Que pena, já ninguém vive mais lá!

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(Por Bassem Youssef)

Parabéns a todos: finalmente nos livramos da Irmandade Muçulmana (I.M) para sempre. Que peso saiu de nossas costas!
Finalmente nós teremos um Egito sem Irmandade e, se Deus quiser, teremos um sem salafis também. Será apenas uma questão de tempo até que os membros da I.M sejam colocados atrás das grades, e o estado normal das coisas no Egito seja restaurado. Estado normal, onde pessoas ficam bem sem barbas ou niqabs; aquelas “pessoas bonitas” que vemos na televisão. O Egito finalmente será um país livre, e liberal. Adeus, islamitas!
O que foi? Alguns membros da I.M morreram na Guarda da Republica? E por que eles estava lá, para começar? Vocês não estão satisfeitos que isso tenha acontecido a eles? E você, por que não está a se vangloriar? Deves ser um apoiante da Irmandade! Deves ser um inimigo dos militares e do Estado, e trabalhar meio período como terrorista!

Não. Eu apoio o que aconteceu ao dia 30 de Junho, e vi que Mursi estava despreparado para ser presidente, mas isso não muda o facto de que são necessárias investigações sobre o que aconteceu na Guarda da Republica; de que eu gostava de saber até quando os canais de TV islamitas estarão encerrados; e que eu acho que os media atuais estão repletos de uma retórica de incitação à discriminação.
Não, não: estás sendo mole! Guarde os seus Direitos Humanos pra ti! A única forma de lidar com aquela gente é através da violência. Nós temos que ver o Egito livre deles.
Acima está uma reflexão do estado dos que se encontram em uma “vitória superior” – ou que pelo menos assim se imaginam. A natureza fascista dessas pessoas não é diferente da dos islamitas que pensam que o desaparecimento de seus inimigos, seria uma vitória para a religião de Deus. Mas aqueles que estão em uma “vitória superior” se consideram diferentes; eles justificam seu fascismo como sendo “para o bem do país”. Essas pessoas com seus valores liberais, e reverência à liberdade diferem muito pouco de Khaled Abdullah, o “homem religioso”, infame por sua frase favorita: “Que Deus nos livre de vocês, e de seus tipos (liberais).”
Eu não confio ou acredito na Irmandade. Temos testemunhado, com experiência, que eles não mantem sua palavra, e mentem repetidamente, desde que sirva à agenda política dos mesmos. Eles têm seus meios de manipular a religião e suas ações, desde que lhes sirvam politicamente.
A I.M e os salafis ovacionaram Mustafa Bakry, quando o mesmo acusou el-Baradei de traição. A I.M e os salafis apoiaram os Serviços Internos de Segurança quando estes atacaram os manifestantes na Praça Tahrir, e os chamaram de bandidos, espiões, homossexuais e drogados. Os islamitas foram os primeiros à apoiar os militares, e a condenar a resistência ao regime do CSFA (Conselho Supremo das Forças Armadas), como sendo um ataque ao Estado. Eles foram aqueles que abertamente desconfiaram dos coptas, ignorando seus mártires nos conflitos na Praça Maspero, e os acusaram de conspiração com o Ocidente. Então, a I.M correu para Washington, e para os “vulgares, ateístas, e anti-islâmicos” media americanos. Ficaram felizes com os rumores de embarcações militares americanas se dirigirem ao Egipto, e penduraram cartazes em inglês em Raba’a al Adawiya. Al-Beltagy afirmou que o terrorismo no Sinai não vai cessar até que Mursi seja reinstalado como presidente, ou seja, um líder da I.M admite que o presidente deposto confia em terroristas como trunfo para manter o poder.
Sim, a Irmandade fez tudo isso, e mais; e por isso, Mursi mereceu ser contestado pelo povo, e sua organização mereceu a repulsa, e a negação das massas para com eles. Os líderes da Irmandade precisam ser investigados e acusados de promover a violência, assim como precisam ser investigadas suas sombrias conexões internacionais. Esse é o caminho legal e político que precisa se seguir.
Além disso, há também o fator humanitário na mesa. Vidas foram perdidas, independente dessas vidas serem de pessoas ligadas à I.M, ao CSFA, ou de apenas civis que protestavam pacificamente em Raba’a al Adawiya. Existem manifestantes (da Irmandade Muçulmana) que temem que se manifestarem, serão mortos instantaneamente, ou serão presos. Essas pessoas nunca vão desaparecer. E se as mesmas saírem de Raba’a al Adawiya, voltarão para suas casas cheias de ódio, frustração e deceção, sentimentos que irão aumentar no sul do Egipto e na negligenciada zona do Delta; e elas voltarão às ruas, com mais violência e determinação do que antes.
