Qual é o principal problema com a possibilidade de Ives Gandra Filho ser ministro do STF?

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Por Thaís Campolina Ives Gandra da Silva Martins Filho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho, é um dos nomes cotados para assumir como ministro do Superior Tribunal Federal. Desde que o nome dele foi levantado como possibilidade, muita gente tem falado sobre as opiniões que ele expôs em um artigo publicado no livro “Tratado de Direito Constitucional, v. 1, 2ª edição”. No texto, ele afirma que mulheres devem obediência aos esposos, que o casamento deve ser indissociável, compara a homossexualidade com o bestialismo e coloca o casamento como algo que só deve acontecer entre homens e mulheres. Para ser Ministro do STF, a Constituição define que a pessoa deve ter mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, notável saber jurídico e reputação ilibada. Muitos alegam, com base nisso, que Ives Gandra não tem impeditivo nenhum para assumir o cargo e que manifestações de repúdio como a feita pela OAB/RJ e a OAB/PA são antidemocráticas, porque se baseiam no fato dele ser um conservador. O Superior Tribunal Federal decide questões que afetam a vida de todos nós, logo manifestar-se contra a nomeação de um ministro específico com base nas opiniões escritas em seus artigos que tratam de temas jurídicos não é antidemocrático, pelo contrário, é uma declaração sobre nossas preferências enquanto sociedade. Só que a questão vai além, já que as opiniões do Presidente do TST, escritas num artigo de um livro de Direito, são contrárias até mesmo ao texto constitucional, aos tratados de direito internacional que o Brasil é signatário, ao Código Civil e ao que entendemos como direitos humanos. A Constituição tem com princípio fundamental a dignidade da pessoa humana e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Além disso, ela prevê especificamente que homens e mulheres são iguais. Ela também fala de pluralismo político, é verdade, mas esse pluralismo político está dentro do contexto de todo o texto constitucional. Logo, não cabe defender que, por exemplo, negros devem obediência aos brancos ou que mulheres devem ser submissas aos maridos. O divórcio foi uma conquista que abrange ambos os gêneros, mas a sua possibilidade libertou especialmente as mulheres, já que a indissociabilidade do casamento dificultava que mulheres saíssem de relacionamentos insatisfatórios, abusivos e violentos. Além disso, a defesa do fim do divórcio é algo totalmente fora da realidade da sociedade brasileira e se baseia especificamente na visão religiosa dele, que não deve ser imposta ao restante de nós. É importante lembrar também que o Código Civil de 2002 abandonou a expressão pátrio poder justamente para ficar de acordo com a Constituição. Hoje o termo utilizado é poder familiar, a modificação foi feita para garantir a igualdade da mulher com o homem dentro do núcleo familiar. A igualdade da mulher no ambiente doméstico é uma questão amplamente trabalhada na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, tratado do qual o Brasil é signatário. No artigo 15 dela, fala-se da igualdade num todo e reitera que mulheres são sujeitos de direito e tem capacidade jurídica. Já no artigo 16, aborda especialmente a igualdade nas relações familiares e no casamento. A Convenção trabalha aqui com conceitos como o direito de escolher se casar e com quem, de escolher ter filhos e quantos, escolher sua profissão e explicita que mulheres devem ter os mesmos direitos e responsabilidade que os homens durante o casamento, na dissolução dele também nas matérias pertinentes aos filhos. Além disso, o casamento civil não pode ser visto como um instituto jurídico exclusivo de casais heterossexuais, porque isso violaria mais uma vez o princípio da igualdade. Essa é uma conquista mais recente, mas que está de acordo com o que muitos textos que versam sobre dignidade da pessoa humana. A homofobia não encontra amparo nos direitos humanos e ela, assim como o machismo, tem consequências terríveis para a sociedade. Ser contra a nomeação de Ives Gandra como ministro é se dizer contra um retrocesso que apoia a desigualdade que tanto buscamos combater e estar atento ao fato de que o machismo é a causa de problemas sociais gravíssimos como a violência doméstica. Dizer que mulheres devem obediência aos seus maridos, especialmente em âmbito jurídico, é uma irresponsabilidade, já que ignora que a motivação de muitos casos de agressão e até feminicídio são espécies de desobediência feitas por uma mulher.