que  3)O nacionalismo palestino foi "inventado" (seja lá o que isso queira dizer) por Arafat, em algum ponto da sua vida, e por fim 4) O sionismo é uma resposta ao antissemitismo / palestinos são antissemitas / anti-sionismo é antissemitismo.Quatro argumentos que não são novos, e tem o único objetivo de sequestrar o verdadeiro tema do debate, e se apoderar da narrativa de forma desonesta e através da intimidação.
No caso da narrativa sionista, o lugar-comum é invariavelmente culpar a vitima.

Antes de me dirigir a cada um dos 4 pontos, vale a pena lembrar que:
- Apesar de Bierrenbach escrever que "[...] embora seja fácil comprovar com argumentos históricos, geográficos, antropológicosliterários e ate religiosos a inexistência de um povo palestino [...]", o mesmo falha -naturalmente- em demonstrar, seja em qualquer um desses critérios, a própria tese. 

Digo naturalmente, porque as massivas evidências da existência de uma população palestina que remonta à milênios, sequer é contestada em qualquer que seja o meio, e a pouca literatura que propôs a pseudo-teoria da "invenção do povo palestino" (como o "From Time Immemorial" de Joan Peters) foi em um curto espaço de tempo, provadas fraudes no meio acadêmico. Ou seja, é justamente o contrário do que afirma o autor.
Ironicamente, é justo a construção "povo judeu", derivada da ascensão do sentimento colonialista sionista, que é contestada junto ao meio acadêmico, por falhar em se caracterizar de facto como um povo.
Em uma bem pesquisada e divulgada trilogia de livros («A Invenção do Povo Judeu», «A Invenção da Terra de Israel» e «Como eu parei de ser Judeu»), o historiador -judeu e israelense- Shlomo Sand expõe que é justamente essa identidade que foi criada a fim de se manter acesso o impeto sionista na Palestina, e que não existe qualquer laço histórico exclusivo, cultural ou até mesmo genético que assuma a construção "povo judeu".
Provavelmente Sand será considerado um antissemita, ou «judeu que se odeia», e será articulado um assassinato de caráter afim de descredibilizar o historiador e sua obra, como foi feito com tantos outros como Norman Finkelstein, Ilan Pappe, Gideon Levy, Amira Hass e etc.
O fato é que antes que se coloque a identidade de outros povos à prova, era bom que Bierrenbach estivesse ciente do isso acarretaria à sua própria identidade.
- O mesmo se usa do artificio em caracterizar a resistência palestina como a responsável pelo uso de terrorismo no país, o que de todo não é verdade. O uso de atentados terroristas contra a população civil foi introduzido e foi durante a maior parte do tempo, e com o maior registro de baixas, de autoria judia.
Grupos como Lehi, Haganah, e Irgun tinham como modus operandi explodir carros em mercados densamente frequentados, explodir hotéis, explodir casas, assassinar políticos, e enviar cartas-bomba.
Isso tudo para além do fato de terrorismo de Estado (Lehi, Haganah e Irgun se fundiram em 1949 no que é hoje o exército israelense), e terrorismo de colonos, ainda serem terrorismos, e da resistência palestina ter se concentrado, nas últimas décadas, principalmente nos métodos de resistência não-violentos, como por exemplo a campanha de Boicotes, Desinvestimento e Sanções (por mais que muitos advogados de Israel julguem que esse tipo de resistência, é terrorismo).
Resistência que, aliás, violenta ou não, é garantida à um povo ocupado pelo Direito Internacional.
Tenho certeza que o autor não gostaria que fosse colocado em seu "artigo" os números absolutos de vitimas de terrorismo no país.
- Não existe uma única menção à ocupação, à violência israelense ou ao contexto da questão.
- Finalmente o mesmo afirma que "varrer Israel do mapa" fez parte do estatuto da OLP.
"Varrer Israel do mapa" é de uso recorrente, mas por parte de sionistas fabricando histórias.
Nunca houve tal artigo na carta da OLP, sendo que a afirmação é mais uma mentira patente.

Agora ao aspecto "cientifico" do texto, e suas 4 premissas.

