Regra número 1 do racismo: Você não fala sobre o racismo.

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Elizabeth Eckford, primeira negra a ter autorização de entrar numa universidade americana. (1957). Ela teve que ser protegida  por uma escolta militar tamanha a revolta dos demais estudantes. 
Quando eu estava no ensino médio, minha sala do terceirão era composta por aproximadamente 300 alunos (pois é!). Um dia, um professor de sociologia que eu admirava muito entrou na sala e perguntou “Quem aqui é a favor de cotas raciais?” ninguém ergueu a mão. Absolutamente ninguém. Eu fui uma das pessoas que não ergueu a mão. Na hora da pergunta fiquei super em dúvida. Eu lembro de ter virado para meu colega e dito “não tenho uma opinião formada”. E não tinha mesmo, não tinha porque era totalmente ignorante no assunto. Tudo o que eu sabia é que era algo que contemplava o próprio racismo, que atestava a incompetência e que dividia a sociedade. Isso era absolutamente tudo o que eu havia ouvido até então sobre as cotas raciais. Eu lembro que a gente enviava perguntinhas por bilhetes para os professores e vez ou outra eu perguntava sobre as cotas raciais. Afinal, o governo não ia colocar algo ali simplesmente para dizer que uma pessoa negra não tem capacidade de passar no vestibular, né? Devia ter um argumento, devia ter um outro lado. Mas ninguém me falava. Nenhum professor respondeu nada além disso para as minhas perguntas. Nem para mim. Nem para nenhuma das outras quase trezentas pessoas daquela sala. Todas brancas. Ao ver a resposta da sala esse meu professor disse “vou refazer a pergunta, porque uma pessoa esqueceu de levantar a mão.” Ele refez a pergunta e levantou a própria mão. Esse professor foi a primeira pessoa que começou a elucidar para mim a questão das cotas. Ele falou rapidamente, pouca coisa, mas lembro que se posicionou no sentido de compreender que aquilo era “uma tentativa”, em suas palavras. A partir daí é que eu comecei a sair da nebulosidade que ronda a questão das cotas e começar a compreende-las. Mas foi muito tempo depois que a questão começou a ser esclarecida para mim. Com exceção desse professor, no meu colégio classe média ninguém me falou. Ninguém me explicou que as cotas geram diversidade étnica nos mais diversos setores, ninguém me disse que o objetivo das cotas é providenciar um futuro no qual não seja tão raro ver um negro professor e uma advogada de cabelo Black Power. Ninguém me possibilitou questionar por qual motivo durante a minha vida toda em escola particular eu nunca estive na mesma sala de aula que uma pessoa negra. O argumento elitista branco que sempre me foi passado foi esse simplismo raso de “racismo às avessas”, que se nega a buscar a raiz, o cerne da questão. O branco não fala sobre as cotas, porque é mais fácil opinar dessa maneira superficial a buscar explicar verdadeiramente o sentido delas e seus objetivos. Simplesmente porque isso seria admitir que vivemos em um país racista e que, provavelmente, você é uma dessas pessoas. Na superficialidade é fácil declarar-se contrário e, óbvio, doutrinar em causa própria, sem ter que encarar a profundidade do preconceito. É muito difícil explicar as cotas, porque isso significaria admiti-las e compreende-las. Onde ficaria então o nosso privilégio?