Cultura do estupro, da propaganda da Prudence às piadinhas de estupro.

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Um exemplo de como a cultura desvaloriza a mulher que faz sexo.
Via Slut Shaming Detected.
Numa cultura onde homens são valorizados por fazer muito sexo e com várias mulheres  e mulheres são desvalorizadas se fazem sexo, não é surpreendente que surjam muitas imagens no Facebook "ensinando" homens a "conseguir sexo". Nessas imagens, a vontade da mulher é completamente ignorada; afinal, na nossa sociedade, mulher não tem desejo sexual - ela faz sexo ou deixa de fazer por "interesses". A maneira mais mostrada de "levar uma mulher para a cama" é o pagamento de jantares e presentes, e tudo isso do mais caro e do melhor. O consentimento feminino é tratado como comprável, pois só em troca de algo valeria a pena para a mulher fazer sexo - já que fazer sexo é "se desvalorizar". Nesse ponto, muitos homens se revoltam, porque ao receber um "não" depois de todo "esse trabalho e dinheiro gasto", eles se sentem enganados. Se o jantar foi pago, pronto: na cabeça de tais homens, a mulher é obrigada a consentir.

Outro ponto, até mais assustador, é o incentivo ao uso de substâncias como o álcool (e, às vezes, outras drogas) para "dopar" a mulher e assim "conseguir sexo". Nesse caso, o consentimento da mulher é completamente ignorado e nem se faz questão de "conquistá-lo" - afinal, se ela bebe em companhia de um homem, "ela tá pedindo", ela quer.

Na cultura do estupro, o que a mulher pensa e deseja não importa: o que importa é o desejo masculino. As manifestações que reiteram essa cultura são várias e vão de "piadinhas", cenas de novelas e filmes até a publicidade. Recentemente a empresa de preservativos Prudence veiculou em sua página no Facebook uma imagem que banaliza a violência sexual. O texto da imagem rola na internet há anos, mas nunca antes tinha sido veiculado como propaganda de uma empresa. Na imagem relaciona-se o termo "sem o consentimento dela" a tirar a roupa, e também há o seguinte texto: "tirando o sutiã com uma mão e apanhando dela". Os dois itens são os que mais gastam calorias, ou seja, coloca-se a falta de consentimento feminino como algo positivo pra tal da "dieta do sexo".
Campanha do Bule Voador contra a propaganda.

O pensamento que mulheres gostam de fazer "charminho" para aceitar investidas masculinas é nocivo porque generaliza um comportamento, muitas vezes relativiza o consentimento feminino, supõe que todo "não" ou "talvez" dito por uma mulher é um sinal de que é só insistir mais que ela vai ceder e coloca toda a manifestação feminina negativa como parte de uma brincadeira. É necessário destacar que o consentimento é necessário mesmo para jogos eróticos - se não houver consentimento não há sexo: há violação do corpo. Há estupro.

O pensamento reiterado na propaganda da Prudence banaliza a violência contra a mulher, porque tira dela a condição de sujeito, de ser dona de suas próprias vontades e retira sua voz, porque a coloca  numa situação em que seu não ou sim é ignorado completamente. Ao falar "sem o consentimento dela", a violência sexual fica mais naturalizada ainda. Como se haver ou não consentimento não fosse algo que importasse. E essa naturalização da violência contribui para que o estupro seja visto como uma modalidade de sexo e não como o crime cruel e violento que é. Quando a propaganda fala sobre "tirar o sutiã apanhando dela", além de mostrar que realmente pouco importa se a mulher quer ou não fazer sexo, coloca os jogos eróticos BDSM como se eles não fossem algo de pleno acordo, baseado em confiança e em consentimento.

A Prudence, depois de muita pressão, postou uma nota se desculpando pela veiculação da propaganda e deixando claro para seus clientes que tirar a roupa da parceira sem seu consentimento é crime. Triste é ver que várias pessoas vêem essa propaganda como uma piada inocente e acham que as denúncias feitas são baseadas num "moralismo exagerado".

E um adendo: é necessário que as campanhas publicitárias de artigos sexuais, incluindo preservativos, façam propagandas levando em conta que mulheres também são ativas sexualmente. E que são donas de seus corpos e que são possíveis consumidoras de seus produtos. Colocá-las apenas como um prêmio para os homens héteros é nocivo porque contribui para a idéia de que mulheres não gostam de sexo e são apenas troféus. Homens não são predadores e mulheres não são suas presas. E é claro: seria interessante que fossem campanhas que não supõem que apenas casais heterossexuais fazem sexo.

O conceito de propaganda afirma que ela deve persuadir opiniões, sentimentos e atitudes do público-alvo. Se as campanhas publicitárias atuais levam em conta que apenas um grupo compra camisinhas e ignora outro: ela reitera a doença social do machismo. E também da homofobia e lesbofobia.

Demais textos em repúdio ao caso:
"Prudence e a fetichização do estupro", Blogueiras Feministas, Luka.
"Guestpost: Propaganda acima do bem e do mal", Escreva Lola Escreva, Vivian.
"Cultura de estupro? Não, imagine", Escreva Lola Escreva, Lola. 
"A propaganda da Prudence e a heteronormatividade", Minoria é a mãe, Kamila.
"O Estupro da Prudence e o que nós aprendemos com ele", Não precisa gritar, Lucy
"Desconstruindo a cultura do estupro", Mulher Dialética, Jarid. 
"A violência é fácil de se entender", Feminerds, Julia.
"dear Prudence", Meu palanque, Fran Carneiro.
"Nota de repúdio da Marcha Mundial das Mulheres à publicidade sexista da Preservativos Prudence", Marcha Mundial das Mulheres.
"Lira Alli: Camisinha Prudence faz apologia ao estupro", Viomundo.
"A absurda propaganda da Prudence", Machismo chato de cada dia. 
Notícia sobre o caso:
"Conar deve abrir, até amanhã, processo contra marca de preservativos Prudence"
"Marca de preservativos retira publicidade da internet após críticas"
"Fabricante de camisinha tira anúncio polêmico do ar"
"Propaganda de camisinha que incentiva violência contra mulher causa polêmica no Facebook
Outros textos:
"A graça de um estupro", Feminerds, Julia. 
"E onde está o meu consentimento?", Ativismo de Sofá, Thaís.