Premissa 1: "A Palestina, enquanto entidade, nunca existiu"

Para ser mais correto nunca existiu um Estado Soberano e Independente da Palestina, ou também nenhum outro Estado, país ou região chamada Israel, antes de 1948.Normalmente este espantalho é usado para argumentar que a) Existe um "povo judeu" e b) A terra é de direito do denominado "povo judeu", pela breve existência de um reino israelita que ocupou uma pequena fração daquele território há 3,000 anos atrás.
Ambas as premissas são faltas, e sem qualquer sustação arqueológica, histográfica ou antropológica.


Contudo, existiu -sim- a Palestina, e dentro dela o seu povo.

E, na verdade, as primeiras evidências arqueológicas e historiográficas mostram que a Palestina (que vem do grego, aliás), já era assim referida - assim como o povo que lá vivia - desde 1,500 AC, muito antes do domínio romano.
É uma icógnita onde o autor quis chegar em se questionar a origem etimológica, e tentar a correlacionar com a teoria de inexistência de um povo que lá vive.Por uma questão matemática, aceitemos a premissa e façamos as contas (e peguemos apenas o referido período romano do texto): Desde a era romana (que ocupou 2,000 anos dos 3,200 do denominado "povo judeu"), a região - em todas as suas formas e sob os mais variados domínios - foi conhecida e denominada como «Palestina». 
Durante esse período de 2,000 anos, maior do que a existência de qualquer "Reino Judeu" ou "Estado Judeu", os integrantes da comunidade judaica que viviam na Palestina, eram -assim como os integrantes das outras comunidade vivendo lá- palestinos. Logo, em se negando a história da existência da Palestina, é negada automaticamente a história dos palestinos judeus.O ponto sendo: se alguém tem "direito" de lá estar, este é quem sempre lá esteve.
Ironicamente, os palestinos de hoje têm mais em comum (culturalmente, e geneticamente) com os judeus palestinos de ontem, do que os próprios judeus que colonizam a Palestina desde os finais do Século 19.
Seria a mesma coisa em se argumentar que nunca existiu um Brasil, já que o Brasil - antes de ser soberano - estava sob domínio português, e o nome Brasil era apenas usado com fins administrativos para demonstrar a região geográfica onde se encontrava, e que ao longo do tempo teve outros nomes.Assim sendo, este não tem qualquer direito de existir ou reclamar algum direito.
O argumento como um todo não passa de um non sequitur.

Premissa 2: "Nunca existiu um povo palestino"
Ora, se existiu e existe uma Palestina, sempre existiu um povo palestino, independente do domínio que lhes era imposto.Como escrevi mais acima, os gregos em 1,500 AC denominavam a região e seus habitantes como «Peleset», mais tarde os assírios também definiam a região como «Pilistu», e com o passar das eras e das civilizações o nome foi se adaptando às línguas e evoluindo.
De facto, o nome «Palestina» apareceu em 500 AC, quando Herodotus escreveu sobre a mesma.
Desde então a Palestina esteve sob domínio e/ou parcialmente ocupada por gregos, egípcios, assirios, fenícios, israelitas, babilônios, persas, romanos, bizantinos, califados islâmicos, otomanos, britânicos e "israelenses".Os que eram pagãos, mais tarde se juda izaram, que mais tarde se cristianizaram e que mais tarde se islamizaram.

Mas nisso tudo, uma coisa não mudou: o seu povo.

O povo palestino habita desde sempre, e de forma contínua, a Palestina. Não houve durante esse tempo uma transferência massiva de população para se criar uma maioria artificial, como a limpeza étnica levada a cabo por Israel desde 1948.Os palestinos sempre foram, e vão continuar a ser o povo nativo da Palestina, sejam eles judeus, cristãos, muçulmanos, ateus ou o que for. São milhares de anos de história documentada, e propaganda nenhuma tem o poder de apagar esses registros.
Imaginem se todos os que, em algum ponto da história, ocuparam a Palestina, decidissem aparecer milhares de anos mais tarde para reclamar algum direito à essas terras.

