Rádio Brasil Atual entrevista Fonteles, ameaçado de morte

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Para ler a carta denúncia de Fonteles acesse: Vamos deixar Fonteles ser assassinado.
Torturador da ditadura chefia Agência Brasileira de Inteligência no Pará Da Rádio Brasil Atual 11/05/2011

A Rádio Brasil Atual entrevistou na quarta-feira, 11 de maio, o pesquisador Paulo Fonteles Filho. Em debate, a Guerrilha do Araguaia. Ele revelou na conversa que o ex-senador e delegado da Polícia Federal Romeu Tuma chefiou a repressão aos guerrilheiros do Araguaia. Paulo denuncia também o envolvimento de agentes da repressão que atuam hoje na Abin (Agência Brasileira de Inteligência) do Pará na ocultação de cadáveres de desaparecidos políticos e na destruição de documentos da ditadura militar. Paulo está sendo ameaçado de morte em função dessas denúncias. O pesquisador também destaca o envolvimento de empresários no financiamento da tortura durante os anos de chumbo. A empreiteira Camargo Correa é uma das empresas que financiaram a repressão aos ativistas de esquerda.

A seguir, a íntegra da entrevista:

Oswaldo Colibri Vitta - Rede Brasil Atual, Jornal Brasil Atual, nós vamos falar sobre a Guerrilha do Araguaia. Vamos conversar agora direto de Belém do Pará, com o Paulo Fonteles Filho. Bom dia Paulo, tudo bem?

Paulo Fonteles Filho - Bom dia, Colibri. Bom dia, Rede Brasil Atual.

Colibri - Há quanto tempo você trabalha com essa história de pesquisa da Guerrilha do Araguaia, Paulo? Fonteles - Olha, eu trabalho com essa pesquisa já há 15 anos, mas o meu pai também atuou muito nessa região do Araguaia como advogado de posseiros e foi um dos primeiros pesquisadores sobre o tema da Guerrilha do Araguaia, sendo inclusive o primeiro advogado a defender os interesses dos familiares dos desaparecidos na Guerrilha.

Colibri - E você herdou esse interesse pela Guerrilha do Araguaia por quê?

Fonteles – Primeiro, pelo fato de ter nascido na prisão, quando meus pais eram estudantes da UNB em Brasília. Em outubro de 1971 eles foram presos, e foram até o pelotão de investigações criminais do Ministério do Exército. E lá, no PIC, aprisionados, torturados, eles souberam da Guerrilha do Araguaia e tiveram contato com os primeiros camponeses presos na região do Araguaia. Então, desde o ventre da minha mãe é que a gente tem uma ligação com essa luta do Araguaia, dos camponeses do Araguaia, pela reparação desses camponeses e também pelo fato da memória histórica tão importante para o avanço da democracia no nosso país.

Colibri - Certo, e o seu pai acabou sendo assassinado...

Fonteles - Meu pai foi assassinado em 1987 por forças ligadas à repressão política, ao esquema da tortura no nosso país. Os caras que liquidaram fisicamente meu pai todos eles participaram dos esquemas da tortura, alguns foram da Operação Bandeirantes, como foi o caso do James Vita Lopes que veio para o Pará para agenciar grandes latifúndios aqui na Amazônia.

Colibri - O Brasil está mal na fita com relação à questão da Guerrilha do Araguaia porque a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA condenou o Brasil, no final do ano passado, por violação dos direitos humanos e porque estava determinando a busca dos corpos dos guerrilheiros que deveriam ser localizados e das circunstâncias dessas mortes. O Brasil foi condenado internacionalmente, colocando em cheque a decisão até dos ministros do STF contra a revisão da Lei da Anistia, não é mesmo, Paulo? E como é que você vê hoje o Brasil nessa imagem com relação à questão do Araguaia, você que acompanha tão bem o caso aí?

