Deputado Paulo Rubem Santiago: sobre enchentes e maus governos

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Reproduzo do Blog do Jamildo o texto do deputado do PDT, Paulo Rubem Santiago, sobre as enchentes que assolam o nordeste, como em São Paulo, os governantes de Alagoas e Pernambuco também não fizeram a lição de casa.

As enchentes e o dever de casa que não foi feito

Por: Paulo Rubem Santiago* 22/06/2010

Dez anos depois, novas chuvas torrenciais trazem desespero, morte e abandono em vários municípios do nordeste, sobretudo em Alagoas e Pernambuco.

Pode parecer mais um fato "natural" pois o inverno quando chega sempre pode vir dessa forma, sem anunciar muitas vezes. Olhando com mais cuidado podemos afirmar,porém, que são as próprias administrações públicas os principais responsáveis pela maior extensão dos estragos ocorridos. Por que afirmamos isso?

Embora sejamos uma república federativa, muitas das competências da gestão pública no trato dessa matéria estão relacionadas com os municípios. Em 2000 uma grande cheia quase destruiu Palmares e outras cidades da mata sul do Estado. Jaboatão, vizinha ao Recife, viu ser alagado seu antigo centro administrativo e serem arrastadas pessoas, casas, móveis e outros bens existentes na beira do rio, como um mercado público construído sobre suas margens.

Por que isso aconteceu dez anos atrás e se repete agora?

Porque não se fez nem se aplicou um plano efetivo de reocupação urbana das cidades por onde os rios correm, até a foz. Aos poucos as construções habitacionais, comerciais, prédios de dois e até três andares foram se instalando nas áreas de preservação, em algumas cidades nas próprias margens dos rios, agravando-se a repercussão das cheias onde já se havia retirado o que restava de mata ciliar, seja para agricultura ou ocupações urbanas sem planejamento.

Além disso o desmatamento levou ao rápido assoreamento dos rios, prejudicados ainda pela falta de saneamento ambiental e pela transformação do seu leito nos trechos urbanos em autênticos depósitos de lixo, como se pode ver aqui no Recife na parte do Rio Capibaribe já pesquisada e dragada artesanalmente no Monteiro, pelo excelente trabalho desenvolvido por André e sua esposa, donos do "Capibar".

Desde 1988 a Constituição Federal já determinava a elaboração dos Planos Diretores de Desenvolvimento para as cidades acima de 20.000 habitantes. Depois, em 2001, o Estatuto das Cidades, Lei Federal 10.257, apontou novas diretrizes para a gestão urbana e, sobretudo, para a análise, em audiências públicas nas Câmaras Municipais e outros espaços convocados pelo Poder Legislativo, das propostas orçamentárias dos municípios. Com a nova lei federal de saneamento, 11.445, de 2006, as cidades passaram a ter autonomia para construir políticas para o setor, associadas, complementares ou não aos esforços dos Estados ( com a Compesa, em Pernambuco ) para que se conquistasse maior cobertura e eficácia nos serviços que prestados à população.

A Lei 11.445, de 2006, prevê a concretização de um Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento e Meio Ambiente-SISNAMA, a elaboração de Planos Estaduais e Municipais para o setor e os municípios ainda devem estar integrados ao pleno funcionamento de Comitês de Bacias Hidrográficas visando ordenar a recuperação dos recursos hídricos através de ações urbanas, de conscientização ambiental com a desocupação planejada e negociada de áreas de risco, com a despoluição industrial, com a transferência ordenada das populações para áreas mais seguras e plenamente urbanizadas.

Acontece que há anos o orçamento federal para saneamento ambiental urbano ocupa uma irrisória parcela de gastos por função e baixíssima execução ( pesquisar emwww.senado.gov.br ), e o que é dedicado à prevenção desses desastres é mais ínfimo ainda. Não há, por isso, um Sistema Nacional através do qual verbas públicas, planos e metas sejam concretizados de forma convergente pelos poderes públicos. Por isso as cidades chegam aos períodos de enxurradas pedindo a São Pedro, no céu, que faça o que os homens e mulheres de compromisso e boa vontade, na terra, deveriam fazer.

