Um gueto chamado Gaza

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Por Thomas Farran
O Gabinete das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários publicou na última segunda-feira, dia 23, o seu último relatório sobre a situação em Gaza.
E o resultado é desesperador.

O território que tem estado sob ocupação israelense desde a Guerra dos Seis Dias em 1967, apesar da fantasia sionista chamada "retirada unilateral" de 2005, viu nos últimos anos todos os seus índices sociais descerem para muito além do que o aceitável. Levando até mesmo a ONU a declarar que, se mantendo o cerco, a Faixa de Gaza será um lugar inabitável em 2020.
Desde a eleição do Hamas em 2006, e da agressão nos finais de 2008 e inicio de 2009, onde Israel violou o acordo de cessar-fogo e partiu para um dos mais covardes crimes de guerra dos nossos tempos, o cerco a entrada de bens essenciais como remédios, materiais de construção e alimentos tem sido mais intenso e mais abrangente. Também, como resultado da agressão, Gaza conta com sérios problemas na área da infraestrutura, já que estruturas como escolas e estações de tratamento de água foram severamente comprometidas nos ataques, e desde então não foram recuperadas. Em Novembro de 2012, com novas ofensivas, ainda mais da infraestrutura foi danificada.
A situação do país vizinho, o Egito, após o golpe também tem um enorme peso para a zona que é uma das mais demograficamente densas do mundo. Com o pretexto de manutenção da segurança, o governo egípcio fechou intermitentemente a passagem de Rafah, afetando milhares de pessoas que dependem da passagem da mesma para estudar ou serem atendidas em hospitais. Em conjunto ainda foi lançada uma ofensiva visando a destruição dos quase 300 túneis entre a Faixa de Gaza e o Sinai, túneis esses que basicamente suprem os bens essenciais que de outra forma seriam inacessíveis. A pesca também foi afetada, com o aperto das autoridades egípcias em relação aos barcos palestinos. Como o pouco território em águas que Israel autoriza os palestinos a pescar está contaminado pela falta de tratamento do esgoto que os mesmos destruíram, os palestinos se vêem muitas vezes obrigados a entrar em águas egípcias para pescar.
Apesar da aparente facilitação atual do governo israelense para a entrada de material bruto para construção, a mesma tem se mostrado consideravelmente insuficiente e a situação continua a degenerar.
No seu experimento social, de deixar Gaza "no limite do colapso" social e econômico, Israel agora tem um parceiro.

Alimentação

A política de punimento coletivo, da qual Gaza é vitima, tem entre as suas ferramentas a aplicação prática de uma dieta baseada no controle do máximo de calorias ingeridas por cidadão. À época que começou a se colocar em prática o plano, Dov Weisglass, conselheiro do então primeiro-ministro Ehud Olmert, afirmou que: "A ideia é colocar os palestinos em uma dieta, sem fazer com que eles morram de fome."
Desde então a falta de alimentos, e até de banalidades como chocolate, são controladas e as únicas fontes capazes de repor esses bens são os túneis.
Com a falta de material de construção e combustível, milhares de trabalhadores que atuam nos setores da construção civil, transportes, agricultura e pesca, assim como nos túneis, perderam completamente ou parte dos seus rendimentos, em uma zona onde já são quase 50% de desempregados, e cerca de 70% que contam com ajuda externa para sobreviver.
Ao mesmo tempo, a falta de combustível, e o preço das commodities fazem com que se tenha que aumentar o preço de produtos básicos como o pão, o que poderá colocar mais 50.000-60.000 pessoas em situação de insegurança alimentar.
Antes de Julho, era importada uma média de 118 tons de peixes por mês através dos túneis, agora essas importações foram completamente cessadas. O preço dos frutos do mar subiram, sendo que o do camarão aumentou 100%. Com o início da temporada de pesca da sardinha, dos 20 barcos de pesca apenas 5 estarão ativos devido à falta de combustível mais acessível. A mesma falta desse combustível mais acessível, terá impacto na operação dos mais de 6000 poços e afetará diretamente a produção na agricultura.

