Porque não intervir

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Com a iminência de um ataque, liderado pelos EUA, contra a Síria, e com todo os motivos do mundo dados pelos abutres do “Mundo Livre”, e os gangsters e parasitas ideológicos que repetem quase que como um mantra que a intervenção é necessária, um direito, e até semidivina, é um dever lembrarmos dos factos.
À parte do histórico de (apenas) fiascos e fracassos em operações talhantes do tipo no passado e no presente, gostava de enumerar algumas razões pelas quais a intervenção na Síria é uma tragédia anunciada.
Para isso, engajemos à narrativa da NATO, que compara a intervenção mencionada à feita nos Balcãs contra forças sérvias, e no motivo de Kerry com o uso de armas químicas.



1.       A justificação, a “linha vermelha”, o limite, foi o uso de armamento químico. O ataque que aconteceu dia 21 de Agosto em Ghouta, com um grande número de vítimas que pode variar desde 322 até 1800, a depender da fonte. O ataque não foi reivindicado por nenhuma das partes, e qualquer teoria séria depende do trabalho de investigações independentes em solo. A ONU está a realizar tais investigações, e hoje (28) emitiu um comunicado que está com enormes dificuldades em apurar o crime, e que necessitará de pelo menos mais 4 dias em território, fora o tempo para analisar os dados coletados.
O relatório da organização Médicos Sem Fronteiras, ao qual John Kerry se referiu em discurso para confirmar o ataque e afirmar a intenção de intervir, é qualquer coisa menos conclusivo. O relatório afirma que não pôde apurar as causas dos sintomas, mas que a contaminação pode condizer com o de agentes químicos, e sugere que, se for o caso, o Direito Internacional poderá ter sido violado.
Qualquer racionalização de um ataque à Síria, com base nos atuais dados, informações e (falta de) inteligência é propaganda. Pura e simples. E tem tanto mérito quando as famigeradas “armas de destruição em massa” em 2003.

2.       Não existem “ataques cirúrgicos”, não existem “bombas inteligentes”, não existe “número aceitável de baixas” e não existe “oposição organizada”.

3.       A Síria tem um estoque de armas químicas, e as localizações desses arsenais não são conhecidas. Bombardear indiscriminadamente bases militares irá liberar esses agentes em meio à população civil. Bombardear com o objectivo de prevenir o uso de tais armas é irracional, e pode resultar justamente na liberação desses químicos.

4.       Essa é uma guerra civil, e não uma guerra internacional. Xiitas, Cristãos, Curdos e Seculares temem os movimentos “rebeldes”, buscando assim proteção e apoiando o regime. O número de pessoas que compõe esses grupos, pode facilmente significar metade do país. Assim sendo, não se justifica uma intervenção externa.

5.       Grande parte da artilharia síria, e frota terrestre se encontra dentro ou arredores de cidades populosas como Damascus e Homs, e é impossível destruir esses equipamentos sem atingir a população civil. A exemplo do Iraque, atingir a populações civil só reforça a posição pública contra a intervenção, e pode resultar em um fortalecimento de milícias locais.

6.       O cenário atual  de «Guerra de Proxies», é muito semelhante ao do Vietnam ou do Afeganistão da década de 80. O objectivo era prolongar a situação.

7.       A guerra pode se alastrar para os países vizinhos. O armamento de “rebeldes” com armamento médio e pesado vai arrastar o conflito e desestabilizar os países em torno da Síria, como a Palestina, Israel, Líbano, Jordânia, Egito e Turquia, para não mencionar o já caótico Iraque.

8.       Armar os “rebeldes” é, inevitavelmente, armar terroristas. Os maiores e mais bem organizados grupos armados, como a Jabhat an-Nusra e a al-Dawla al-Islamiyya, são afiliados à al-Qa’ida. Armar essas organizações é mesmo que os entregar o país em caso de queda do regime.

9.       Não existiu o esforço político para se resolver o conflito por vias diplomáticas, não se cogitou apoio ao ativismo nativo não-violento e que condena ambas as partes, e não se discutiu o envio de ajuda humanitária para aqueles que sofrem em território.

10.   Se a intervenção suceder em derrubar o regime, irá suceder em entregar o país à incerteza do sectarismo, em fortalecer organizações terroristas, e destruir o que resta do país; Se falhar, para além de também prolongar a carnificina, vai causar uma retaliação por parte do regime, que responderá de forma mais forte, mais agressiva, e que estará fortalecido por inspirações nacionalistas.
O resultado é mesmo em ambos os casos, o esquecido povo sírio adicionará mais corpos à já gigantesca pilha, sobram ruínas e sobrarão refugiados.
Refugiados que, sem intervenção, passam facilmente do 1 milhão e não contam com qualquer segurança fundamental em um sistema falido que, como está, já se encontra em uma constante luta para sobrevivência, e não tem qualquer condição de lidar com um aumento exponencial de pessoas.


Imagem: Aleppo - Síria. (Narciso Contreras/AP)