Quem te viu, quem te vê - das dificuldades de se assumir alguma coisa

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Eu sempre achei o mundo injusto pra caramba no tocante às relações de gênero. Porém, o fato de me considerar abertamente uma feminista é deveras recente. Meu feminismo era algo que passava batido, por vezes até despercebido, por amigxs e familiarxs mais próximos de mim. Até que veio o Ativismo de Sofá.  

“Quem te viu, quem te vê”. A não ser que você tenha sido sempre uma pessoa politizada e engajada em causas sociais diversas, vai chegar um momento em que você vai ter que ouvir essa frase, ou pelo menos algo parecido com isso. Uma frase de duplo sentido, mas que, pelo menos no meu caso, explicita uma crítica nada fofinha.

Não é de hoje que tenho encontrado amigxs da minha convivência antiga, pré-feminista, pré-Índia, pré-cabelo-sem-alisante, que se assustam com a minha “mudança”. Nossa, você era tão certinha, nunca imaginei que viraria feminista. Porque né, “virar” feminista, na cabeça das pessoas, é algo bem parecido a se tornar uma criminosa ou, na melhor das hipóteses, uma pecadora.

O povo parece ignorar um fato fundamental do desenvolvimento humanx: as pessoas mudam. Oh wait. Eu acho que as pessoas até aceitam mudanças, desde que estejam dentro do escopo de previsibilidade delas. Um exemplo? Galere do ateísmo. Ninguém questiona a mudança/arrependimento de uma pessoa que mata, rouba e faz visitas constantes a unidades prisionais diversas do país. Essa pessoa se transformou e agora é vista como “do bem”. Agora, se alguém resolve sair do armário com relação ao ateísmo, a sociedade passa não somente a discriminá-lx, como também a relacioná-lx diretamente ao mal. Mesmo que ela tenha uma ficha criminal indelevelmente limpa.

Como eu já disse em outro texto, as pessoas não gostam de ter seu sistema de crenças afrontado. É muito fácil viver repetindo o mantra “amai o próximo” e seguir só amando e não julgando quem não te afronta. Pessoas assim não hesitam em tratar quem NÃO partilha de seus conceitos de moralidade como uma abominação. Não felizes em destratar as pessoas porque elas se atrevem a dizer o que pensam, dedicam-se a espalhar memes pelo mundo cibernético numa clara represália a quem está, apenas, tentando exercer a própria individualidade.

Exemplo de um desses memes? Ah, tem vários. Eu queria me concentrar em um que diz algo como "sua mãe sabe que você se paga de ateu no facebook?". Por dois motivos: 1. ilustra perfeitamente o que eu estou dizendo; 2. não enxerga o fato de que, no final, os pais/familiares de determinada pessoa não saberem que ela é atéia, não a torna menos genuína. Simples assim. Além do mais, tal frase ignora o contexto de opressão em que nos encontramos. Afinal, é muito fácil curtir com a cara de quem está sendo sincerx consigx mesmx, remetendo-se à velha relação de opressão e hierarquia que se estabelece dentro do contexto das famílias nucleares patriarcais. Condenar uma pessoa por ela não ter coragem de se assumir perante seus pais é, pra dizer o mínimo, um ato de violência, simbólica e institucionalizada. E isso, carxs amigxs, se estende a toda e qualquer tentativa de se assumir alguma coisa.


Pra finalizar, fica o meu recadinho pras pessoas que não acreditam em mudanças de atitudes e posições: cresçam. Parem de julgar quem se permite passar por um profundo processo de auto-conhecimento (sim, ser feminista, ou até mesmo ateu, envolve se conhecer melhor, lide com isso) e tentem, pelo menos uma vez na vida, pensar por conta própria. Lembrando que pensar é diferente de pura e simplesmente repassar memes com indiretas adiante, fikdik. 


*Texto escrito por Flávia com colaboração de Paula Mariá.