Diversas resistências; um mesmo feminismo.

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O feminismo é, em sua essência, um movimento pela igualdade de gêneros. Acreditamos que vivemos em uma sociedade organizada de forma patriarcal que determina nossas vidas a partir do momento em que nascemos e somos “diagnosticados” como meninos ou meninas. O objetivo então é a desconstrução dessas determinações prévias e a valorização do ser humano enquanto ser único e livre independente de seu sexo.

Acontece que para atingir a igualdade precisamos passar por cima do machismo: A teoria que estrutura a nossa sociedade, na qual homens são tidos como superiores e as mulheres são oprimidas. E é por isso que falamos tanto de resistência, luta e empoderamento feminino, por exemplo. Então dentro de uma mesma teoria, com os mesmos pressupostos e partindo em direção ao mesmo objetivo, essas questões deveria se apresentar de forma igualitária, certo? Errado.

Antes de mais nada o que determina uma atitude como libertária, retrógrada ou qualquer outra definição é o contexto que a envolve. Não existem atitudes que possam ser colocadas em caixas de “conservadora” ou “transgressora” justamente porque para conservar ou transgredir algo em um determinado meio é preciso ter consciência de qual é aquele meio. A cultura vigente é o fator base para análise da possível resistência. Por isso o movimento feminista é um movimento heterogêneo, que tem por objetivo se opor as mais diversas formas de opressão contra a mulher.

Entretanto, é sempre complicado para quem está inserido em um contexto analisar outro distante e, muitas vezes, oposto a sua realidade. E, falando multiculturalmente, o que é extremamente imposto a um grupo,  pode ser muitas vezes o que é vetado a outro. E se a luta feminista é justamente pela libertação, nenhuma imposição pode ser considerada justa, dentro disso a resistência é justamente ir contra a ditadura, seja ela qual for. E aí obviamente, ditaduras diferentes, pedem libertações diferentes.

Recentemente assisti a um filme chamado A Fonte das Mulheres que me esclareceu muito essa questão. A história é fictícia e retrata uma vila na qual as mulheres, por terem que subir uma montanha perigosa para buscar água todos os dias, estão cansadas e perdendo seus bebês por conta das quedas. Para protestar contra isso elas então resolvem fazer o que chamam de “uma greve de amor”: sem abraços, sem sexo, até que os homens resolvam buscar a água.

Essa situação retrata duas coisas contra as quais lutamos aqui no ocidente: A visão da mulher como um ser frágil e do sexo como uma moeda de troca. Porém, alguém ousa dizer que essas mulheres não estavam resistindo? Não lutaram pelos seus direitos? Não foram feministas? Há até um momento – logo no começo do filme (e da greve) – no qual elas cantam uma música para os homens, exigindo, entre outras coisas, máquinas de lavar roupa.

Valesca Popuzuda em ensaio ativista.
E para nós tudo isso é muito opressor, essa visão da mulher como a dona de casa. É estranho pensar dentro da sociedade que vivemos em algumas dessas atitudes como libertadoras. Bem como é estranho pensar, quando estamos em um contexto de mulher objetificada, no funk feminino como uma forma de empoderamento.

Porém lutamos com as armas que temos. Para as mulheres do filme, o único poder que tinham sobre os homens foi utilizado como forma de lutar pela própria vida, de buscar formas melhores de ser mulher, transgredindo o meio que estava ao redor delas. Isso é resistência. Bem como para as mulheres que se sentem castradas, sem a possibilidade de dizer que gozam, com o medo constante do estigma da puta, o funk pode ser libertador.


Neste vídeo (maravilhoso, por favor, assistam), Kavita Ramdas fala sobre as mulheres que questionam por meios extremamente tradicionais. Como uma professora que, alegando que uma comunidade precisava de fé, utilizou-se do Corão para alfabetizar meninas, em um ambiente onde a educação feminina é tão desprezada.  Ou um grupo de mulheres que se dedica a interpretar canções tradicionais, mesmo religiosas e... são lésbicas.

Como então seria possível determinar quem é mais ou menos feminista? Como nos enquadrar em resistentes ou não? Nos encontramos em uma luta por todas e consequentemente no meio do nosso caminho encontraremos todas: Desde a visibilidade lésbica, passando pelo direito ao aborto até a maternagem consciente.

 Particularmente muito me agrada essa ideia de o feminismo ser um movimento tão plural quanto são as mulheres. E tão capaz de aparecer nas mais diversas formas, mesmo que timidamente, mesmo que não funcionando de forma universal, mas validando os pensamentos e desejos de algumas de nós. Vamos emergir todas juntas, no mesmo sentido, mas de maneiras diferentes. Andando com nossos próprios pés de acordo com o chão ao nosso redor.

Gizelli Sousa falando sobre o mesmo assunto aqui