Premissa 3: "O nacionalismo palestino foi inventado (?) por Yasir Arafat".
Risível.
Até que ponto um nacionalismo -algo intangível, e dependente do sentimento histórico coletivo- pode ser inventado?
O nacionalismo palestino deriva diretamente da luta anti-colonialista, pelo que não é exclusivista e foi moldado com o passar das gerações afim de unir os palestinos contra o controle externo, sendo que foi mais notado a partir do século 19 contra o domínio Otomano, apesar das primeiras ocorrências estarem documentas desde tão cedo quanto o Século 16, na pessoa do Mufti de Ramla, Khair ad-Din ar-Ramli.Uma das primeiras ocorrências populares que determinavam o nacionalismo palestino e a sua luta pela auto-determinação, é a Revolta Árabe de 1834.
Normalmente as pessoas que se usam desse argumento estão apenas reproduzindo algo que leram, e não tem conhecimento algum sobre a história da Palestina, do povo palestino e dos nacionalismos árabe e palestino, sendo que se aproveitam da ignorância geral para passar fraudes como fatos. 
Por exemplo, durante o período do surgimento e fortificação dos movimentos nacionalistas árabes no século 19, conhecido como an-Nahdah, houve muito intercâmbio político e cultural por diversos fatores como a proximidades dos países, a língua e -mais importante- o colonialismo europeu, e a ocupação desses países. 
Ignorando esse fato, e de forma desonesta, essas pessoas tendem a colocar todos os movimentos em um grupo apenas e dizer que era "árabe", e não especificamente palestino, libanês, e outros, quando na verdade o oposto estava acontecendo.Isso para não dizer que havia também o surgimento do pan-arabismo, mas este não era o fator primordial na luta desses movimentos. O pan-arabismo foi justamente o combustível para muitos movimentos nacionalistas já existentes.

Algumas datas, e fatos de interesse historiográfico:
-Yasir Arafat: nasceu 1929, morreu em 2004.
- Primeira fatwa de cunho nacionalista: Século 16, pelo Mufti Khair ad-Din ar-Ramli
- Primeira revolta de caráter nacionalista: 1834
- Primeiro jornal de cunho nacionalista impresso na Palestina: «Falastin», 1911
- Movimentos nacionalistas da Palestina no final do Século 18, e inícios do 19: amyyat al-Ikha’ wal-‘Afaf, al-jam’iyya al-Khayriyya al-Islamiyya, Shirkat al-Iqtissad al-Falastini al-Arabi e o Shirkat al-Tijara al-Wataniyya al-Iqtisadiyya.
- Primeira organização política de cunho nacionalista da Palestina: A’ayan, ou «Os Notáveis», que na altura da ocupação Otomana, era a união das famílias palestinas mais influentes politicamente, socialmente e economicamente, com a finalidade de viabilizar a independência da Palestina.
- Congressos Árabes Palestinos: realizados entre 1919 e 1928, era formados pela população árabe palestina e tinham o objetivo de pressionarem seus representantes junto ao mandatário britânico para que tivessem seus direitos reconhecidos, inclusive o de auto-determinação.
- Revolta de Nabi Musa, 1920: revolta popular palestina contra o encaminhamento das políticas britânicas que beneficiavam os imigrantes europeus judeus, e o projeto sionista, em detrimento dos direitos da população nativa da Palestina que já pedia por independência.
- Hizb al-Istiqlal (Partido da Independência), partido palestino nacionalista, anti-colonialista, anti-sionista, fundado em 1932.
- A Grande Revolta 1936~1939: Revolta popular palestina contra a imigração massiva de judeus europeus para o país, onde o mandatário britânico já havia prometido a criação de um estado judeu, ás custas dos palestinos que já lá viviam antes.
- Usbat at-Taharrur al-Watani fil-Falastin , ou «Liga da Liberação Nacional na Palestina», partido nacionalista fundado em 1944.


