O que é meu, é meu; o que é seu, é negociável.

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Os Estados Unidos, responsáveis pelas negociações israelo-palestinas por décadas, é tão casualmente e instintivamente pró-Israel, que não conseguem nem entender que os palestinos têm um ponto de vista, quanto mais o que é esse ponto de vista.

Por Alain Gresh (Le Monde Diplomatique)
Tradução: Arabizando




"As negociações tiveram que começar com a decisão de congelar a construção de colonatos.
Nós pensamos que não conseguiríamos alcançar esse objetivo por causa do engodo do governo israelense, então nós desistimos," um oficial sênior da administração Obama contou à Nahum Barnea, do jornal israelense Yediot Aharonot, sobre o fracasso nas negociações israelo-palestinas. (O mesmo pediu para permanecer anônimo.) "Nós não percebemos como Netanyahu estave usando seus anúncios de propostas para construção de colonatos como um meio de assegurar a sobrevivência de seu próprio governo. Nós não nos apercebemos que a construção contínua permitiu aos ministros em seu próprio governo sabotar, de forma muito efetiva, o sucesso das conversações. ...Apenas agora, depois que as conversações fracassaram, nós aprendemos que  isso [a construção de 14,000 habitações] tem também o objetivo de expropriar terras em larga escala."

Quando perguntado se estava surpreso por descobrir que os israelenses não se importavam realmente com o que aconteceu às negociações, ele respondeu: "Nos surpreendeu completamente. Quando [Moshe] Yaalon, seu ministro da defesa, disse que a única coisa que [o Secretário de Estado dos Estados Unidos] John Kerry quer é ganhar um Prêmio Nobel, o insulto foi grande. Nós estávamos fazendo isso por vocês e pelos palestinos."

Apesar de todas as fontes de Barnea serem anônimas, o mesmo teve acesso à todos os oficiais norte-americanos, e em especial à Martin Indyk, o enviado especial do Presidente Barack Obama para as negociações israelo-palestinas. O principal argumento pode ser resumido como "nós [os EUA] não sabíamos". Eles não sabiam o que «colonatos» significava; eles não sabiam que o governo israelense não estava interessado em negociar.

Isso é credível? Como, depois de estar envolvido por quatro décadas no "processo de paz", poderiam os EUA, principal aliado de Israel, não saber? É possível que John Kerry tenha devotado tanta energia em resolver este conflito - voando para o Oriente Médio tantas vezes, com tantas horas de conversações, conversas telefônicas e vídeo-conferencias, e reuniões com a maioria dos líderes da região cara-a-cara - e ter descobrido apenas agora que os israelenses não estão interessados em negociações? O Processo de Oslo tem estado morto e enterrado por mais de uma década.
Mais de 350,000 israelenses se assentaram na Cisjordânia e Jerusalém Oriental desde 1993.
E Washington ainda não entendeu?


'Vocês simplesmente não nos veem'

O que se passa na mente de John Kerry? Como ele continua a insistir em face ao fracasso? Ele realmente não sabia? A verdade é que Kerry e Obama, e todos os seus predecessores, absorveram tanto os pontos de vista de Israel que não conseguem enxergar a verdade, e não conseguem entender o ponto de vista dos palestinos. Saeb Erekat, o negociador-chefe palestino, disse aos israelenses: "Vocês simplesmente nãos no veem; nós somos como fantasmas para vocês". Suas observações se aplicam igualmente para os americanos. Tanto os EUA, quanto Israel trabalham sob um mesmo princípio: "O que é meu, é meu; o que é seu, é negociável." Israel vê os territórios que conquistou em 1967 como "territórios contestados", e todos os direitos dos palestinos como "negociáveis", sejam eles relacionados à Jerusalém Oriental, aos territórios ocupados, segurança, refugiados ou água. É a nação ocupada que tem que fazer as concessões, não o ocupador. Então quando Israel concorda em devolver 40% da Cisjordânia, consegue declarar que está fazendo uma dolorosa concessão que compromete sua segurança e os direitos do "povo judeu" para a Eretz Israel, a terra de Israel.

