Eclipse Love - amar é estar à sombra de alguém

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Tá, meu título foi enganoso. Devia ter sido "amar é estar à sombra de um homem". Porque é exatamente isso que o curso de uma agência intitulada Eclipse Love, que a Folha teve o infortúnio de trazer à tona essa semana, ensina. 

Bom, eu acho que é meio óbvio que eu discordo de todo o conceito que é vendido em tal curso, ainda mais sendo alguém-que-carrega-a-tal-da-carteirinha. Eu nem tenho muito a dizer a respeito, além de: acho triste. 

Isso mesmo, coleguinhas. Eu acho triste que tais seminários existam (tenho certeza que a Eclipse Love não é a única empresa destinada a vender status quo em formato "inovador"). 

Acho triste que alguém acredite tão piamente que o seu eu verdadeiro, que a sua essência, que aquilo que lhe define como ser humana, ou seja, a sua capacidade de falar e pensar por si própria, seja visto como algo indigno de amor. Que a pessoa acredite que, para ser amada e benquista por outrém, é preciso se anular, vestir um personagem, ser outra pessoa, um holograma, uma inexistência.

Achei especialmente deprimente o parágrafo: 

"Para a psicóloga Ana Letícia Pereira, 30, o capítulo foi bastante proveitoso. Ela acredita que perdeu um partidão por ter feito um pedido diretamente para o garçom durante um jantar. "Demonstrei ser independente demais.""

O que dizer? Nessas horas, me faltam palavras, sabe? Eu preciso então recorrer ao velho "exemplifico me expondo" para tentar explicar o meu sentimento nesse momento. 

Porque pra mim está muito claro que um relacionamento, qualquer relacionamento, é algo que envolve troca. Não digo troca no sentido imbecilizante de cobranças e exigências absurdas, mas uma troca sincera de afeto, boas energias, empatia, idéias. E nessa troca, penso eu, há que existir alguma negociação. É assim com tudo na vida. Estamos o tempo todo negociando sentidos para fins de comunicação. E, se não houver comunicação, não há relacionamento que se sustente. Daí a importância de ceder, e isso vale para os dois (ou mais!) lados da moeda. Eu não sei definir o que seria um relacionamento saudável para além do óbvio: em uma relação saudável, não há violência. De nenhuma forma. O que há, repito, é diálogo, é negociação. Com AMBAS as partes fazendo concessões. 

Mas, eu nem sempre pensei assim. Porque eu sou, também, fruto de uma cultura que busca "partidos". Vejam bem o grau de desumanização a que nos sujeitamos. De muito bom grado, acreditamos que "partido" é uma pessoa, e não uma idealização. Eu já me culpei por ter perdido um "bom partido". O crime? Ter contado piadas em um churrasco. Em um ambiente informal, eu ousei ser eu mesma. Eu fiz todos rirem e ri bastante também. Eu me senti feliz falando besteiras. Eu não usei salto, eu não usei maquiagem, eu não fiz carão. Eu relaxei, não me utilizei de artifícios e artimanhas para manter o bofe. A conclusão a que cheguei, na época com a ajuda de amigas e familiares, foi a de que eu tinha errado. Porque "homens não gostam de mulheres engraçadas, pois elas aparecem mais que eles". 

Chegaram a me dizer que eu ia acabar sozinha. Por falar demais. Por não ser delicada. Por contar piadas. Por ter o cabelo ruim (sim, ouvi). Enfim, que eu, tal como me apresentava à sociedade, não era digna de arrumar um bom partido. E eu, do alto da minha tolice, acreditava que bom partido = amor. E eu acreditei que eu não era digna de amor. Que a mim, não seria possível, jamais, arrumar um bom partido. O que fiz? Me joguei em outro relacionamento errado. Não, eu não era louca pela pessoa. Eu apenas o achava bonito. E ouvia de amigas que a tal beleza do bofe era algo tão essencial que eu não poderia, jamais, deixar o bom partido passar. 

Então eu fui me adequando. E fui cedendo a exigências descabidas. Não entrarei em pormenores de tais exigências. Limito-me a dizer que elas eram muitas, e bem estranhas. E eu, por um tempo, me ajustei. À revelia de tudo que eu era, sentia e pensava, eu me ajustei. Não houve violência física, mas eu acredito que a violência psicológica que eu sofri foi bem danosa. Mas não foi irreparável, não. A violência foi bem grande, mas não foi maior que eu. 

Eu. Essa palavrinha, "eu", me surgiu na última discussão que tivemos. Daquelas longas discussões de relacionamento, que eram, na real, bem unilaterais. Daquelas discussões em que eu sempre baixava a cabeça, pois o medo de ficar sozinha era maior que o medo da violência que eu sofria. Sem pensar muito, eu apenas disse "sai do meu carro, agora". Ele não esperava tal reação. Pra falar a verdade, nem eu imaginei que era isso que sairia da minha boca. Mas foi, e eu repeti o pedido. Ele saiu, eu fui embora e, naquela noite, não chorei. Também não dormi. Fiquei lendo e relendo o conto "A moça tecelã", de Marina Colasanti. 

No dia seguinte, me veio o luto. Eu me permiti chorar a perda. Mas, não me arrependi. Era como se um piano tivesse sido tirado das minhas costas. Eu, que me achava indigna de amor e tinha me apegado a um relacionamento falho por medo de ficar a sós comigo mesma, resolvi me aceitar. E, me aceitando, percebi que eu não precisava de um bom partido. Que eu não precisava mais me esforçar para ser outra pessoa em nome de uma fatídica "boa primeira impressão". Arrependimento? Nem por um segundo. 

E o que eu diria à psicóloga Ana Letícia, se acaso tivesse a chance de com ela me comunicar? Bom, além de contar minha história, eu diria isso: gata, não compensa demonstrar ser algo que você não é. Não compensa usar máscara. Máscara só traz angústias. Pois um dia você vai precisar tirá-la para respirar melhor. Se a primeira impressão é a que fica, o seu "partidão" vai esperar que você seja, para todo o sempre, a sua máscara. E você, minha cara, com certeza é melhor que isso. Você não precisa de um "partidão", mas sim de um ser humano que te entenda, em toda a sua complexidade. A culpa não é sua de pensar assim. Somos ensinadas a pensar assim. Mas podemos, juntas, construir uma sociedade mais justa e deixar um futuro melhor, mais pé no chão, sem tanto medo e sem tanto eclipse, para nossas filhas.