Fonteles - Olha, primeiro que o pleito dos familiares dos mortos desaparecidos é uma ação junto ao advogado José Eduardo Greenhalgh, em 1982, é absolutamente justa, e essa condenação revela o atraso em que o Brasil se encontra nesse debate sobre a questão da ditadura militar, dos mortos desaparecidos políticos do país, quer dizer, países vizinhos nossos, latino-americanos se encontram em posições muito mais avançadas com relação ao Brasil neste tema. Agora, essa condenação eu creio que ela é importante porque chama a atenção do país para posições ainda conservadoras com relação àqueles que participaram da tortura no Brasil. A posição, por exemplo, do STJ (Superior Tribunal de Justiça) é uma posição muito ruim quando não julga, quando avalia que a Lei da Anistia pode ser um manto que continua acobertando aqueles que torturaram e violaram os direitos humanos, aqueles que lutaram pelo restabelecimento da vida democrática no nosso país. Essa medida é uma medida importante, outras ações também são muito importantes, como é o caso da ação da juíza Solange Salgado, da Justiça Federal do Rio de Janeiro, que condenou, inclusive a União, a dar conta dos mortos desaparecidos do Araguaia, como também da história verdadeira que ocorreu naqueles sertões e naquela tragédia que foi a invasão militar às matas do Araguaia e do Pará para combater os brasileiros que lutavam ali pelo restabelecimento da vida democrática. Então eu creio que, em que pese ainda o Brasil ser um país recalcitrante nesse tema, eu consigo observar importantes avanços nesses trabalhos e um desses avanços é o debate sobre a Comissão Nacional da Verdade. É claro que o mundo já assistiu, nesse período, experiências em 40 países de Comissões da Verdade e a grande maioria dessas experiências ensejou países mais avançados, com uma democracia mais fortalecida e revisitando, naturalmente, os seus passados de tragédia, de tortura e de infâmia.

Colibri - Agora Paulo, você acha que vai sair a Comissão da Verdade?

Fonteles - Eu tenho a informação de que o deputado Brizola Neto, do PDT do Rio de Janeiro, já pediu urgência no projeto. Agora isso é uma luta política, Colibri. Os setores mais avançados da nossa sociedade, mais esclarecidos, aqueles que estão preocupados em vacinar a consciência nacional precisam atuar para que essa Comissão Nacional da Verdade se torne um fato na vida brasileira e que desta Comissão da Verdade nós possamos apurar o conjunto dos crimes perpetrados pelos generais que tomaram de assalto o poder no Brasil em 31 de março de 1964.

Colibri - Acontece também Paulo, você está comentando essa questão, a gente tem acompanhado aqui, há sete anos no programa, já cobrei do ministro Paulo Vanucchi quando ele veio aqui ao estúdio, com o Paulo Abrão, todo mundo ligado aos Direitos Humanos, conversamos com todos eles, e a gente cobra a abertura dos arquivos, a Comissão da Verdade, que é fundamental pra resgatar essa história toda. Só que a gente sempre percebe que pra mexer com os militares há um problema político, que fica ali num ponto 'agora a gente vai mexer com os militares, como é que fica?'. Tem uma tensão, as pessoas parecem que não querem conversar sobre esse assunto, não vão mexer nesse assunto. Nos oito anos do governo Lula a coisa foi caminhando em banho-maria, não se resolveu nada a respeito, e por isso a gente fica um pouco cético com relação à criação da Comissão da Verdade. Por outro lado, acontece agora uma portaria assinada pelos ministros da Justiça, Eduardo Cardozo, da Defesa, o Nelson Jobim, que aliás é muito amigo dos militares, e dos direitos humanos, que vai ampliar as atividades desse Grupo de Trabalho de Tocantins (GTT) que deveria localizar os corpos dos ativistas da Guerrilha do Araguaia. Como é que você vê essa mudança de estrutura, de organização para apurar o caso?

