Mulher, jovem, grávida e solteira

Escrito en BLOGS el

"Eu estava grávida. E aí meu mundo caiu. Me escorei em um prédio e me agachei no chão de uma das avenidas mais movimentadas da cidade. Chorando em soluços desesperadamente. Ali senti minha vida acabar, pensei em todo o horror que uma gravidez inesperada representa, pensei em todos os meus sonhos sendo destruídos, na minha vida sendo esmagada. Tudo o que eu era foi quebrado de repente com o resultado de um exame." (Paula Mariá, no texto "O terrorismo da gravidez")

É dessa forma que a Paula Mariá descreve o momento em que abriu o exame de Bhcg e descobriu-se diante de uma gravidez inesperada. 

Antes de mais nada, das quatro características do título, posso dizer apenas que sou mulher. Estou a poucos passos de adentrar os 30 anos, uma idade fatídica para uma mulher em nossa sociedade, a idade que dizem fazer tocar o tal do relógio biológico (essa babaquice). Passei incólume pela adolescência e pelos 20 anos sem engravidar e tenho um relacionamento bem estável na minha vida, embora não seja casada. Por isso, desde já eu peço desculpas por escrever sobre algo que não é minha alçada, mas me sensibiliza demais: terrorismo, os julgamentos, a infantilização da mulher jovem, grávida e solteira.  

É muito possível que boa parte de vocês, leitores, tenha passado/esteja passando por essa situação ou conheça alguém que esteve nessas condições, pode ser alguém na família, uma amiga, uma conhecida. Porque por mais que as pessoas gostem de pensar que família é aquela coisa engessada: pai, mãe, irmãs, irmãos, a coisa nunca foi exatamente assim. Sempre existiram famílias que não se enquadram na tradicionalidade desse modelo. As famílias estão cada vez mais diversificadas e o modelo monoparental é muito comum, especialmente nas classes menos abastadas. Então porque estamos sempre tecendo julgamentos sobre uma família que é formada por uma jovem sem marido? Eu mesma já me peguei em pensamentos como: "coitada, tão nova, tanta coisa para viver antes de ter um filho..." e como eu me arrependo de já ter pensado dessa forma um dia. 

Então vamos por partes, um adjetivo de cada vez: mulher, jovem, grávida e solteira.  

A mulher que está aí nesse mundão patriarcal de meldels ainda está escrevendo uma história de luta por igualdade e isso não é novidade para ninguém. Esse blog está recheado de textos sobre a questão do preconceito de gênero, da violência, enfim, dos inúmeros desafios que a condição de se identificar como mulher significa. E desconfio que todos os outros adjetivos do título signifiquem em nossa sociedade uma condição desqualificadora, principalmente, porque designam a situação de uma mulher.  

Juno, um filme sobre
gravidez na adolescência
Ser jovem acrescenta à condição de ser mulher uma característica: A inexperiência. Para muitas pessoas inexperiência é sinônimo de incompetência ou imprudência, e não é bem assim... Atribui-se à juventude a capacidade de quebrar regras, destruir tabus, contudo também vemos por aí uma juventude que "decidiu esperar", que reforça algumas regras. Então, essa característica não é plena, não é universal. Acho que o que deveríamos realmente esperar da juventude é que ela seja livre para fazer escolhas. É muito importante compreender que a adolescência e, porque não dizer, o começo da vida adulta é um período um tanto confuso em que ainda estamos tentando nos entender. E talvez ninguém falará melhor sobre esse assunto do que uma pessoa jovem. Por isso recomendo muito o vídeo da Tavi Gevinson para o TEDTeen, que não fala de gravidez, mas de juventude (é preciso habilitar as legendas que infelizmente estão disponíveis apenas em inglês).



Eu não entendo como temos simultaneamente visões tão opostas da juventude, por um lado, acreditamos piamente que eles são o futuro, que eles são os detentores da mudança. E por outro, estamos sempre falando que eles são estúpidos, incapazes, imprudentes. Porque só reconhecemos os dois signos, os extremos, jamais observando o que está no meio.   

As duas últimas características, grávida e solteira, são melhor entendidas juntas, já que são vistas de forma antagônica. Isso porque a gravidez é celebrada, desde que dentro de um casamento. É assim que a nossa sociedade gosta de definir a felicidade para uma mulher: Através do casamento e da maternidade subsequente. Se a mulher engravida mas recusa o casamento, ela não pode ser feliz. Ou até pior, se ela engravida e está solteira ela não apenas é uma pessoa infeliz, como é uma vadia (mulher que faz sexo: esse tabu!). 

