Eu e Mino Carta: O que esta gente pensa?

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Sábado fui buscar e levar minha filha para realizar a a prova da OBM (Olimpíada Brasileira de Matemática).

No percurso passamos por uma escola de elite nas proximidades do Parque Villa Lobos/Panamericana.

Para quem vai pela marginal sentido Jaguaré e entra à direita há uma via larga com passagem para pelo menos dois carros, mesmo que haja carros estacionados na via. A outra mão da avenida é, igualmente, larga e na altura do portão daquela escola os motoristas podem atravessar para ter acesso ao portão.

Pois bem, era sábado, antes das nove horas da manhã, manhã bastante fria e com chuvisco, o que de algum modo impele o paulistano a ficar em casa e o trânsito fluir. Menos na frente do portão da dita escola.

Os pais com seus 4X4, todos como se vivessem no Texas, dão um nó absoluto no cruzamento, ninguém cede passagem ao outro e ficam brigando por milímetros para avançar. Ninguém anda cerca de 20 metros à frente do portão para que seu filho desça e não seja necessário ficar em fila dupla, tripla. Não, ninguém faz o mínimo para que a vida do outro e dele próprio torne-se menos infernal no trânsito já caótico da cidade. Resultado? Se você tem de passar em frente a escola para seguir para Lapa, Villa Lobos ou Panamericana, você perderá pelo menos uns 15 minutos para percorrer menos de 100 metros até que consiga atravessar a manada de 4X4 em disputa pelo território. Mesmo que você não faça parte da manada, mesmo que você não tenha nada a ver com esta gente, você é engolido pela má-educação desses ferozes bichos em suas carapaças metálicas.

Diante da falta de lógica, qualquer pessoa com um mínimo de sensatez se pergunta: qual o propósito desta gente?

Ao chegar em casa leio um artigo publicado no Estadão cujo autor, bastante conservador, compara Lula a Hitler! e a uma infinidade de ditadores; resmunga sobre o fato de Lula ter perdoado a dívida de uma série de países pobres africanos, de ter contribuir para alguns projetos sociais naqueles países como criar uma fábrica de AZT em Moçambique, um país pobre, destruído pela guerra colonial e depois pela guerra civil e que qualquer ajuda significa não permitir que mais pessoas morram de aids, ou malária.

O autor prosseguia e repudiava com veemência o fato de nossa política externa respeitar os vizinhos latino-americanos e contribuir para o desenvolvimento de nossa vizinhança para que o Brasil não vire uma África do Sul.

Para quem não conhece minimamente a realidade da África do Sul, pós-apartheid, trata-se de um país que ainda continua com grande concentração de terra, onde os negros ainda têm um grande percurso de lutas pra conseguir diminuir desigualdades entre brancos e negros. É um país que atrai muitos imigrantes do Zimbábue, Malaui, Moçambique. Os negros sulafricanos convivem de modo pouco pacífico com cerca de 5 milhões de imigrantes, já que enfrentam em seu próprio país uma taxa de desemprego de cerca de 25% e vê os imigrantes  como concorrentes.

As poucas medidas de ações afirmativas da África do Sul ainda estão longe de tornar aquele país um lugar de oportunidades semelhantes para negros e brancos.

Enfim, o que a política externa de Lula faz em relação aos vizinhos latino-americanos diminui bastante a possibilidade de transformarmos o nosso próprio país na panela de pressão que é a África do Sul:  um pólo de atração de destituídos, vivendo em condições subumanas e competindo com os locais desempregados.

Havia mais bobagens comparativas no texto do membro do Tea Party tupiniquim, mas o que mais me chamava atenção é que o autor criticava absolutamente todos os acertos do governo Lula, acertos que renderam a ele várias homenagens ao longo de 2009, várias capas dos principais jornais e revistas do mundo, vários prêmios e uma aprovação pessoal e de governo recordes na história do país, após dois mandatos.

Essa gente não tem a menor idéia do que é democracia. É uma elite perversa, mal informada, egoísta, individualista a ponto de não respeitar a si própria em suas 4X4 na frente de um espaço que deveria ser um lugar de exemplo: é feio demais você ser mal-educado defronte de uma escola, #ficaadica. Falta a esta gente privilegiada ao extremo deixar de agir como criança mimada e entender que nunca teremos um país de fato desenvolvido se ela não compreender que desenvolvimento de verdade pressupõe o bem-estar da maioria da população.

Ao analisar o comportamento desta elite insana no trânsito, acho que ela deveria ao menos agradecer o fato de termos algumas leis ainda em funcionamento neste país, pois esta manada de 4X4 é nociva a ela mesma e se lhe fosse permitido agir de acordo com seus instintos, possivelmente seria bicho em extinção: seus membros comeriam-se uns aos outros. Nossa elite é antropofágica: explora o país, explora seus semelhantes e não suporta ela mesma, haja Prosac pra uma gente tão sem sonhos ou cujo único desejo se restringe a consumir todo planeta.

Agora fiquem com o artigo do Mino Carta.

Que mentalidade Mino Carta 11/06/2010 Qualquer semelhança entre o texugo da piada e a elite brasileira é mera coincidência

Que falta ao Brasil? Uma elite e uma classe média mais competentes, mais honestas, mais democráticas. Ou, se quiserem, menos egoístas, menos individualistas, menos prepotentes. Habilitadas a entender que os interesses do País coincidem com seus próprios e que uma nação forte e independente convém a todos.