Fonteles - Acho que o segmento da sociedade brasileira que deveria estar mais interessado na Comissão da Verdade é o próprio Exército brasileiro. Porque nós temos atuado, no âmbito do GTT que agora mudou para GTA - Grupo de Trabalho Araguaia – e era impressionante a forma e o constrangimento com que militares, inclusive muitos deles de altas patentes, ficavam diante dos relatos dos camponeses, quer dizer, essa nova geração que existe nas Forças Armadas no Brasil nada tem a ver com aquela turma que tomou o poder de assalto em 64. Então, para as Forças Armadas da atualidade, julgo eu, é fundamental a Comissão da Verdade, para fazer inclusive uma reparação com aqueles que nada tiveram a ver com a tortura. Tu sabes, Colibri, que aproximadamente sete mil militares foram perseguidos pela própria ditadura militar brasileira, isso está inclusive na edição mais recente da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que é aquele livro Habeas Corpus. As Forças Armadas na atualidade, julgo que elas têm, digamos, compromisso com a vida democrática brasileira, não podem ter uma posição recalcitrante com relação à Comissão da Verdade. Se assim o fizerem estarão cometendo um erro de grande envergadura inclusive do ponto de vista da sua própria história. A gente sabe que o Exército Brasileiro, as Forças Armadas, têm uma vida presente na vida republicana brasileira, em alguns momentos acertaram, em outros erraram, como foi o caso de 64, mas é uma força política e social muito importante da vida do país, da própria vida brasileira. Eu tenho a impressão de que se os militares, se os generais que dirigem as Forças Armadas a partir do General Enzo, atual comandante do Exército Brasileiro, não tiverem essa consciência da importância que tem essa Comissão da Verdade, eles estarão cometendo um grande erro. E isso a gente tem na convivência com militares de carreira, na atualidade tem observado o constrangimento com que eles ficam diante dos relatos, dos depoimentos sobre a tortura no país e sobre a infâmia cometida contra os camponeses do Araguaia. Esse é um dado muito importante e isso também diz respeito à questão da própria formação do Exército Brasileiro. A gente sabe que grande parte desses recalcitrantes estão na reserva, mas a própria formação atual das Forças Armadas ainda é muito atrasada, muito conservadora. Inclusive a decisão da própria Organização dos Estados Americanos levanta isso e a necessidade de que na formação militar esteja embutido o tema Direitos Humanos. Isso é uma necessidade histórica para o avanço da mentalidade dos militares brasileiros, para que não cometam os erros cometidos em 64. Sobre o problema da Portaria, eu penso que é um avanço nesse trabalho de buscas dos mortos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia. Penso que foi uma evolução absolutamente necessária e importante a participação da sociedade civil nesse trabalho, como também o problema da verdade histórica. Nós temos uma verdade que é absolutamente parcial naquilo que se fala do Araguaia, por exemplo, hoje nós temos tido informações de ex-militares que estão ameaçados por prestar informações a esse Grupo de Trabalho de Brasília e eles revelam coisas, Colibri, que nós não tínhamos conhecimento, como diversos fuzilamentos de camponeses, de castanheiros naquela região do Araguaia, seqüestro de filhos de guerrilheiros, prisão de crianças e várias coisas que ocorreram naquele contexto da ditadura militar que está vindo à tona nesse momento e particularmente, a partir da visão que ex-soldados tiveram do processo e dessa realidade estabelecida em todo processo de combate à Guerrilha do Araguaia. É um momento muito rico na minha opinião, um momento em que a gente pode dar grandes avanços neste contencioso, nesta luta civilizatória pelo direito à memória e à verdade. Acho que isso depende fundamentalmente da decisão do próprio governo. Se o governo quiser, se a Dilma quiser, se os ministros quiserem, se isso for uma decisão política verdadeira nós poderíamos passar o Brasil a limpo. Esse dado também nos remete à questão da própria luta política, porque há setores que não estão empenhados naturalmente em rever esse momento todo da vida do país e nós sabemos que dentro do próprio estado nacional brasileiro, há instituições, servidores de instituições que atuam no sentido de acobertar o que houve na Guerrilha do Araguaia. Falo isso me reportando à prática da própria Abin (Agência Brasileira de Inteligência) do Estado do Pará. Dois atuais servidores da Abin, inclusive o vice-superintendente no Pará, foi um cara que atuou na Guerrilha do Araguaia, foi do DOI-CODI, torturador e hoje está como vice-superintendente na Abin do Pará, que é o ex-capitão Magno José Borges.

Colibri - Recebendo do governo, não?

Fonteles - Recebendo do governo. Tanto Magno José Borges como Armando Sousa Dias foram da tortura, atuaram no Araguaia, combateram no Araguaia. Seguramente, têm as suas mãos sujas de sangue e estão encastelados na Abin no Estado do Pará, e tem outros exemplos já citados de pessoas remanescentes da repressão política que estão atuando em cargos públicos, na esfera da Administração Pública federal e também nos estados. Colibri - Nos estados, têm casos de torturadores, um delegado em Presidente Prudente e também o caso do Major Curió. Quando estavam sendo feitas as escavações lá no Araguaia, ele até ironizou 'vocês não vão achar nada aí do que estão procurando, eu sei onde estão os corpos e tudo mais...' ele ironizou, quer dizer, os militares têm essa informação.

Fonteles - Eles têm essa informação...

Colibri - Exato. Eles têm que falar, né?