Essa instância permite aos israelenses acumular obstáculos. Eles exigem concessões após concessões, e nenhuma delas nunca é o suficiente. Se os palestinos reconhecerem o estado de Israel (apesar de Israel não reconhecer a Palestina), eles devem também reconhecer o seu caráter judaico - algo que Israel nunca pediu ao Egito ou a Jordânia fazerem, ou mesmo os palestinos durante o primeiro mandato de Benjamin Netanyahu como Primeiro-Ministro (1996-99).

Dessa vez, a arrogante intransigência de Israel trouxe um resposta irritadiça dos americanos. Obama, entre outros, disse que a única alternativa à solução de dois estados é um único estado na Palestina histórica. Kerry advertiu do perigo da criação de um sistema de apartheid - apesar de se retratar mais tarde.


Os progressos de Abbas

Os EUA estavam, inicialmente, satisfeitos com os progressos das negociações, as quais começaram em Julho de 2013 e foram programadas para durarem nove meses. A Autoridade Palestina fez diversas concessões no que diz respeito ao direito internacional: a desmilitarização do futuro estado palestina; uma presença do exército israelense na região do rio Jordão por um período de cinco anos, e mais tarde substituída por uma presença norte-americana; a transferência dos colonatos em Jerusalém para a soberania israelense; uma troca de territórios que permitiria 80% dos colonos na Cisjordânia serem integrados pelo estado israelense; e, finalmente, o retorno dos refugiados palestinos como sendo condicional à concordância de Israel. Nenhum líder palestino nunca fez tantas concessões quanto Abbas, e não é provável que outro líder palestino o faça no futuro.

A resposta de Israel a esses avanços (ou retrocessos) foi um retumbante "Não!". Como uma das fontes norte-americanas de Nahum Barnea explicou, "Israel expôs suas necessidades de segurança na Cisjordânia: exigiu controle completo dos territórios [Os EUA nunca dizem 'territórios ocupados', apesar da resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU, de Novembro de 1967]. Isso disse aos palestinos que... [Israel] controlará continuamente a Cisjordânia eternamente." Ainda assim a cooperação de segurança entre Israel e a Autoridade Palestina nunca foi tão próxima, e a segurança de Israel nunca tão assegurada - às custas dos palestinos, que estão enjaulados por várias divisões de territórios, humilhados por incessantes vistorias e regularmente alvejados na Cisjordânia e Gaza; 36 palestinos foram mortos em 2013, três vezes mais do que no ano anterior, de acordo com a organização para os direitos humanos Btselem.

Poucas semanas antes do prazo final em 29 de Abril, ficou claro que Netanyahu estava apenas ganhando tempo. Ele começou por retirar sua promessa em libertar o quarto grupo de palestinos que estavam presos desde 1993. A Autoridade Palestina (AP) respondeu ratificando diversos tratados internacionais - notavelmente, as Convenções de Genebra, que regem as obrigações das potências ocupadoras, as quais o governo israelense despreza desde 1967. Mas a AP, de momento, se absteve de ratificar o tratado que estabelece o Tribunal Penal Internacional (TPI), cujo faria ser possível julgar os líderes israelenses por crimes de guerra, e crimes contra a humanidade.
O TPI classifica os colonatos nos territórios ocupados como crimes de guerra.

Quando o governo israelense confirmou suas intenções em prolongar o controle da Cisjordânia para " todo o sempre, e de eternidade em eternidad e" (Livro de Daniel 7:18), o Presidente Abbas, impopular e enfrentando forte oposição de dentro do Fatah, decidiu que era hora de acabar com a divisão que tem enfraquecido a causa palestina desde 2007.
As condições foram amadurecidas de ambos os lados. Hamas recebeu bem a ideia, enfraquecido pelo cerco de Gaza por parte de Israel e do novo governo egípcio; pela violenta campanha anti-palestina orquestrada por Cairo; e enfrentando oposição de mais organizações violentas dentro da Palestina, notavelmente a «Jihad Islâmica» e grupos que alegam ser filiados à al-Qai'dah.


