Dialética da Popozuda: Linguagem, Poder, Sexualidade

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"Então mama, pega no meu grelo e mama
Me chama de piranha na cama
Minha xota quer gozar, quero dar, quero te dar"


Aviso axs navegantes: este é um post pró-Valesca Popozuda. Se você é do tipo que não suporta a moça porque _______ (insira aqui algum juízo de valor), eu desaconselho fortemente a leitura deste texto. Ou não, já que o debate saudável é sempre bem-vindo :-)


Já perdi a conta das vezes que li e ouvi coisas do tipo: “as mulheres lutaram tanto pela liberdade e agora vem um lixo humano desses e faz uma COISA assim” (tudo sic, com grifos apavorados meus). E a polêmica da vez ficou por conta do novo hit da Valesca, Mama, que conta com mais de 1 milhão de visualizações no iutúbi (trata-se de um pagode “proibidão” feito em parceria com Mr. Catra). 


Pois bem. Não demorou muito e vimos o fatídico comentário circulando nas redes sociais, todo envergonhadinho da “liberdade” concedida às mulheres. E sinceramente? Esse comentário e suas variantes só evidenciam o quanto a luta ainda é necessária. Dá muita preguiça de explicar, mas não tem outro jeito: em uma sociedade patriarcal como a nossa, a noção de moralidade também se dá em termos de opressão. E não é preciso uma bola de cristal para adivinhar que, ainda que a sociedade esteja em pleno avanço e as mulheres tenham conquistado um espaço público cada vez maior, ainda falta muito para que a sexualidade feminina não assuste.

Pensemos um pouco na sexualidade humana como socialmente construída. Por muito tempo, o silêncio a respeito era a palavra de ordem. Foi assim até que um dia os cientistas, do alto de seus aventais, resolveram dar caráter acadêmico a tudo o que uma outra galera, a de batinas, dizia que era “normal”. Estava posta a Scientia Sexualis que, segundo Foucault, foi a maneira ocidental de discursivizar (e por que não controlar?) o sexo. Falar de sexo passou a ser necessário e até desejável. Porém, a sexualidade feminina continuou a ser paulatinamente ignorada, tratada sempre como mera coadjuvante no processo de dar prazer ao homem. 

E por que eu tô fazendo toda essa digressão? Pra explicar que não, você não é obrigadx a gostar da Valesca. Você não precisa adicionar o funk à sua playlist. Mas não custa parar para refletir que, para além da dicotomia liberdade x libertinagem, é preciso pensar nos processos de poder que normatizam a gente, inclusive sexualmente. E isso inclui uma séria análise de quais discursos estamos defendendo. Porque, a partir do momento em que a nós, meros mortais, foi dado o direito de colocar o sexo em palavras, algum poder nos foi sim conferido. E uma Valesca falando abertamente de sexo, de forma crua e não-floreada, está se utilizando desse poder e mostrando à sociedade que uma mulher também pode sentir prazer.

Com tudo isso, chegamos noutro ponto que precisa ser discutido aqui: a questão social que envolve as músicas da Valesca, incluindo a música Mama. Há um incômodo com o fato de a Valesca se colocar como uma mulher que tem vida sexual ativa e diz isso abertamente? Sim. Porém, a bronca toda não se restringe a isso. O que incomodou e ultrajou até a galere de bom nível intelectual foi mesmo a linguagem utilizada. Porque a linguagem é popular. E a elite tem pavor de tudo que considera “vulgar”, especialmente em se tratando de sexo.

Dessa forma, se considerarmos todo o processo que levou o ocidentinho a transitar de uma situação de total proibição de verbalizar o sexo, para a total transformação deste em discurso - primeiramente através das confissões dadas aos padres e mais adiante em forma de “receitas” dadas por especialistas para “melhorar” e, porque não, regular o ato sexual - veremos que ainda estamos muito presos e guess what? A prisão se dá, essencialmente, pela linguagem. Em outras palavras, o que ficou muito evidente nessa discussão toda é que a elite ainda sente a necessidade de sutileza, de trejeitos para falar de sexo, se negando a aceitar que tem cu, buceta e pau tanto quanto a classe popular. O sexo explícito dessa forma dá a impressão de algo sujo, bem distante da realidade de uma elite que quer fazer sexo com álcool gel. 


Portanto, Valesca e suas variantes são uma afronta à lógica vigente, que determina o que tem ou não valor artístico, segundo sua própria visão do que seria adequado a cada gênero. Lembremos que os Mamonas Assassinas falaram coisas como “sabão crucru, não deixa os cabelos do saco enrolar com o do cu” e não foram julgados. A Valesca fala da própria sexualidade utilizando palavras similares e é julgada. Assim como uma Rihanna que toca a própria vagina em seus clipes e, ao contrário do que ocorria com um Michael Jackson ou Axl Rose, é execrada pelos moralistas de plantão. A própria Letícia (cem homens) tem um exército de trolls prontos a odiá-la pelo simples fato de ter o controle da própria sexualidade e verbalizar isso. 

E o debate não se esgota aqui. Ainda há muito o que ser falado. Há, inclusive, que se pensar no fato de a Valesca ser ou não feminista (já adiantamos que sim, ela é feminista, e isso independe dela se auto-intitular, ter consciência ou não disso). Porém, como o post está assaz extenso, deixemos o debate feminista para outra feita. Beijos Valescanos! 

* Post escrito por Flávia Simas com colaboração de Paula Mariá, Gizelli, Elisa e Thaís Campolina.