Fonteles - Eles têm que falar e o país tem que ter, digamos, os seus mecanismos da vida democrática para fazer com que eles falem, radicalizar nessa relação, é claro que isso não tem nada a ver com o que eles fizeram nos anos 70, mas nós temos mecanismos na vida democrática para avançar nesse processo e eu defendo uma opinião. Nós temos defendido isso no âmbito do Grupo de Trabalho do Tocantins, é uma opinião inclusive do camarada Aldo Arantes, ex-deputado constituinte, também vítima da ditadura militar brasileira, de que nós só vamos avançar nesse trabalho da localização dos corpos dos desaparecidos políticos no Brasil se os militares falarem sobre o que aconteceu com relação a isso tudo. Colibri - Abrirem todos os arquivos e a memória também, contar o que aconteceu.

Fonteles - Exatamente. Nós temos um caso nesse trabalho do Valdim Pereira de Souza que durante sete anos foi motorista do Curió. Foi o primeiro cara nesse processo todo a dizer o seguinte: 'Eu participei da operação de limpeza', porque depois do Araguaia foram feitos, da década de 1970 até a década de 1990, um conjunto de operações para retirar ossadas daquela região.

Colibri – É por isso que o Curió estava ironizando a busca, né?

Fonteles - Exatamente. Mas ele vive de forma graciosa, né? Tanto o Curió como outros, como é o caso do Brilhante Ustra, de vários torturadores e assassinos brasileiros que tratam essa questão de forma muito graciosa, não apenas eles mas também seus porta-vozes, como o caso do Jair Bolsonaro, deputado federal e muitos blogs que eles se utilizam como o Coturno Noturno, do Ternuma e dessa visão conservadora da direita militar brasileira.

Colibri - Agora, Paulo, falando de tudo isso e você denunciando essas questões todas, você está sendo ameaçado de morte e até anunciaram sua morte na internet, é um negócio absurdo, né? A pessoa ler sobre a própria morte. Você escreveu um artigo até bem humorado, quando foi visitado pelos familiares e em casa, foi acordado 'mas você está vivo e tal, em casa' quer dizer, você ainda levou numa boa esse tipo de ameaça, mas é uma coisa feita pelas redes sociais, esses blogs que você acabou de citar. Pessoal que faz campanha para acabar com qualquer pessoa que tenha interesse na verdade desse país. Como é que você vê essa situação, você ver anunciando a sua morte na internet, você tendo que explicar, enfim, como é que você está se sentindo nesse momento?

Fonteles - A questão, Colibri, é o seguinte: desde junho do ano passado começaram ameaças àquelas pessoas que estão trabalhando no GTT e também colaboradores do GTT. Em julho do ano passado, dois doutores, Marcos e Ivan, eram agentes do DOI-CODI e do DOPS que atuaram no período da Guerrilha do Araguaia, visitaram colaboradores do GTT da região do Araguaia, então a partir desse momento, de junho e julho do ano passado, esta coisa tem começado a acontecer. No final do ano passado, isso se reforçou, se fortaleceu e neste ano, mais diretamente pessoas ligadas ao GTT, como é o meu caso e como é o caso do Sezostrys Alves da Costa, que é dirigente da Associação dos Torturados na Guerrilha do Araguaia, começou a ter ameaças com relação a nós. Ameaças de ligações telefônicas, de carro peliculados rondando as nossas casas, e agora esse episódio mais recente que foi o anúncio da minha morte nas redes sociais, na madrugada do último dia 5 de maio, que foi um negócio absolutamente absurdo e o que é pior, coincidentemente, neste mesmo dia, eu participei de um processo que tratava da ABIN, no Pará. Eu fui chamado como testemunha para um processo interno da Abin que tratava exatamente de ocultação de cadáveres da Guerrilha do Araguaia, bem como também a queima de arquivos sobre a rebelião lá no Sul do Pará, e nesta mesma noite, estava em casa dormindo com a minha família, minhas filhas, minha mulher, e o pessoal da minha família bateu em casa dizendo que estava circulando na cidade que eu tinha morrido e tinha amigos meus em Macapá, em Porto Alegre, já me velando. Poderia render boas gargalhadas, mas isso, na minha opinião, é uma tentativa de intimidação, não apenas a mim, mas a todo esse trabalho que tem sido realizado no sul do Pará, nesse esforço nacional que tem havido de nós revisitarmos esse passado brasileiro, um passado da violência do estado, do próprio estado contra brasileiros. Nós temos denunciado essa questão das ameaças já há quase um ano. E só agora, que o governo brasileiro procura fazer, digamos, a proteção dessas pessoas que têm falado, inclusive, tanto eu como outros companheiros estaremos ingressando naquele programa nacional de defensores de Direitos Humanos.

