Isso não é "dote", "isso" sou eu.

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Anita Sarkeesian é uma feminista famosa na internet por causa de seus vídeos que apontam a misoginia dos games. E nessa imagem, que inspirou esse texto, ela é resumida a um troféu e seu interesse por games deixou de ser algo dela e se tornou algo para os homens. E mais uma vez a gente se depara com mulheres que gostam de futebol, de games, de filmes, de rock ou qualquer coisa que é definido como um "gosto masculino" sendo vistas como prêmios, como raras e seus gostos se tornando um "dote".

A mulher que demonstra gostar de determinados assuntos considerados masculinos vive sendo acusada de "attention whore" e outros termos babacas, afinal, numa sociedade tão presa aos padrões de gênero e tão misógina, se você é mulher e gosta de algo fora do que é dito como feminino, você só pode estar fingindo, querendo atrair atenção masculina.

É tão problemático que a personalidade da mulher, seu comportamento e suas preferências sejam sempre vistas como parte de uma tentativa desesperada de impressionar homens. Isso é só mais um exemplo de como as mulheres são resumidas a um mero acessório masculino; um objeto. Afinal, se você é humano, você tem sua individualidade, sua personalidade, seus gostos e sentimentos, e quando uma pessoa é considerada um troféu e seus gostos um dote, claramente há uma desumanização. 

A valorização da mulher é claramente ligada a função que ela cumpre na vida do homem, a existência dela só é válida se estiver vinculada a vida dele, de forma que fora de um relacionamento, a mulher que gosta do mesmo do que ele sequer existe. Ela só pode ser um mito, uma poser.

Ser mulher e ter um hobbie, mesmo que dentro dos padrões de gênero, choca simplesmente porque demonstra que não somos incompletas. Se somos resumidas a acessórios e tudo que fazemos é visto como uma forma de despertar desejo masculino, quando a gente mostra ao mundo que somos indivíduos e temos personalidade própria, a primeira reação é a de choque e num sistema que quer manter as mulheres e sua individualidade invisibilizados, a melhor forma de responder a isso, é pegar aquele hobbie e colocá-lo como uma forma de chamar a atenção.

E mais uma vez as lésbicas e também as mulheres bissexuais são invisibilizadas, uma mulher que gosta de mulher nega toda essa teoria de mulheres são acessórios, mostra que somos donas de nossa sexualidade e não só dela, mostra que somos indivíduos, completos e que não precisam de homens para existir. E aqui, a heteronorma chega e diz que essas mulheres são anormais, diz que elas não existem e assim continua o apagamento feminino. 

A busca pela mulher "diferente" e "sem frescuras" é motivada principalmente pela misoginia da sociedade, afinal, o desvio ao padrão de gênero feminino é o que torna aquela mulher objeto de desejo de muitos homens. É perceptível o quanto tudo que é considerado feminino é desvalorizado, mas essa misoginia é mais ampla do que aparenta ser: porque ao mesmo tempo que a mulher diferente é desejada, ela também é punida, porque ela vira um troféu, um mito, um dote, ela é resumida a um acessório masculino e caso ela não tenha interesse no cara que a deseja, ela se torna a "attention whore" citada acima. E não é todo "desvio" ao papel de gênero feminino que é aceito, por exemplo, ser "atraente" e ser submissa continuam fazendo parte da "mulher diferente" tão desejada. 

Nós somos humanas e essa busca pela "mulher diferente" se pauta também na ideia de que a mulher é apenas o esteriótipo não humano, não indivíduo, e isso não é um exemplo de misoginia? Enquanto a busca pela uma mulher diferente acontece, fica claro que eles estão cegos pra ver que toda mulher é diferente, tem personalidade, gostos, individualidade.


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