O corpo é meu! O Facebook não é nosso!

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A marcha das vadias lavou minha alma. Lavou a alma de muita gente. Eu não sei muito bem o quanto eu precisava daquele momento na minha vida, eu sei que ele foi muito importante para mim. Desde que eu conheci o feminismo e fui lentamente tomando consciência de todas as pequenas violências que sofria, que tolhiam a minha liberdade em muitos aspectos diferentes, muita coisa foi embora de mim. Mas principalmente muitas pessoas foram embora. Só que ao mesmo tempo, eu não me sentia só. E nesse sábado eu não estive só mesmo. Cerca de três mil pessoas em Brasília estiveram comigo, botando para fora em alto e bom som muito daquilo que dizemos todos os dias discretamente: queremos ser respeitadas e isso independe da forma como falamos, nos vestimos (ou não nos vestimos), nos relacionamos. Só que muita gente por aí nem sabe o que o verbo respeitar significa. 

Foto da fan page da Marcha das Vadias DF
Aquela velha história de que mulher tem que se dar ao respeito carrega uma carga de machismo e moralismo tão grandes, que eu juro que não entendo como eu não consegui enxergar isso até alguns anos atrás. "Se dar ao respeito" não é respeitar suas escolhas, suas preferências, sua liberdade de ir e vir, de agir como quiser... Via de regra, "se dar ao respeito" é repetido por aí como sinônimo de privação de liberdade individual. Se você usa roupa curta, não se dá ao respeito. Se tem vida sexual ativa, goza e gosta muito, não se dá ao respeito. Se não tá afim de um relacionamento afetivo monogâmico, não se dá ao respeito. Se anda ficando com quem tá afim sem pensar em namoro, não se dá ao respeito. Respeito é uma palavra que precisa ser ressignificada. Respeito, como é repetido por aí, está diretamente ligado à invisibilidade da sexualidade feminina. Eu sou vadia e me dou ao respeito. 

Respeito não se pede, se conquista. Exigimos que nos tratem com respeito, e fazemos isso sem implorar de pernas e bocas fechadas, mas mostrando para a sociedade o quanto a sua noção de respeito é falha. Para isso é preciso união. É como nós gritamos na marcha: "Ah! que é isso! Elas estão organizadas!". E estamos mesmo, cada vez mais. E estamos conseguindo visibilidade também. Um movimento nacional que só em um final de semana reuniu cerca de 10 mil pessoas? Isso não passa despercebido. E com certeza aumentaremos em número e em consciência. Feminismo é um aprendizado constante. 

Foto da fan page da Marcha das Vadias DF 
Entretanto, a luta ainda é necessária. Prova disso é a forma reacionária e moralista como o facebook tem encarado as fotos das mulheres que estavam na marcha com os seios de fora. Que fique claro: não são fotos pornográficas. Seios não servem apenas para entreter os homens, mostrar os seios na marcha é uma atitude política, porque o nosso corpo não é apenas sexual, ele é político. Ele é tão político, que em alguns países as mulheres precisam escondê-lo inteiramente ou podem morrer caso não façam. O facebook parece ignorar essa característica e tem apagado sistematicamente as fotos das moças de topless. Infelizmente, a mesma rede social que apaga fotos não pornográficas de mulheres exigindo uma sociedade mais justa, não apaga imagens racistas, homofóbicas ou misóginas. Ultimamente nem tenho mais usado a opção "denunciar" do Facebook, tenho ido direto ao safernet e à PF denunciar esses conteúdos. Isso posto, é de se perguntar porque a nudez choca mais que a violência cotidiana. 

Foto da jornalista Luka Franca
censurada pelo Facebook
Não é a primeira vez que isso acontece no facebook, em outro momento fotos de mães amamentando foram retiradas arbitrariamente da rede social. MÃES. AMAMENTANDO. O corpo feminino é sempre sexualizado ainda que ele não seja usado para fins sexuais. Me diga, você se alimenta cobrindo o rosto? Porque um bebê precisa se cobrir para se alimentar? Foi necessário protestar com mamaços virtuais para o Facebook permitir fotos de mães amamentando seus filhos. Se você acha que o Brasil é um país libertário em que tudo pode, pense de novo. Não é bem assim, a onda conservadora que assola o país também esbarra nos nossos corpos. por isso é preciso gritar: "Meu corpo, minhas regras!" Fazer ouvir a voz de quem nem sempre, no dia-a-dia pode externar esse sentimento sem receber toda sorte de julgamentos morais. 

Ao contrário dos homens, que ao sentir calor não pensam duas vezes em tirar a camiseta, mulheres não tem esse privilégio. Guess what? Mulher também sente calor. Mas toda a nudez feminina será censurada. Toda nudez será objetificada, será rotulada, será retirada dos perfis do Facebook como se fosse ofensa. E ofende também o fato de que nem sempre os seios exibidos são durinhos, apontem para cima, caibam na mão. Com certeza o peitaço no fim da marcha das vadias de Brasília foi o final perfeito para a marcha de um movimento libertário como o feminista, porque contradiz essa idéia de que a mulher é um pedaço de carne. O nosso corpo não é inerte, não é produto, não é objeto, ele também fala por nós.  Lamentamos profundamente que a maior rede social do mundo tenha uma visão tão tacanha do corpo feminino.

Foto por Leiliane Rebouças