Beijaço lésbico: a resistência choca o conservadorismo

Escrito en BLOGS el

Texto de Thaís Campolina com colaboração de Kelly Campos.

No dia que o Papa chegou, em meio aos cristãos em êxtase, houve também um beijaço lésbico motivado pelos discursos de ódio proferidos contra não héteros, transgêneros e aos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres com a desculpa da religião.

Duas fotos desse protesto chocaram a sociedade brasileira, afinal, duas mulheres se beijando semi nuas despertam a lesbofobia e a misoginia infelizmente tão comuns e ainda vistas como aceitáveis em nossa sociedade. O teor dos comentários das fotos nos chocaram, pelo moralismo e preconceito e a gente resolveu rebater os mais repetidos.

Fotografia de Ide Gomes

"Querem respeito, mas não se respeitam e nem respeitam os outros" 

Respeito não tem que "ser ganho", ele é inerente da pessoa humana. Então falar em "se quer respeito, tem que se respeitar", "vocês jamais conseguirão conquistar respeito dessa forma" e afins não é válido porque coloca como se alguns grupos de pessoas não merecessem respeito, a não ser que se comportem de acordo com o que alguns dizem que é certo. Me lembra aquele famoso discurso "tudo bem ser gay, mas precisa mostrar pra todo mundo?" que é bastante problemático porque deixa claro o que a sociedade só "aceita" o diferente se ele estiver não visível. Coloca como regra que a pessoa deve esconder quem ela é e suas preferências para que ela mereça respeito, que para alguns é inerente. Enquanto o "merecer respeito" for seletivo e pautado em preconceitos e moralismo, haverá protestos e eles serão legítimos.

Sua variação "se você não respeita, não pode exigir respeito" é cruel porque compara a agressão de uma sociedade homofóbica, moralista, transfóbica e misógina com a reação de quem luta para sobreviver. Ignora que o beijaço e que a semi nudez são atos políticos, formas de contestar esse senso comum preconceituoso. E pra mim o pior é: ignora que quem não respeita primeiramente são as pessoas que proferem esses discursos de ódio e que o combate a essas ideias que eles proferem é uma tentativa de fazer valer a máxima de que todos devem ser respeitados.
Gabriella Mendes em seu perfil - clicar na imagem facilita a leitura.

"mas a Igreja não vai na Parada LGBT interferir"

Essa frase não faz sentido porque diariamente os dogmas da Igreja que são contra mulheres cis, os não héteros e as pessoas trans interferem bastante na vida dessas pessoas. Interferem colocando-os como aberrações e lutando para que eles não tenham os mesmos direitos e qualidade de vida que todos. Muito do preconceito sofrido diariamente por essas pessoas tem como base discursos de ódio que são proferidos com a desculpa da religião.

"Desnecessário"

Não há nada de desnecessário num beijaço lésbico, com ou sem semi nudez, porque todos os dias muita gente usa a desculpa da religião cristã para pregar ódio contra homossexuais, transgêneros, bissexuais e mulheres. Não há nada de desnecessário nisso, porque a Igreja insiste em colocar obstáculos para que essas pessoas tenham acesso aos seus direitos. Não há nada de desnecessário porque muitas pessoas religiosas são eleitas com a influência de sua religião e tentam impor a todos o que acreditam, impedindo muitas pessoas terem acesso a seus direitos humanos. Como tudo isso acontece, é legítimo que os oprimidos se manifestem contra isso.

Lembrando aqui da famosa frase do Malcom X: "Não confunda a violência do opressor com a resistência do oprimido". Com tanta opressão baseada num fanatismo religioso que cria tabus como o da nudez, do sexo, da homossexualidade e do aborto. É inacreditável que as pessoas insistam em colocar um beijaço lésbico com semi nudez, que tem finalidade de protestar contra esses preconceitos, como algo tão agressivo quanto a busca incessante para marginalizar certas pessoas.

Imagem de Indiretas Feministas
O que é desnecessário e agressivo é o discurso de ódio de vários comentaristas dessas imagens que deixaram claro seus preconceitos ao dizerem coisas como "que nojo" e também as diversas declarações do Pastor Feliciano e não só dele, mas de vários padres e pastores que pregam contra a homossexuais, contra a liberdade para a mulher, etc. Ataque não é quando pessoas protestam para que sejam vistas como pessoas normais, é quando tentam impedir que algumas pessoas tenham direitos, quando se incentiva preconceito e até mesmo violência física contra casais homoafetivos, pessoas trans* e contra as "vadias". E tudo isso ainda acontece e é fomentado por discursos de ódio que são proferidos por várias pessoas, e algumas dessas usam a religião pra justificar seus preconceitos.

"Mas precisava ficar sem roupa?"

As imagens mostram que a nudez das manifestantes não era completa, era uma semi nudez. Apenas os seios estavam a mostra. Homens podem ficar sem camisa à vontade, não é? Não são chamados de "vadias" quando fazem isso e se participam de um protesto sem camisa não são vistos como "eles só querem chamar atenção". A nudez dos seios é uma forma de contestar a construção social de que os seios ditos femininos são sexuais e devem ser escondidos, enquanto o peito masculino pode ser mostrado sem problemas. Inclusive, essa sexualização do seio atinge várias mulheres que se sentem inibidas de amamentarem seus filhos em público, porque a sociedade vê a mama como algo imoral.

O nu é visto como atitude rebelde, subversiva, um rompante de liberdade que afronta o moralismo. E de fato o é, numa sociedade que mistifica e endeusa o nu. Mas o nu é natural. A polêmica do nu não só atingiu essa manifestação, como também a foto da ocupação da Câmara de Porto Alegre.

Além disso, o beijaço entre mulheres é considerado algo político e ameaçador para os fanáticos, mas não traz a mesma visibilidade midiática do corpo despido. Fazer uso do corpo feminino para algo que não seja acalantar os desejos masculinos sempre soará subversivo. O corpo, como instrumento de prazer para as mulheres se torna uma importante arma de protesto ativista. É a afirmação de que o corpo é da mulher e não de quem o quer.

Foto de Pedro Teixeira - O Globo.
A pergunta que não quer calar é "por que nos cobram tanto de respeitar os tabus de quem nos desrespeita e buscam incessantemente nos manter marginalizados?", enquanto querem que a gente proteste de uma forma que não incomode, quietos e invisibilizados, cartilhas como o Manual da Bioética para Jovens que está sendo distribuída na Jornada Mundial da Juventude deixam claro que a Igreja Católica se mantem firme em seu posicionamento conservador e em seus discursos preconceituosos. E sim, isso justifica os protestos barulhentos, com beijos e nudez, porque isso é ato político de resistência. É estar na luta para ser livre até que todos sejam respeitados, independente de agirem de acordo com a moral cristã.

JMJ: manual de bioética e os catolicismos possíveis - Blogueiras Feministas 
"Para a Católicas pelo Direito de Decidir, vinda do papa pode significar um momento preocupante para o debate em torno de políticas públicas sobre aborto e direitos de homossexuais"  - Revista Fórum