Unidade palestina?

Em 23 de Abril foi assinado o acordo em que se estabelecia um governo de "tecnocratas", a ser liderado por Abbas, e que realizará eleições legislativas e presidencial no prazo de 6 meses. A Organização pela Libertação da Palestina também irá passar por eleições e aceitou o Hamas como parte, o qual nunca foi membro. O acordo está em conformidade com outro assinado em Cairo em 2011 e confirmado em Doha em 2012, mas nunca implementado. Este acordo levantou fortes objeções em Washington e foi bem aceito pela União Européia, mas Israel o usou como pretexto para romper as negociações que, de qualquer jeito, tinham chegado a um impasse. "[Abbas] deve escolher. Ele quer reconciliação com o Hamas, ou paz com Israel?" declarou Netanyahu, o mesmo que durante os meses anteriores questionou a "representatividade" de Abbas, sob o argumento que o palestino não controlava Gaza. Abbas respondeu que o futuro governo seria formado por tecnocratas e independentes: "[Os israelenses] disseram: Este governo reconhece Israel? e eu disse: Claro. Este governo renuncia o terrorismo? Claro. Reconhece a legitimidade internacional? Claro".

Pode-se perguntar as mesmas questões à Netanyahu e a coalizão de seu governo, e sobre os partidos fascistas que este inclui, como o «Casa Judaica» de Naftali Bennet, que tem 12 dos 120 membros no Knesset (parlamento israelense). Eles reconhecem um estado palestino independente nas fronteiras de 1967, ou as resoluções da ONU? Claro que não.

Mas a suspensão prolongada das negociações coloca tanto os EUA quanto Israel em desvantagem: "Existe um problema maior que ameaça Israel em um futuro imediato. Essa é uma ameça bem concreta. Se Israel tentar impor sanções econômicas aos palestinos, isto poderia se voltar contra eles," disse um oficial sênior norte-americano à Nahum Barnea.
"Existe um grande potencial de deterioração aqui, o qual poderia culminar com a dissolução da Autoridade Palestina. Soldados israelenses terão que administrar a vida de 2.5 milhões de palestinos, para desgosto geral. Os países doadores pararão de pagar, e a conta de $3 bilhões por ano, terão que ser pagas pelo seu ministério das finanças".

Ademais, enquanto o "processo de paz" continuar, os pedidos por boicotes e sanções contra Israel são menos credíveis. Não é por acidente que o governo alemão decidiu, depois das conversações serem suspensas, não subsidiar a compra israelense de submarinos nucleares alemães, os quais custarão aos contribuintes israelenses, centenas de milhões de dólares. E a União Européia, depois de tanta procrastinação e adulação à Israel, deverá impor sanções.

Uma coisa nunca mudará: não importa quantas violações do direito internacional cometer, os EUA estará firmemente ao lado de Israel. Como Martin Indyk recentemente disse, "As relações EUA-Israel também mudaram de forma um tanto dramáticas [desde a guerra de Outubro de 1973]. Apenas aqueles que as conhecem particularmente - como eu tive o privilégio de conhecer - podem testemunhar o quão profundos e fortes são os laços que unem as nossas duas nações. Quando o Presidente Obama fala do orgulho justificável sobre o fato desses laços serem 'indestrutíveis', ele realmente quer dizer isso. E ele sabe do que fala". Indyk explicou que, diferente de depois da guerra de Outubro de 1973, quando o Secretário de Estado Henry Kissinger negociou um acordo entre Israel, Egito e Síria, Obama nunca suspenderia as relações militares com Tel Aviv como Richard Nixon o fez.

A posição dos Estados Unidos ainda se resume à "Um estado palestino amanhã, mas não hoje". Nós devemos aceitar que Washington não trará paz ao Médio Oriente sozinha e sem pressão. Serão necessárias fortes medidas e sanções contra Israel pela comunidade internacional, e boicotes pela sociedade civil, antes que os palestinos possam celebrar o seu próprio "ano que vem em Jerusalém".