Está todo mundo aí botando na cabeça das mulheres que elas nasceram para o propósito da maternidade, mas se ela for muito jovem, ou não estiver casada, não será capaz de criar o próprio filho, de prover todas as necessidades afetivas e financeiras que uma criança demanda e tampouco será capaz de viver a sua própria vida. Como se a partir do momento em que se descobre grávida, a mulher fosse obrigada a deixar toda a sua identidade de lado, para ser apenas mãe. Essa visão chapada da mulher esconde que, dentro dela, existe lugar para uma pessoa multifacetada, complexa e até contraditória. Não por ser mulher, mas por ser uma pessoa. Pessoas são assim, são mais do que uma única característica a ser reforçada.  

O que não se fala em alto e bom som, é que a mulher solteira tem um significado que deve arrepiar até os pentelhos de uma sociedade machista como a nossa: Ela não depende de um homem.  Antes que alguém grite "pensão", aviso logo que não estou falando meramente da questão financeira. Me refiro à sua independência de forma mais ampla, da sua capacidade de gerenciar uma família, de criar os filhos e principalmente de continuar vivendo. 


Slut-shaming e culpar a mãe:
Duas formas de expressar machismo
Apesar disso, a mulher que passa pela gravidez nessas condições sofre todo tipo de julgamento, a maioria das mães solteiras são questionadas e cobradas de muitas maneiras, especialmente no tocante à paternidade da criança, o tal do "quem é o pai?","vocês vão morar juntos?" ou "vocês pretendem se casar?". Até tem pessoas que perguntam isso na melhor da intenções, no sentido de "o que ele está fazendo para te ajudar a criar o seu filho?". Mas de forma bem geral (óbvio que existirão casos diferentes), parece que existe a cobrança por uma família tradicional ("Toda criança precisa de um pai!"). 

Se a mulher está solteira, existe um motivo, ou ela quer estar solteira e não cabe cobrar a presença do pai, ou ela não quer, mas foi abandonada, e nesse caso a pergunta se torna bem dolorosa. Ademais, duvido que exista a cobrança do outro lado, que exista sempre alguém buzinando no ouvido do pai da criança para ele assumir suas responsabilidades, ou olhando torto porque ele tem um filho e não é casado. Não parece haver simetria nessa relação, como normalmente não há quando o assunto é o que a nossa sociedade espera de um homem e o que espera de uma mulher.

Não pára por aí! Os ataques à mulher podem ser muito mais agressivos. Existem aquelas pessoas que suspeitam das intenções da mulher, chamando-a de interesseira ("só quer a pensão" e "golpe da barriga"), pessoas que tentam puní-la por engravidar ("Na hora de fazer foi bom, agora não reclama"), e ainda outras que a condenam por sua vida sexual pregressa, ou simplesmente por ter uma vida sexual ("dava para todo mundo" ou "De santinha só tinha a cara") e etc. 

Entretanto, talvez a mais dura de todas as críticas venha da família: "Envergonhou a família". Ouvir esse tipo de agressão de quem mais se ama dói profundamente. Me emociona demais pensar nas muitas moças que são expulsas de casa por uma família que preza pela tradição. E são muitas mesmo. Eu me pergunto porque alguns pais jogam sobre a filha as suas frustrações de tal maneira, que se uma coisa sai diferente do que eles imaginaram para sua vida, ela não merece mais viver debaixo do mesmo teto que eles, tampouco ser chamada de filha. Não consigo chegar numa resposta. O que há de tão horrível em entender que aquela não é a vida deles? E nesse momento de rejeição o que já é suficientemente confuso e desconcertante até numa família que dá apoio, se torna um monstro engolindo os sonhos, as pessoas amadas, o futuro, tudo.


Uma gravidez não estraga uma vida, ela só a transforma, muda a sua direção. A vida me parece ser mais do que um ideal de felicidade que te entregaram pronto e embalado para consumo. As coisas seriam muito melhores para a mulher jovem, grávida e solteira se pudéssemos olhar para ela sem achar que por ser mulher, ela é frágil, que por ser jovem, ela é imatura ou incompetente, que por estar grávida, ela é burra ou piranha, e que por ser solteira, ela é infeliz. Talvez isso impedisse que tantas mulheres se sentissem diante de um abismo, do fim da sua vida, no momento em que recebem a notícia de uma gravidez inesperada. Antes de repetir esses julgamentos deveríamos pensar que tudo o que dizemos individualmente, ou coletivamente, e que à cada imagem fazendo troça da mulher que engravidou sem planejamento, geramos o sentimento de culpa, desespero, medo e aflição. Estamos constantemente abalando sua autoestima a cada vez que reforçamos esses estereótipos, a cada mulher para quem dizemos (ou mesmo pensamos): "Que pena, tão novinha..."