Enderson Araujo: “se a história é nossa, deixa que nós escreve”

Escrito en BLOGS el

Relato bacana do Enderson Araujo, Salvador, Bahia, que trouxe do Correio Nagô.

Não tenho fé nenhuma que ele viverá numa sociedade que efetivamente o respeite como cidadão em toda a sua integridade, que a polícia militar - capitão do mato em todo o Brasil - irá protegê-lo, que o 'Judiário' brasileiro sirva a ele a não ser para condenar como faz com todos os jovens pobres e, especialmente, com os jovens negros pobres deste país.

Mas, apesar de todo meu desprezo por uma Justiça algoz que só protege seus interesses de classe e abandona os miseráveis a toda violência institucionalizada, meninos como Enderson resistem, talvez porque sejam tão teimosos como eu fui. Que sua teimosia seja maior que a minha total descrença e desprezo às instituições, Enderson. Boa sorte, querido.

As Perspectivas do Jovem Morador da Periferia Por: Enderson Araújo do Mídia Periférica,via Correio Nagô 25/01/2012

Acredito que todo mundo já sabe quais são as perspectivas de um jovem que mora em uma comunidade periférica, não é mesmo? Porém levamos em conta dois fatores que atuam de maneira divergente para estas perspectivas. O fator número 1 se resume nos jovens que são influenciados pela mídia capitalista, estes são os que sonham em ser jogadores de futebol, dançarinas ou cantores de pagode, atores e etc. A mídia influencia estes jovens com o fato de que traz luxo, fama, dinheiro rápido. O segundo fator é a vivência que estes jovens têm em suas comunidades, muitos crescem vendo a polícia invadindo suas comunidades brutalmente e exterminando nossos amigos, como eu já presenciei várias vezes estes acontecimentos e nada acontece para punir os culpados, além do tráfico de drogas, onde muitos se desbandam para esse caminho. Aí você tem: a falta de ensino publico de qualidade, a falta de infraestrutura nas comunidades e um monte de coisa aglomerada, que se eu escrever aqui, vira livro, mas o que é de maior gravidade é a falta de oportunidade para o jovem conseguir o 1º emprego.

Mas eu te convido para fazer uma pequena reflexão: você imagina um jovem que sonha em ser jogador, ele não consegue progredir no sonho, pois o pai ou a mãe (solteira na maioria das vezes) não teve condições de arcar com as despesas para mantê-lo no clube de futebol. Ele cresce e vê a necessidade de trabalhar para ajudar a família, pois na casa vivem, além dele, a mãe, a irmã, e um irmão pequeno, todos sobrevivem de uma ajuda de um programa pelo Governo Federal, R$92,00. Ele não consegue o 1º emprego, pois as empresas exigem que ele tenha experiência para trabalhar. A vivência deste jovem é passar todo dia em frente a uma boca de fumo, e perto de sua casa muitas pessoas usam droga, daí eu passo a bola para vocês: qual será o destino deste jovem?

Você pensou errado, este jovem sou eu, contrariei e continuo contrariando as estatísticas e tudo que vem pela frente!!

 Depois do Mídia Periférica tudo mudou em minha vida. Eu sempre tive algo preso dentro de mim que me ajudava, e ainda me ajuda a aliviar os problemas, porém eu não sabia como liberar isso, mas eu tinha algumas pistas para descobrir o que era (rsrs). É que eu gosto muito de conversar, sou um baita tagarela, e também gosto muito de fazer pelo social, pela comunidade onde moro, sou bastante reivindicador. Comecei, então, a fazer as oficinas de Direito a Comunicação e produção de vídeo com o Paulo Rogério e a Ivana Dorali, do Instituto Mídia Étnica, em um projeto do UNFPA/ONU, em Sussuarana, minha comunidade. Foi quando eu descobrir minha vocação para a comunicação. Tivemos oficinas de grafite com Marcos Costa, de rádio com DJ Branco e de fotografia com Eduardo Tavares, tivemos outras oficinas temáticas, mas eu friso as que envolveram comunicação. Foi a partir daí que criamos o Mídia Periférica, que para mim é como um punho no rosto da sociedade opressora, e particularmente no rosto daqueles que não acreditavam em mim, humilhavam a mim e a minha família por nos considerar um tanto inferiores a eles, muitas vezes me batiam na rua e minha mãe, por ser mãe solteira, não tinha punho para fazer nada - é a essa que agradeço por ser hoje o jovem que sou.

As ações que faço são primeiramente para fortalecer as comunidades, e para mostrar aos irmãos e irmãs que para revidarmos o tapa na cara que a sociedade nos dá, não precisamos burlar leis, nos vender ao sistema capitalista e nem abaixar a cabeça para eles. Hoje, o Mídia Periférica significa muito para mim, escrevo para um Revista Nacional feita por jovens de todo Brasil, a Viração! Sou colaborador na maior Rede Social Afrodescendente que é o Correio Nagô, além de ser um dos representantes da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Comunicadores, isso tudo consegui com a ajuda de pessoas que me deram e dão direcionamento e eu não teria conseguido sem o Mídia Periférica. Finalizando, eu acredito que para contrariar as estatísticas, basta o jovem ter vontade e oportunidade, que ele busque conhecimento e se articule, portanto, “se a história é nossa, deixa que nós escreve”.

*Enderson Araújo - Jovem Comunicador; Coordenador do Mídia Periférica,  Colaborador na Revista Viração - Agência Jovem de Noticias, Correio Nagô - Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Comunicadores