A nota do viúvos da Ditadura em apoio a Marina, a Capa do Correio Braziliense e uma sombra sempre presente

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Oito meses após a posse de Dilma Rousseff à Presidência da República, sob ataque frenético da mídia monopolizada que desejava de todas as maneiras desestabilizar o governo da presidenta petista, o Estadão publicou esta imagem: A foto foi intencional. O fotógrafo depois que recebeu um prêmio de 8 mil dólares revelou que queria fazer algo 'forte' que, segundo ele, representasse o momento político.

Dilma é uma presidenta com história de resistência à Ditadura militar: aos 19 anos foi presa e torturada. Os militares reacionários, viúvos da ditadura militar, que comemoram no Clube Militar do Rio de Janeiro o golpe de 1964 como se fosse algo bom para o país, odeiam Dilma Rousseff, odeiam o PT, porque os associam ao governo trabalhista de Jango, legitimamente eleito. Governo este que a partir de um golpe interrompeu a democracia no país por mais de duas décadas e instaurou sob comando dos militares golpistas um regime de exceção que prendeu, exilou, torturou e matou seus opositores.

Não é à toa que além de todas as notas desrespeitosas que os militares viúvos da ditadura lançaram contra a presidenta ao longo de seu mandato, a campanha grotesca que fizeram contra ela para que não fosse criada a Comissão Nacional da Verdade, agora, em ano eleitoral, eles soltam nota de apoio à Marina Silva.

O curioso desta nota é que mesmo reconhecendo todos os problemas da candidata e de seu programa eles optam por Marina como esperança pra destruir o PT. Veja  o trecho de revanchismo na nota (aliás, revanchismo esse que anima o coração de muitos opositores do PT à esquerda e à direita do espectro político nacional):

Marina Silva, ex-petista, com um vice-presidente cuja campanha foi financiada pela Monsanto, apoiada pelos herdeiros de Olavo Setúbal do banco Itaú (não é gratuito seu discurso insistente na "autonomia do banco central", fórmula manjada da Cia para dominação dos países do terceiro mundo e que alguns candidatos neoliberais compram com naturalidade como se a 6a economia do planeta ainda fosse um país da década de 1970).

Assim segue Marina ao lado de banqueiros, do agronegócio, de pastores midiatizados que se opõem publicamente às principais bandeiras dos direitos humanos com discurso neoliberalizante nas falas e nos programas (acusados de plágio pelo PSDB e outras instituições como aqui, aqui, aqui.  Para onde caminhará nosso cenário político? As urnas dirão em 5 de outubro. Por hora, a mídia monopolizada continua cotidianamente a minar e desestabilizar o governo de Dilma com a fabricação de escândalos e manipulações de notícias em suas páginas de jornais e revistas, nas estações de rádio e tv, em seus portais na web e nas redes sociais para ver se seu sonho de derrubar Dilma transpassando-a com uma espada ou estraçalhando-a sob a mira de uma metralhadora, traduzido em suas fotos premiadas, escolhidas cuidadosamente para estampar em suas capas, se realiza.

A capa do ‘Correio Braziliense’

Por Venício A. de Lima em  na edição 815 do Observatório da Imprensa

09/09/2014

A foto abaixo (11,8 x 19,6 cm, na edição original) está na primeira página da edição de segunda-feira (8/9) do Correio Braziliense (ver aqui). É de autoria do fotógrafo Daniel Ferreira, que trabalha para o Correio e para a D.A. Press, ambos do grupo dos Diários Associados.

Estando na capa, por óbvio, trata-se de uma escolha e é de responsabilidade dos editores do jornal.

Observe o leitor(a) que a foto coloca deliberadamente o rosto da presidente da República, Dilma Rousseff, na mira de uma metralhadora do carro blindado do Exército Brasileiro, que desfila na parada de 7 de setembro, em Brasília.

Qual a mensagem implícita/explícita na foto?

É normalmente aceito como sendo de Confúcio, filósofo chinês que viveu no século V antes de Cristo, a conhecida frase “uma imagem vale mais que mil palavras”. Os que vivemos no mundo contemporâneo sabemos que a afirmação de Confúcio permanece atualíssima, vinte e cinco séculos depois, nestes tempos marcados por imagens de todos os tipos, do cinema, da televisão, das fotos popularizadas digitalmente nas redes da internet.

O que estaria o Correio Braziliense sugerindo a seus leitores(as) com a foto publicada na capa do jornal?

Nela está a maior autoridade da República brasileira, no palanque oficial, rodeada de outras autoridades constituídas, assistindo ao desfile da data símbolo da pátria brasileira: o 7 de setembro, dia de nossa independência.

A foto foi cuidadosamente selecionada, entre centenas de outras disponíveis. É, portanto, legítimo concluir que havia, sim, uma intenção orientando a escolha.

O jornalista que fez a edição da foto para o Correio Braziliense (e respondeu a meu e-mail sobre as razões da escolha) a considerou excelente e a melhor ilustração para o noticiário político do dia. (grifos deste blog)

Credibilidade da democracia

Para além da partidarização inequívoca da grande mídia brasileira e diante de exemplos sucessivos, parece que ela não está sendo capaz de fazer uma distinção fundamental, sobretudo agora, em tempos de campanha eleitoral: a distinção entre o ritual dos cargos públicos, os símbolos nacionais, a institucionalidade da política, dos políticos, dos ocupantes dos mais elevados cargos públicos da democracia representativa brasileira; e sua opinião/posição (dela, grande mídia) em relação a esses eventuais ocupantes.

As consequências dessa “não-distinção” podem ser trágicas para a própria democracia. Ao se desrespeitar reiteradamente eventuais ocupantes de altos cargos públicos, inclusive em fotos com insinuações inconfessáveis, esse desrespeito é transferido para as instituições e a credibilidade da própria democracia. Como mostrou há décadas a professora Maria do Carmo Campello de Souza, “o teor exclusivamente denunciatório de grande parte das informações [dos meios de comunicação] acaba por estabelecer junto à sociedade (...) uma ligação direta e extremamente nefasta entre a desmoralização da atual conjuntura e a substância mesma dos regimes democráticos”.

No atual nível de partidarização da grande mídia brasileira, não há solução de curto prazo para que se desfaça esta confusão nefasta. A cobertura adversa e a desqualificação da politica e dos políticos é sua pauta preferencial. Resta torcer para que a democracia representativa brasileira sobreviva a uma grande mídia que, apesar de se apresentar como sua principal defensora, corrói, cotidiana e reiteradamente, seus fundamentos mais caros.

A ver.

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Venício A. Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e organizador de Para Garantir o Direito à Comunicação – A Lei Argentina, o Relatório Leveson e o HGL da União Europeia, Perseu Abramo/Maurício Grabois, 2014; entre outros livros