Colibri - Paulo, aqui no estúdio conosco a repórter Lúcia Rodrigues também tem informações de outras pessoas que estão sendo ameaçadas, né Lúcia?

Lúcia Rodrigues - É, no dia 27 de março a Mercês Castro, irmã de Antônio Theodoro Castro, também desaparecido político do Araguaia e membro do GTT, sofreu um acidente em Marabá. As porcas de um pneu do carro que ela estava dirigindo foram afrouxadas e a roda foi lançada à distância, e eles denunciaram isso pra Polícia Federal, enviaram inclusive pra Solange Salgado que é a juíza que está acompanhando o caso, quer dizer, é você e várias outras pessoas que estão sendo ameaçadas, é uma intimidação...

Fonteles - Nós achamos que várias pessoas estão ameaçadas, inclusive esse caso da Dona Mercês, eu que encaminhei a denúncia à Polícia Federal de Marabá, que foi um caso absolutamente escandaloso. Ela só não sofreu um acidente mais grave, porque o carro ia com baixa velocidade dentro da cidade de Marabá. A questão é o fato de que as forças de segurança do estado brasileiro na atualidade precisam atuar no sentido de investigar quem está fazendo isso, quem está por trás desse acidente no carro da Dona Mercês, das ameaças que nós temos sofrido, das ligações anônimas que ex-militares que estão colaborando têm recebido também...

Colibri - Paulo você também nesse momento está protegido? Você tem alguma segurança com você aí? Quando você está andando nas ruas, você tem algum acompanhamento depois que você fez as denúncias, não tem a prefeitura...

Fonteles – Não.

Colibri - Ai de Belém do Pará, do governo, não colocou à disposição?

Fonteles - Não, até agora não tem nenhuma proteção, nem pra mim e nem pra essas pessoas todas, mais de dez como eu disse, que se encontram sob ameaça desses remanescentes da repressão política, que não tenho dúvida partem basicamente de dois lugares, da turma do Curió, ele ainda tem uma turma muito atuante na região do Araguaia, tem uma turma ainda que atua sob as suas ordens e desse pessoal da Abin do Pará.

Colibri - O Curió inclusive outro dia deu uma entrevista no SBT para o Roberto Cabrini, você deve ter acompanhado. O que você achou?

Fonteles - Ele é muito cara-de-pau. Acho que grande parte dessa cara dura dele diz respeito a própria leniência com que o estado brasileiro tem tratado essa questão dos desaparecidos políticos, da tortura no país. Acho e reforço isso que nós precisamos radicalizar com esse período da história nacional brasileira. Nós precisamos ser duros com quem praticou a tortura e transformou todos os cômodos do país numa grande cadeira do dragão.

Rodrigues - Paulo, você teme pela sua vida?

Fonteles - Olha, eu tenho minhas preocupações, mas eu temo muito mais pelo trabalho que nós estamos desenvolvendo. Eu acho que esse trabalho é um trabalho que nós não podemos arredar pé, que nós precisamos avançar nessa questão, e é claro que a gente se preocupa, mas a gente toma as devidas providências. E eu tenho histórico também, como aconteceu com o meu pai, a covardia e a violência com que esses setores atuam na vida brasileira. Mas o problema é o seguinte: é que nós não podemos arredar pé desse trabalho, mais importante que o medo e que o temor é a gente ir pra frente, seguir em frente. Contar naturalmente com o apoio de muitos companheiros e também pressionando o governo brasileiro no sentido de apurar essas histórias todas.

Colibri - A gente está preocupado mesmo, porque imagina, o sujeito chega em casa, o pessoal está lendo na internet a própria morte, os familiares ficam preocupados. Não tem ninguém para acompanhar, nenhuma proteção. Você sabe, é já um desrespeito ao cidadão que está fazendo um trabalho sério.

