Desenhando: Mulheres e crianças primeiro e outros privilégios

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A princípio penso que esse tema pode ser meio óbvio, especialmente para quem já conheceu o feminismo há algum tempo. Mas basta começarem as discussões sobre opressão que o argumento sobre os privilégios femininos é levantado, geralmente acompanhado da crença de que os tais “privilégios” tem relação com o feminismo.

Portanto acho necessário elucidar. Um post bem simples explicando ponto a ponto porque as desigualdades que, teoricamente, favorecem a mulher não tem relação alguma com feminismo, mas pelo contrário, na maioria das vezes são consequência de uma sociedade machista.

Mulheres e crianças primeiro
O clássico “ser feminista até que o navio começa a afundar”. Bom, vamos lá: Legalmente é função dar prioridade aos mais vulneráveis. Por isso temos lugares preferenciais para idosos, gestantes, pessoas com bebês ou crianças de colo ou que possuam alguma deficiência ou dificuldade de locomoção. No caso, imagino que vocês concordem comigo que bebês e crianças são bem vulneráveis, realmente precisam de ajuda e, portanto, de preferência. Acontece que nossa bela sociedade (machista, não feminista, lembram?) determinou que o cuidado dos filhos era muito mais obrigação das mulheres do que dos homens. Pense: Quantas mães solteiras você conhece? Quantos pais solteiros? Quantas vezes você ouviu em uma entrevista alguém perguntar para um homem como ele concilia carreira e filhos? Só escutamos o chamado de mulheres e crianças porque as crianças são vulneráveis, precisam ser protegidas e precisam de um acompanhante e adivinha quem em 80% dos casos é esse acompanhante? Uma mulher. Mas pode ficar tranquilo que se você for um desses pais que cria os filhos e o seu navio se chocar com um iceberg você pode pegar suas crias no colo e pedir um espacinho logo no início do bote salva-vidas sim, ok?

Licença maternidade
Mais uma vez entra em cena o pressuposto de que cuidar dos filhos é obrigação exclusiva da mulher. A licença para as mulheres atualmente é de 120 dias enquanto os homens só tem direito a quatro. E aqui pasmem: A maioria das feministas que conheço é a favor de que a licença paternidade seja estendida. Que possamos dividir com nossos companheiros o dever e o prazer de criar nossos filhos. Não é privilégio algum que sejamos incumbidas dessa função sozinhas, que não tenhamos direito a ajuda e que o vínculo entre papai e bebê não seja considerado importante.

Alistamento obrigatório
“Se querem igualdade por que não lutam também pelo alistamento obrigatório?” A resposta para essa pergunta é: Porque seria estúpido. Posso estar enganada, mas não conheci até hoje sequer uma feminista que defenda com unhas e dentes que o alistamento deva ser obrigatório. Eu vou fazer uma comparação que talvez soe meio esdrúxula, mas acho que ajuda a compreender: Por que então não lutamos para que os homens também sejam estuprados? E para que também sejam vítimas de violência doméstica? Porque não queremos essas coisas! O feminismo luta pela igualdade sim, mas por favor, que essa igualdade venha acompanhada de liberdade. Que o exército pare de ser essa instituição machista, homofóbica, engessada que obriga os homens a se alistarem e constantemente veta mulheres, gays, trans* por não acreditar que sejam capazes de ter força e de lutar. Que as pessoas possam decidir por si mesmas, individualmente, as instituições das quais querem ou não fazer parte.

Homem R$ 20 Mulher R$ 15
Ah, o bom e velho pagar menos na balada. Isso sim é um privilégio! A frase “é feminista até dizer que mulher paga menos” sempre nos serve a carapuça. Só que não. Primeiro, abram os olhos: Não são todos os lugares que trabalham esse esquema. Ambientes GLS, LGBT* e outros lugares chamados mais “alternativos” não costumam fazer esse tipo de distinção nos preços. Isso se restringe aos ambientes héteros de classe média e tem um motivo. E é um motivo óbvio, vocês sabem disso. O preço para as mulheres é menor apenas para atrair o público masculino hétero que, teoricamente, só se interessa em frequentar um lugar caso “tenha muita mulher”. Isso não tem nada a ver com feminismo. Inclusive não são poucos os casos que vemos nesse tipo de ambiente que violentam a mulher. A cultura é de que se está pagando menos ela está ali para o entretenimento masculino, portanto está ok segurá-la pelo braço enquanto ela passa, puxar o cabelo dela, apertar a bunda, beijá-la repentinamente sem consentimento e lembram do caso da moça que teve o braço quebrado por negar um rapaz? Então. Pergunte para as mulheres que você conhece que frequentam esses lugares se elas não passaram por esse tipo de situação invasiva e objetificante.

Aposentadoria
"Não entendo como podem existir homens que maltratam suas mulheres"
Essa pesquisa explica bem o porque de as mulheres se aposentarem mais cedo e não é difícil entender: Nós trabalhamos mais. Sim, por que lembram da cultura machista que eu falei lá nos primeiros tópicos? Aquela que acha que temos que cuidar dos filhos sozinhas? E da casa? E do marido? E do cachorro? E dos preparativos dos churrascos nos finais de semana e das festas de final de ano?  Além disso as mulheres passam muito mais tempo cuidando da estética, é depilação, maquiagem, e outros mil afazeres que sim, são exaustivos e socialmente necessários. Essa jornada não é "frescura" e não é uma opção nossa, vale lembrar que além do linchamento social as próprias empresas cobram isso: recepcionistas, comissárias de bordo, jornalistas de TV e muitos outros empregos exigem que as mulheres estejam fisicamente enquadradas em um determinado padrão. Pois bem, então essa tal cultura que nos engessa nesses papéis de gênero obriga as mulheres a terem o que chamamos de “jornada tripla” e tenho certeza que você já ouviu falar disso. Não dá para partir de um princípio de isonomia simplesmente inexistente e dizer que igualdade mesmo seria lutar para que nos aposentássemos ao mesmo tempo sendo que na prática a sociedade está organizada de uma forma que ignora a divisão igualitária do trabalho (essa sim, uma luta feminista). Para que esses “bônus” sejam alterados é preciso que de maneira geral não ajam tantos “ônus” por conta da estrutura patriarcal.
Bom, tentei focar nos argumentos que mais ouvi por aí para justificar as desigualdades de gênero. Esses argumentos isolados que tem por objetivo distorcer a palavra “feminismo” e ignorar as opressões diárias que as mulheres sofrem concentram-se no raso, na consequência, sem se aprofundar na raiz do problema e entender suas origens. O feminismo é uma teoria de igualdade e liberdade que em nada se assemelha com os papéis sociais que o machismo nos deu de presente como se fossem vantagens.

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