Guestpost: Feminismo e cultura pop: Parte 1 – As Representações Femininas

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Olá, pessoal do Ativismo! Me chamo Taís e sou a blogueira do Colchões do Pântano. No blog, um dos meus objetivos é analisar mídias de entretenimento como games, quadrinhos e séries sob a ótica feminista. Nesta série de guest-post, farei uma (não tão) pequena compilação de problemas e fatos que pude perceber e aprender com o tempo.
Quem já está familiarizado o suficiente com feminismo conhece vários estereótipos, falácias e preconceitos quando o assunto é sobre mulheres. Tudo isso também aparece no meio nerd/geek/gamer com suas peculiaridades e semelhanças.

De acordo com a ESA (Entertainment Software Association), as mulheres representam 47% dos jogadores americanos. Mesmo assim, a carga de machismo e misoginia que existe tanto nos jogos quanto entre os próprios jogadores é assustadora. O problema começa com as representações femininas criadas por desenvolvedores predominantemente masculinos. Um dos estereótipos mais frequentes é:

A Fighting Fuck Toy– Protagonista feminina que é hiper-sexualizada e ao mesmo tempo é forte, independente e chuta a bunda dos inimigos. Esse tipo de personagem me irrita bastante porque muitos a tratam como símbolo de empoderamento feminino, quando ela nada mais é do que um produto criado para satisfazer o público masculino heterossexual (ao mesmo tempo que é usado para invalidar o argumento de que elas não são objetificadas porque, afinal, olha como elas são fortes e incríveis! Como ousa não gostar delas?).

Exemplos: Ivy de Soul Calibur (que a cada jogo lançado, seus peitos tornaram-se cada vez maiores), Bayonetta (com o diferencial de usar literalmente sua “sexualidade” como fonte de poder), Lara Croft de Tomb Raider (que passou a ter um corpo ligeiramente mais realista a partir de Angel of Darkness e passou por mudanças bem mais significativas com um reboot ainda não lançado), Juliet de Lolipop Chainsaw (incluindo o bônus fetichista com uma líder de torcida), Mai Shiranui de Fatal Fury e The King of Fighters (que passou por um processo similar ao de Ivy) e as mulheres de Mortal Kombat em geral.
Fighting fuck toys, representações femininas positivas? HAHAHAHAHAHA CONTA OUTRA.

Talvez por objetificação e força estarem tão atrelados para mulheres, é possível ver um “padrão inverso”: quando a personagem não é visualmente apelativa, muitas vezes ela é como a princesa Peach: passiva, fraca e indefesa. Cheguei a fazer uma listinha com exemplos. Esse padrão também aparece na página doTV Tropes.

Outro exemplo constante de objetificação aparece nas armaduras femininas. Em muitos MMORPG’s* (principalmente os orientais), você pode comparar os gêneros da mesma raça, classe e nível que a mulher provavelmente vai ter muito menos proteção que o homem. Existe até um nome próprio para couraças femininas: boopblate (ou seja, a armadura tem o formato dos peitos definido).
Exemplos: Tera Online, Fiesta Online, World of Warcraft, Perfect World e Dragon Nest**.
Comparação de armaduras de níveis diferentes e a lógica “menos é mais e melhor”. Imagem de Tera Online.
Como homens de armadura ficariam se tivessem o mesmo nível de proteção das mulheres.

Por último, temos uma situação que não chega a aparecer tanto nos jogos, mas MUITO em HQ’s: a “boob-and-butt pose”, em que as mulheres são desenhadas em uma posição que é possível ver os peitos e bunda ao mesmo tempo. O problema é que além de ser desconfortável, a contorção é tão grande que a coluna vertebral quebraria se fosse de verdade (além de outras poses ridículas consideradas “sexy”). Tal fato deu origem ao tumblr Escher Girls, publicando, parodiando e consertando inúmeros exemplos.
Sexy ou ridículo? Depende, é claro.
Aí aparecem alguns com a falácia da falsa simetria afirmando que homens fortes e musculosos também são objetificados! Tá reclamando do quê? Homens também sofrem, tadinhos!

Tal afirmação é falaciosa por uma razão muito simples: Homens musculosos e mulheres gostosas são produtos para um público dominante masculino heterossexual.  Enquanto heróis musculosos representam o que eles gostariam de ser, heroínas gostosas são o eles querem que elas sejam para satisfazerem seus desejos e fetiches (além de mulheres halterofilistas não serem consideradas atraentes por motivos óbvios). Em suma: não confunda idealismo com objetificação.

Cara, como você é uma feminazi chata, credo! Só tá reclamando neste post! Não tem nada de positivo pra mostrar não?

Tem sim. Apesar de poucas, existem personagens que não só são mais realistas na aparência, como também podem ter uma personalidade mais interessante e humana.
Exemplos: Faith de Mirror’s Edge, April de The Longest Journey, Zoë de Dreamfall, Jade de Beyond Good & Evil, Alyx de Half-life 2 e Episodes, Zoey de Left4Dead, Rochelle de Left4Dead 2 e Chell de Portal e Portal 2.

Quanto a jogos em que mulheres usam armaduras convincentes, temos Skyrim, Mass Effect e The Lord of the Rings Online como exemplos.
Representações femininas legais (e mais diversas) existem, apesar de serem escassas.
Ah, mas você tá levando os jogos a sério demais! Eles foram feitos pra nos divertirem!
Primeiro, se divertir com alguma coisa é bastante subjetivo depende dos gostos de cada um (ou você conseguiria se divertir jogando Dear Esther ou Amnesia: The Dark Descent?). E segundo, esse tipo de desculpa para fugir do problema não é muito diferente de dizer “é só uma piada!” para gracinhas preconceituosas.

Então você está sugerindo que os desenvolvedores sentam e pensam de como vão criar uma personagem feminina ofensiva.

Sim, eu já tive a oportunidade de ouvir essa pérola e alguém acreditar que esse problema é exclusivo Eintencional da indústria de jogos é ser bastante ingênuo e não ver o preconceito como fruto de uma sociedade machista.

No próximo post, o tema será sobre o tratamento que mulheres como jogadoras recebem (ou dão) nesse meio, principalmente quando é para protestar contra o preconceito que elas sofrem.

*Massive Multiplayer Online Role-Playing Game. Jogos com vários jogadores simultâneos conectados que criam personagens com um determinado nível de customização na aparência, roupas e funções, e que precisam realizar tarefas para subirem de nível e consequentemente adquirindo armas, armaduras e poderes melhores.
**Esse jogo tem gender lock, ou seja, o gênero do personagem que você vai jogar é pré-determinado pela classe. Warrior e Cleric são garotos enquanto Archer e Sorceress são garotas.


Para ler a parte dois da série de guestposts sobre Feminismo e Cultura Pop escrita pela Taís Fantoni clique aqui