Essa “vitória superior” e arrogância que vocês veem na mídia, são o mesmo tipo de comportamento que terminou a era da Irmandade, e acabou com a sua popularidade. Nós agora estamos a repetir os mesmos erros da I.M. Era como se tivéssemos a memória de um peixinho-dourado.
Eu poderia escrever livros sobre a falta de inteligência da Irmandade, da sua corrupção tanto política como religiosa, mas isso é para outra batalha que necessita de ferramentas diferentes. Nós estamos a perder a luta antes mesmo de ela começar: aqueles que alegam ser lutadores da liberdade e têm denunciado o fascismo e a discriminação da Irmandade, estão agora a contribuir para a construção de simpatia em torno da mesma. Eles são uma desgraça para os princípios de liberdade que dizem defender. Estamos voltando, por definição, ao ambiente dos anos 90 quando optamos pela “opção de segurança”, pela corrupção da mídia e sua fúria de ódio, e permitíamos assim o extremismo se infiltrar mais a cada dia. Eu acredito que suspender os canais islamitas de tv foi uma decisão importante durante um período sensível de tempo, mas agora eu peço pelo seu retorno. Deixe-os se expressarem como entenderem; isso só serviu para que as pessoas os odiassem mais. Do que vocês têm medo? Da retórica discriminatória da mídia deles? Ou da sua estupidez política?
Meus queridos liberais anti-Irmandade, permitam-me vos lembrar que apenas algumas semanas atrás, eram vocês que estavam reclamando desesperadamente do quão cinza parecia o futuro. Mas agora que vocês se “livraram” deles, vocês se tornaram um cópia em papel químico de suas ações fascistas e discriminatórias. Vocês poderiam responder dizendo que eles mereceram; que eles apoiaram as forças de segurança e as usaram para vos dominar, para vos enganar, para espalhar rumores e para incentivar o sectarismo. Mas será mesmo esse o seu argumento? Como você faz das piores atitudes deles, a sua melhor razão para abdicar dos valores pelos quais lutou durante tanto tempo? Eles perderam a bússola moral há muito tempo – quer seguir o exemplo?
Vocês não enxergam que ao incitar violência contra os Palestinos e Sírios, vocês são exatamente como eles (a I.M), quando aqueles incitam contra xiitas, baha’is, cristãos e outros muçulmanos que se opõem à Irmandade e aos salafis? Nós apenas substituímos o espantalho “Inimigos do Islão”, pelo espantalho “Inimigos do Estado”. As ideias, a abordagem e as aparências deles sumiram, e tudo o que restou foi o fascismo e a discriminação que nos une em torno do ódio, ao invés de nos despir de nossos preconceitos.
Levem os líderes da Irmandade aos tribunais - e investiguem os eventos da Guarda da República. Assegurem a autonomia da justiça quer as vítimas sejam do seu lado, ou não. Exijam uma estrutura política clara, onde todos os partidos operem, para que partido nenhum possa espalhar o discurso sectário e discriminatório de novo. Sim, os líderes da Irmandade devem ser julgados, como foram os líderes do Partido Nacional Democrático, no evento de existirem provas e evidências os suficientes, e dentro dos limites da Lei. E lembrem-se que vocês jamais poderão apagar a existência daqueles milhares de pessoas da face da Terra. Vocês jamais poderão perseguir e prender aqueles milhares de pessoas, nem seus parentes e seus filhos, e nem poderão os impedir de concorrer e ganhar eleições sindicais. Tudo o que vocês têm feito, é repetir os erros passados deles ao ignorar aqueles milhares, e ao enterrar a pura verdade que voltará para lhe perseguir, ou aos seus filhos.
Congratulações a aqueles que não deixaram que a “vitória superior” lhes retirassem a humanidade; àqueles poucos que estão agora isolados por todos os outros e não são bem-vindos em qualquer que seja o lado, a não ser que sigam essa corrente de ódio e egoísmo.
Humanidade agora é uma ilha, entre bravas ondas de discriminação e extremismo. Nessa ilha, vivem esses poucos, e suas vozes aos poucos desaparecem entre os gritos e choros de morte e vingança. Eu não sou otimista quanto ao aumento de população nessa ilha, tão breve. Mas, talvez no futuro, pessoas comecem a migrar para ela e redescubram essa coisa chamada “humanidade” da qual todos fomos roubados.
O que mais temo é que quando esse tempo chegar, passaremos por essa ilha e choraremos em lamento: “Que pena! Já ninguém vive mais lá.”


Bassem Youssef, 39, é comediante e apresentador do popular programa «El Bernameg», no canal egípcio CBC. Em Março de 2013, foi emitido um mandato para sua captura sob a acusação de “insultos ao Presidente, e à religião.”
O artigo original, publicado em 16 de Julho de 2013 no jornal «al Shorouk».

Tradução: Arabizando.