Energia

Os combustíveis do Egito são mais acessíveis pelo fato de serem subsidiados, e agora os mesmos não estão mais disponíveis no mercado devido à destruição dos túneis.
Apesar dos combustíveis estarem disponíveis por Israel, o mesmo custa mais de 100% do valor do Egito, o que torna a operação inviável para a produção de energia, e o abastecimento de famílias e serviços.
Como resultado, os apagões na Faixa de Gaza tem entre 12 e 16 horas de duração, por dia.

Infraestrutura

A falta de materiais de construção, energia e combustível deixa suas marcas na infraestrutura de toda a zona, como escolas, hospitais, e estações de saneamento.
Os materiais de construção, assim como todo o resto, dependiam em sua grande maioria dos túneis para suprir a região, sem os túneis resta o insuficiente fornecimento via Israel, que tem mais do dobro do custo do mesmo material vindo do Egito.
Com a escassez desses materiais, a construção de 13 escolas públicas estão paradas e a construção de outras 26 foi adiada. Ainda, a reabilitação de 76 creches danificadas nos ataques de 2012 provavelmente será adiada, e a construção de um novo bloco da Universidade al-Aqsa foi interrompida.
A falta de combustível também afeta o serviço de saneamento, que sem o mesmo não conseguirá adequar o funcionamento das 290 instalações de saneamento na Faixa de Gaza, colocando 600.000 pessoas em risco de não ter água potável e saneamento adequado. Inclui-se aí, a coleta das mais de 1.500 toneladas de lixo diárias, que não poderão ser recolhidas e encaminhadas para os aterros.
Com os apagões de longas durações, e com a falta de combustível para os geradores, hospitais se veem no limite do funcionamento, sobrevivendo na situação atual de vales-combustível do governo para operar os transportes e de doações privadas para as despesas gerais.
A situação coloca em risco milhares de vidas diretamente, já que compromete o funcionamento de áreas como UTIs, cuidados neonatais, hemodialise, Raio-X, centros operatórios, câmaras frias para vacinas, e transporte de pacientes.

Saúde

30% dos medicamentos essenciais e 51% dos materiais descartáveis estão em estoque zero, na Farmácia Central do Ministério da Saúde de Gaza.
Farmácias privadas foram reportadas com estoques extremamente baixos de medicamentos críticos, como para quimioterapia, epilepsia, neurolépticos e que encontram grande demanda, já que estão em falta na rede pública.
O fechamento da passagem de Rafah, principal saída para o exterior da população de Gaza, dificulta o transporte de pacientes em estado mais critico. No início desse mês apenas 129 conseguiram atravessar, em contraste aos quase 4000 antes de Julho.

Educação

Fora a infraestrutura afetada por escassez dos materiais de construção, a falta de energia compromete o ambiente das que já existem, sem água potável e tratamento de esgoto adequado. Aquando do relatório, pelo menos 6 escolas estavam já classificadas "em risco" devido à proximidade de estações de tratamento de esgoto.
O fornecimento de móveis escolares para 5 novas escolas está comprometido, devido a falta de materiais. Além disso, os palestinos não estão autorizados a transportar mobiliário escolar da Cisjordânia para outras 6 escolas em Gaza.
A falta de transportes compromete a frequência de alunos e professores, e o maior controle da passagem de Rafah destruiu os planos dos cerca de 500 alunos que estudam em universidades no estrangeiro, e não conseguiram se registrar para o novo ano letivo.

Segurança

Abduções arbitrarias, e ataques à pescadores por militares são uma rotina para os que vivem na Faixa de Gaza.


Que comece o jogo das culpas.
Há quem argumente que as ações do regime no Egito são oportunistas para ganhar confiança do Ocidente e popularidade interna às custas dos palestinos, outros que o simples fato de existirem túneis para serem destruídos é a prova da existência de uma entidade extremista e discriminatória travestida de país.
Há quem ache os dois.
E há quem no final do dia fale: "Não deve ser tão ruim, pelo menos eles têm shopping."