Que falta ao Brasil? Um povo mais consciente da cidadania, mais maduro, mais politizado. Ou, se quiserem, menos resignado, menos paciente, menos “cordial”. (Cuidado, revisão, cordial entre aspas, em homenagem a Sérgio Buarque de Hollanda). Habilitado a entender que o País pertence a cada um e a todos.

Seria uma questão de mentalidade, como diria aquele frequentador do Cine Oberdan, no bairro paulistano do Brás, personagem de uma anedota tão remota quanto o cinema. Ali o documentário da Universal, exibido antes do filme, ao visitar o zoológico de Edimburgo, atreve-se a focalizar o miúdo texugo, capaz de comer suas crias quando impelido pela fome. De pronto, o citado espectador, contínuo em fuga do trabalho de calças arregaçadas até os joelhos em tarde de verão, vira-se para as duas velhinhas sentadas às suas costas, e diz: “Que mentalidade...”

Repito, que mentalidade, mas não cogito do texugo. A elite brasileira, tão bem representada pela nossa mídia, continua impavidamente a trafegar pelas ideias e atitudes de sempre. As mesmas que precipitaram o golpe de 1964, o golpe dentro do golpe de 1968, o fracasso das Diretas Já, a dita redemocratização. Redemocratização? Será que já houve democracia em um País tão monstruosamente desigual?

Que mentalidade... A dita classe média, medida à base dos dados da economia, no Brasil começa por quem ganha acima de três salários mínimos. Prefiro considerá-la ao sabor da postura política, de forma ampla, nutrida pela ambição de imitar os colunáveis e os motorizados de luxo. Claro que nem todos os burgueses e remediados portam-se de acordo com o figurino ditado pelos editoriais dos jornalões e pela onipresente Veja. No entanto, boa parte deles sim. Nada disso contribui para o exercício livre e desabrido do espírito crítico.

Sim, sim, que mentalidade... Do embate dos conformismos, o da minoria e o da maioria, surge uma zona de desencontro muito mais vasta do que parece, a qual se alastra e se torna cada vez mais evidente. A adesão da minoria aos preconceitos, equívocos, vezos pueris, sem desprezar a ignorância e a vocação para o exibicionismo, continua mais ou menos intacta. Já a maioria mostra-se muito menos aturdida, muito menos desarmada, muito menos confusa e incerta.

Que mentalidade... Os donos do poder não percebem que o próprio lhes escapa entre os dedos como areia. Na história do País, há um divisor de águas. A eleição de 2002. De certa maneira, a fronteira claramente vincada entre passado e futuro independe do ex-metalúrgico e de sua esperta Carta aos Brasileiros e dos seus dois mandatos, cujos êxitos mais nítidos a minoria, aliás, não reconhece.

Um operário na Presidência da República é um peso insuportável no estômago de quem se pretende aristocrata e de quem jamais será o burguês da Revolução Francesa. E além do mais, um operário de muitos pontos de vista mais talentoso, nas áreas mais variadas, do que seus predecessores, conquanto engravatados. O povo identificou-se com Lula e se viu representado, finalmente. Consciente de sua escolha.

Há qualquer coisa no ar, algo similar, quem sabe, ao ruído que o dono da toca, bicho misterioso e insondável no conto de Kafka, começa a escutar, de início igual ao resmungar longínquo de um trovão. Estabeleceu-se naquele canto de floresta, depois de cavar fundo e abrir galerias caudalosas e bem escoradas terra adentro, e definir ao cabo e refúgio cálido, aparentemente inalcançável, para o corpo cansado depois de um dia de faina e para os pensamentos ainda acesos. Às vezes experimenta a necessidade de sair da toca para encarar a sua entrada de certa distância, protegido por um tronco, e sentir então o prazer de ter abrigo tão inexpugnável. E eis que chega aos ouvidos deste animal não melhor especificado por Kafka o ruído distante e um arrepio lhe percorre a coluna. E assim como o ruído aumenta, e desperta ecos surdos, o medo vive também in crescendo. O baque grave e poderoso põe a vacilar as paredes da toca e acua seu dono no fundo do refúgio, não mais seguro da inviolabilidade de sua obra. De verdade, conformado com o fim próximo.

Parece-me que a minoria do Brasil está menos atenta ao desenrolar dos eventos do que o ser sem nome de Kafka. Não ouso dizer que a espera o mesmo fim da personagem do conto. Talvez esse tivesse orelhas bastante desenvolvidas, enquanto por aqui o pessoal não consegue ouvir certos ruídos. Também, que mentalidade... Lê a Veja, e disto não posso ter dúvidas. Mesmo porque, assisto ao trabalho do zelador do meu prédio nas manhãs de sábado, envolvido na distribuição de dezenas de quilos de papel inútil, andar por andar, para esvaziar o saguão abarrotado.

A campainha de alarme soou para os privilegiados e os aspirantes ao privilégio em 2002, e elevou os decibéis em 2006. Deveria ter ficado perfeitamente audível, da primeira vez, e tanto mais da segunda, que a mídia já não dispunha do alcance atingido décadas e décadas. Para não ir longe demais, desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Não falarei dos efeitos da internet porque o computador me amedronta, ainda que saiba de algumas das suas qualidades. Como diz um grande jornalista italiano, Eugenio Scalfari, tento ser moderno mas não sou contemporâneo. É óbvia, decerto, no sentido de que a conclusão é inevitável, a ineficácia de uma mídia destinada a alcançar apenas a minoria. Ou não seria a minoria da minoria? E, de todo modo, que tal começar a esticar os ouvidos? Mas que mentalidade, a minha...