Fonteles - Esse trabalho no Brasil é um trabalho inadiável, que não pode dar um passo atrás, então a história brasileira nos ensina que nós temos que olhar pra frente e caminhar a passos largos no sentido dessa verdade histórica. Esse é o fator mais importante, então acho que essas ameaças existem porque tem tido um avanço nesse trabalho no país, mas é um avanço que não foi a contento, não é suficiente para que nós possamos entregar para as famílias dos desaparecidos políticos no país, que é um direito histórico secular. Os brasileiros que foram mortos nos campos da Itália, combatendo os nazistas na Segunda Guerra Mundial foram enterrados no cemitério de Pistoia, com honras militares, então essa é uma tarefa secular como também é uma tarefa dos nossos tempos e dos nossos dias o fato de que nós precisamos saber o que aconteceu no Brasil. Nós precisamos para vacinar a consciência brasileira. Nós precisamos saber quem são os torturadores, para que não se escondam em Abins, em delegacias de polícia ou envelheçam com cara de bons cidadãos.

Rodrigues - Como é pra você saber que existe um ex-torturador ligado ao DOI-CODI, que foi o centro de tortura mais temido pelos ativistas de esquerda nos anos 60 e 70, à frente da Abin, aí no Pará. Tem empresários envolvidos nessa questão, são os agentes do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, das Forças Armadas, mas há também empresários envolvidos que financiaram a repressão e a tortura aqui no Brasil. Como é para você saber que tudo continua da mesma forma?

Fonteles - Eu tenho a impressão que isso é luta política. Acho que as denúncias que nós fazemos reforçadas por outras denúncias, podem fazer com que o Brasil passe essa questão adiante. Esses caras, por exemplo, da Abin do Pará, tanto o Magno José Borges como o Armando Souza Dias, não podem estar à frente do serviço público, é preciso inclusive ter uma reestruturação do trabalho de inteligência do nosso país. Para vocês terem uma ideia, por exemplo, vários informantes desses dois é gente que participa do movimento social, eles vivem ainda a bisbilhotar movimentos sociais, como é o caso do MST, como é o caso de sindicatos de trabalhadores rurais, como é o caso de partidos políticos de esquerda, de militantes dos direitos humanos. Então, é preciso haver uma reestruturação desse trabalho de inteligência do nosso país. O que não pode acontecer é que remanescentes do serviço nacional de informações, do DOI-CODI, do DOPS estejam encastelados no serviço público, nem em delegacias nas grandes cidades ou no interior do nosso país, então isso é uma necessidade histórica. Agora penso que isso só vai mudar primeiro, com decisão política do governo e também a partir da pauta que a própria sociedade civil possa organizar no sentido de denunciar aqueles que participaram da tortura e que estão à frente de órgãos públicos. Uma outra questão é do braço civil da ditadura militar brasileira. Várias empresas, por exemplo, foram colaboradoras da Ditadura Militar. Aqui no Araguaia, por exemplo, a Camargo Correa foi uma das principais colaboradoras da repressão do Araguaia, inclusive a própria Associação de Torturados na Guerrilha do Araguaia está desenvolvendo, está estudando uma ação não apenas contra a Camargo Correa, mas também outras empresas que erigiram aquela grande estrutura repressiva em todo o sul do Pará. Então, é preciso que a sociedade também conheça isso, para que possa cobrar reparação dessas empresas, e também para que eles não passem, como têm passado a vida inteira com cara de bons cidadãos.

Colibri - É, mas você citou ai uma construtora que financia a campanha de todos os partidos políticos do país, praticamente.

Fonteles - Pois é, são situações da nossa vida democrática. Eles financiaram o golpe, e não apenas eles, e hoje financiam grande parte dos partidos do nosso país, mas isso são as contradições da nossa vida democrática. Eu acho que a denúncia, a pesquisa séria, correta, pode ajudar muito que o Brasil não viva mais diante essas situações todas.

Colibri - A gente vai precisar resgatar toda história desse país, por exemplo, faleceu o senador Romeu Tuma e ele tinha muita história pra contar e não se sabe se ele acabou contando antes da morte dele ou não. Aí não sabemos até hoje se ele acabou dando algum depoimento, algum amigo, algum jornalista para publicar depois da morte dele, mas é um homem que sabia muito da repressão, principalmente aqui em São Paulo e no Brasil, participou disso tudo..

Fonteles - O Romeu Tuma, naquilo que nós temos levantado na região, junto com amigos jornalistas, foi visto no Araguaia pela primeira vez em setembro de 72. Ele chefiou a equipe que torturava, que pegava depoimentos sob tortura, que assassinava, que empacotava e que dava fim aos corpos do Araguaia. O Romeu Tuma era conhecido, inclusive na região do Araguaia, como delegado Silva ou Doutor Silva, um dos mais violentos dos doutores da repressão política à Guerrilha do Araguaia e o fato precisa ser contado por nós...