Premissa 4: O sionismo é uma resposta ao antissemitismo / Palestinos são antissemitas / anti-sionismo é antissemitismo.
Enquanto sim, o problema do antissemitismo foi algo intenso e cruel para além das medidas para os judeus que viviam na Europa durante muito tempo, os palestinos nada tiveram a ver com o assunto, e mesmo os picos de violência contra os judeus na Europa foram canalizados de forma oportunista e favorável pelas lideranças sionistas na altura, e o mesmo pode ser dito hoje.
Um precursores do sionismo moderno, Ze'ev Jabotinski, foi buscar em Hitler os seus ideais de nação forte e pura, presentes do manifesto de nome sugestivo «A Muralha de Ferro», também não é segredo o fato de lideranças sionistas, como no caso de Avraham Stern (líder do grupo terrorista Lehi), terem se apresentado para apoiar as propostas e mesmo lutar ao lado de nazistas, em nome do projeto colonialista na Palestina.
Incentivar a imigração judaica para a Palestina foi um grande negócio então.
Em nome da dominância das comunidades judaicas na Alemanha, a Federação Sionista Alemã emitiu um memorando, em 21 de Junho de 1933 para o Partido Nazista, onde se mostrava disponível para colaboração, desde que assegurado o controle das atividades da sociedade judaica no país.
Hoje organizações pró-Israel tem uma proximidade de figuras e organizações que, de facto, são antissemitas e isso não parece ser problema. Exemplos como Wilders, Le Penn, Kaminski, a English Defense League, e praticamente todo o aparato conservador-cristão no cenário político norte-americano são visíveis.
Aliás, a simples premissa do sionismo - de que os judeus precisam de um lugar próprio, pois são incapazes de se assimilarem em outro lugar - soa um bocado antissemita por si só, para não dizer falsa.
Para além disso, existe a baixeza de se acusar a sociedade palestina (e árabe) como sendo intrinsecamente antissemita.
Os judeus palestinos, os nativos, sempre viveram em perfeita paz juntamente com os outros sectos dentro da palestina durante séculos, antes do "advento" do sionismo - o qual, deve ser falado, foi rejeitado por muitos judeus árabes.
Aliás, foram em países árabes como Marrocos, Tunísia, Egito e Palestina, que muitos judeus foram se refugiar enquanto perseguidos na Europa.
O ponto essencial desse argumento é desviar o foco do real problema.
Em se acusando os palestinos de serem naturalmente antissemitas, tenta-se -desonestamente, como sempre- sequestrar a narrativa para que não haja problema a ser discutido.
É como tampar bem os ouvidos, gritar "lá, lá, lá não posso te ouvir", e esperar que assim a questão suma.Felizmente no mundo real, pode-se desafiar tais inépcias.
Existe o recurso à retórica antissemita?
Sim. Extremamente limitada, extremamente irrelevante, mas existe.Existe o sentimento generalizado antissemita na Palestina?
Não.
O problema dos palestinos é com judeus?
Não. Nunca foi.
O problema é com a ocupação.
Se a ocupação fosse de um movimento europeu cristão, a luta seria a mesma.
Do mesmo jeito que houve anteriormente uma luta contra os otomanos, e mais tarde contra os britânicos.
Mas a atual ocupação é sionista, e o sionismo insiste em se caracterizar como um movimento global judaico.E que tal falarmos do racismo na sociedade israelense para com os Palestinos? E do racismo de Estado? E do regime de apartheid?
O apartheid israelense que afinal não é uma "analogia", mas uma definição que preenche os requisitos da Convenção de 1973.
Sendo assim, entro no ponto final: a intimidação.
Ao equiparar o antissemitismo com o anti-sionismo, os sionistas tem sido bem-sucedidos em apenas uma coisa: banalizar a palavra.
A tática é para se desviar do assunto, descredibilizar qualquer critica à Israel e intimidar o interlocutor.
Felizmente essas táticas não sobrevivem à qualquer debate minimamente sério, e mesmo o recurso tem sido tão exaustivamente usado, que por fim o termo tem perdido o significado.
É legitimo, sob todos os ângulos possíveis, se engajar em criticas, divulgar, publicar e protestar as ações violentas, ilegais e imorais do estado israelense.Não é legitimo, sob nenhum ângulo, se engajar em comentários e atitudes discriminatórias para com qualquer religião, etnia, origem ou orientação sexual.
Em se utilizando do racismo para se argumentar contra o racismo, Bierrenbach faz o maior serviço que poderia ter feito.

Se expor, e expor o sionismo.

Para o sionismo, que é desapegado da realidade, a Palestina nunca existiu, os palestinos nunca existiram, não existe ocupação, não existem refugiados, não existe apartheid, não existem ataques, não existem muros, não existem checkpoints, não existe cerco, não existe racismo.E mais uma vez, sionistas e advogados de Israel em geral demonstram ter mais em comum com os antissemitas e revisionistas históricos que negam o holocausto, do que imaginam.


De tudo isso, o contexto é mais preocupante que o fato.
Um jurista e ex-Ministro do Superior Tribunal Militar, em um dos jornais de maior circulação do país.

Deveriam saber melhor.
Ou não.





- Apesar de Bierrenbach escrever que "[...] embra


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