Misoginia e linguagem cotidiana

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No meu texto sobre piadas politicamente incorretas, eu falo um pouco sobre a importância do discurso. E quando eu falo em discurso, por favor, entendam toda forma de expressão, de linguagem que atinge a nossa sociedade. Esse tipo de análise é importante porque a nossa linguagem está permeada por seu contexto sócio-histórico, é esse contexto que determina o que é um elogio e o que é pejorativo, por exemplo. A palavra quando dissociada dele perde seu valor.

Além disso a linguagem nunca é neutra. Ela sempre é executada com algum objetivo, a comunicação em si é persuasiva. O objetivo pode ser informar, entreter, alterar a ordem vigente, ou transformá-la, mas de qualquer forma ele existe. Por isso a forma de expressão não altera a importância de seu conteúdo, não torna sua reflexão menos necessária. Piadas, xingamentos, brincadeiras, informalidades, tudo isso não deixa de ser discurso, ou seja, também está dotado de efeito persuasivo e também está envolto em contexto, portanto, reflete a sociedade que o utiliza.

A nossa linguagem cotidiana, de maneira geral, reflete em especial um termo que usamos muito por aqui: misoginia. Ou seja, o ódio, aversão, desprezo pelas mulheres e por tudo o que, em geral, é associado ao feminino.  Pensar o formato dos elogios e das críticas mais informais que estão presentes no nosso dia-a-dia é visualizar o quão enraizado está o machismo em nós.

Pense bem: Quais são os termos que utilizamos para xingar uma mulher? Vadia, puta, piranha, vagabunda, biscate e variantes são os mais comuns. Por que? Repare que todos os termos estão associados a sexualidade da mulher. Essa ainda é nossa maior ofensa. A associação da mulher como ser sexual com os possíveis erros que ela venha a cometer deixa claro que uma mulher sexualmente ativa e dona do próprio corpo representa socialmente algo negativo.

Em compensação, para xingar os homens, temos: Filho da puta, corno e, é claro, viado. Note que os dois primeiros termos não se referem ao homem em si, são na verdade críticas as possíveis mulheres que estão na vida dele. Ao cometer um erro ou demonstrar algum desvio de caráter o homem não é criticado, é como se as únicas responsáveis por fazer um homem “dar errado” fossem as mulheres. E de que forma? Bem, novamente, pela sua sexualidade. O problema é a mãe que trepou com vários ou a mulher que trepou com outro. O sexo é então usado como arma contra as mulheres, ele é o nosso erro.

O termo “viado” merece um parágrafo especial para uma explicação rápida sobre o seguinte fenômeno: Misoginia, a mãe da homofobia. Por que qual é exatamente o erro em ser viado? É se colocar na posição de mulher, é aceitar essa condição degradante de não ser mais um macho alfa. Tanto é que o que ouvimos de homofobia velada no maior estilo “pode ser gay, só não pode ficar por aí dando pinta” não está no papel. Esse “dando pinta” é basicamente ter qualquer tipo de comportamento que historicamente esteja associado ao feminino. Essa é a parte considerada degradante.

Delicadeza, sensibilidade, entre outras características que socialmente foram encrustradas no comportamento feminino são sinônimo de fraqueza e vexame. Em compensação, boas atitudes como coragem, valentia, ousadia, força são sempre: Coisa de macho. Mesmo quando é uma mulher que possui essas características, o elogio a ela é: Essa é macho hein. A palavra macho - que está associada a figura do homem, branco, heterossexual, magro (e, claro, com um pau de 25cm) - é a maior simbologia de admiração da nossa sociedade. O que isso nos diz? Tais características não são usadas como ofensa ou brincadeira pois esse é o ser humano ideal. Esse é o desejo de todos.

Nesse sentido, temos urgentemente a necessidade de nos reapropriar e ressignificar esses termos. A própria Marcha das Vadias, por exemplo, vem em função de desmitificar os termos associados a nossa sexualidade e retirar deles seu peso negativo. Afinal, não somente a linguagem representa uma estrutura social já colocada, ela também forma as posteriores, educa as próximas gerações. Quando dizemos para um garoto que ele está agindo como “uma menininha” em tom pejorativo, o que exatamente estamos dizendo a ele sobre meninas?

A linguagem adquire significado para nós conforme nos é apresentada ao longo da vida. Dessa forma é responsável pela perpetuação de preconceitos ou criação de ideologias de uma forma extremamente profunda. Atualmente toda essa nossa linguagem cotidiana grita o desprezo pelas mulheres e o mostra extremamente enraizado para nós e para as futuras gerações.