Colibri - Pois é, mas ai ele ele morreu e a gente não vai conseguir colocá-lo na Comissão da Verdade, onde ele deveria ser ouvido.

Fonteles – É, e inclusive em torno de uns vinte dias atrás, nós encontramos, descobrimos o aparelho do DOPS em Marabá, onde acontecia a tortura, particularmente aquilo que eles chamavam de subversivos mais perigosos, lá na região do Araguaia, e tudo isso capitaneado pelo Doutor Silva, pelo delegado Silva que é o Romeu Tuma, e isso quem diz são ex-mateiros, ex-militares, ex-camponeses que, quando Romeu Tuma se lançou na atividade política e ganhou notoriedade, ele foi reconhecido por ex-militares, por ex-mateiros. A tarefa da equipe que ele chefiava era o seguinte: quando tinha uma batalha, quando alguém era preso ou quando alguém morria na luta guerrilheira do Araguaia, ele que cuidava da história toda, então, me parece que esta memória foi com ele para junto de Satanás, mas outros membros da equipe dele estão vivos, como é o caso daquele sujeito que deu a entrevista ao Conexão Repórter, do Cabrini, aquele Leal... eu me esqueço agora do nome dele todo...

Colibri - Eu também não lembro.

Fonteles - E com um cara ligado à equipe do Romeu Tuma...

Colibri - Sem dúvida. Bom, e aí então ele morreu, a gente não vai ficar sabendo da história dele, mas alguém estava lá, alguma testemunha estava lá e vai contar essa história, é isso que precisa ser feito na Comissão da Verdade. E nós estamos na expectativa é que o governo Dilma faça uma ação correta, inclusive, que proteja a sua vida, porque é a missão do governo proteger as pessoas que estão fazendo um trabalho sério, Você está fazendo um trabalho seriíssimo e o governo tem que te proteger, é obrigação do governo.

Fonteles - Um outro fato que é importante destacar nesse debate todo é que essas ameaças começaram quando foram suspensas as reparações econômicas dos camponeses do Araguaia. Ali, há dois anos, quando as Caravanas da Anistia do Ministério da Justiça, um juiz federal do Rio de Janeiro, José Carlos Zebulum, da 27ª Vara, suspendeu através de liminar a reparação econômica dos camponeses. Os advogados que entraram com um ação civil pública para que esse juiz suspendesse essa liminar é advogado dos Bolsonaros. Então, ali tenho a impressão que começaram essas pressões pelo Judiciário brasileiro, por aqueles que têm a tarefa primeira de defender a Justiça do nosso país e essa história vem se desenvolvendo, quer dizer, nesses últimos 2 anos, cinco camponeses pobres já foram à óbito. Essa talvez seja a mais infame das ameaças que existe contra esse problema da memória histórica do país e diversas pessoas se encontram ameaçadas, mas eu continuo a dizer que essa questão do governo Dilma é luta política. Se os setores da sociedade mais interessados na Comissão da Verdade cruzarem os braços o governo não vai fazer essa questão avançar, isso depende da ação dos movimentos sociais, de personalidades políticas do nosso país, daqueles que têm a consciência de que passando a limpo o Brasil nós vamos vacinar nossa consciência democrática para que isso nunca mais aconteça. E colocando o Brasil num outro patamar da vida democrática, porque as principais experiências da Comissão da Verdade sempre ensejaram um país mais avançado, com mais democracia.

Colibri - Está certo então, Paulo. Obrigado por tudo, estamos aqui acompanhando, você liga para nós, qualquer coisa. Fonteles - Um grande abraço a vocês todos da Rede Brasil Atual e também a todos os paulistanos, uma cidade tão importante para o nosso país e que tem, digamos, uma tarefa muito importante nessa luta em defesa do direito à memória e à verdade. Um grande abraço.

Colibri - Nós conversamos com o Paulo Fonteles Filho, que é pesquisador sobre a Guerrilha do Araguaia e está fazendo denúncias, sendo ameaçado de morte, porque ele tem feito denúncias importantes com relação à questão do Araguaia e também na batalha pela instalação da Comissão da Verdade no governo. Valeu, Paulo, obrigado.

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