Agora, após mais uma catástrofe, as verbas certamente chegarão para que se possam enfrentar os estragos, sem que recuperem, porém, as vidas perdidas. Mas haverá nessas verbas algo a ser aplicado na recuperação das áreas, na dragagem dos rios que transbordaram, na transferências de casas, prédios comerciais e outras construções irregulares ? Certamente que não.

É essencial, portanto, que a Assembleia Legislativa constitua uma Comissão Permanente de Prevenção de Catástrofes, para que atue monitorando os programas federais para o setor, a organização das ações do estado e dos municípios, sobretudo nessa esfera de gestão, a qual cabe desenvolver políticas de preservação ambiental e adequada ocupação urbana. Nessa proposta nenhuma administração municipal poderá escorar-se em sua autonomia administrativa constitucional para se negar a integrar esse pacto pela reestruturação urbana e ambiental das cidades a partir da relação de seus habitantes com os rios e demais recursos hídricos.

Aprovamos a cerca de cinco anos o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social mas o mesmo ainda engatinha, quando assistimos ao descasamento das ações de abastecimento de água, de saneamento, coleta e tratamento com adequada destinação final de resíduos sólidos e pífia participação dos municípios em programas de coleta seletiva.

Mesmo no Recife, capital importante do País, como em tantas outras, ainda são centenas, talvez milhares de carroceiros e catadores circulando dia e noite por nossas ruas e avenidas, totalmente autônomos, sem qualquer programa que os integre a uma política adequada de coleta, reciclagem e destinação final desses resíduos, talvez porque as empresas que coletam o lixo recebem suas faturas de serviços prestados por tonelada bruta de lixo recolhido e assim não lhes interessariam a separação, a reciclagem e a redução do lixo bruto coletado. Muitas dessas empresas, inclusive , são financiadoras de campanhas eleitorais.

É lamentável, por isso tudo, vermos mais uma vez vidas serem perdidas num conjunto de causas que poderia ter sido evitado com bastante antecedência. Cabe aos gestores refletir sobre essa catástrofe que se repete dez anos depois nas mesmas cidades, com danos ainda maiores.

Por isso, defendemos a criação de um sistema nacional onde verbas sejam consorciadas e planos executados com a garantia da integral aplicação desses recursos e o monitoramento das metas a serem atendidas feito pela sociedade civil, Ministério Público, pelo parlamento, pelos gestores municipais, estaduais e federais. Há leis prontas dando as orientações adequadas. Falta responsabilidade a muitos gestores municipais para que as mesmas sejam efetivamente concretizadas. Esses, certamente enviarão votos de pesar às famílias enlutadas e sofridas mas dificilmente serão responsabilizados pela omissão e o descaso com que têm se conduzido nessa questão.

Nosso mandato está à disposição das populações atingidas, das entidades civis e conselhos municipais, para que se faça esse diagnóstico dos orçamentos públicos locais a fim de serem identificados programas, metas e recursos a serem aplicados nas ações de reestruturação urbana e ambiental. Podemos analisar já os orçamentos em vigor bem como as propostas orçamentárias que serão enviadas a partir de setembro às Câmaras Municipais visando a aprovação da lei orçamentária para 2011. Ao mesmo tempo podemos monitorar as verbas federais a serem transferidas e apoiar a formação de comitês municipais de acompanhamento de sua aplicação e dos resultados atingidos.

Por fim, é fundamental que as cidades atingidas atualizem, caso já os tenham, seus planos municipais de habitação e rapidamente se estruturem para garantir a criação dos Fundos Municipais de Habitação de Interesse Social e seus respectivos Planos Municipais de Saneamento, como determina a Lei Federal 11.445, de 2006.

Sem isso, corremos o risco de ver as verbas federais serem mal aplicadas e nada de reestruturador ser construído após essa catástrofe.

*Paulo Rubem Santiago é deputado federal pelo PDT-PE.