Murilo Cleto: O ovo da serpente

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No texto a seguir, Murilo Cleto poderia relacionar fascistas atacando o velório de Dutra, fascistas perigosos e armados acampados no Congresso Nacional, com anuência de Cunha, que atiraram contra a Marcha de Mulheres Negras.... o que não faltam são exemplos de barbárie até agora impunes. E aí reside o verdadeiro risco à democracia. A impunidade desses criminosos.

Por Murilo Cleto em seu Facebook

fascistas

Ontem foi Chico. Anteontem Mantega, Ananias e até skatistas que cruzaram, sem querer, uma manifestação em verde e amarelo em Copacabana. “Casos isolados”, eles dizem.

Tenho observado nos últimos tempos um caminhão de gente ocupada em desconstruir a ideia de que existem forças proto-fascistas se organizando no país. A reação tem muito a ver, claro, com parte da elite governista que insiste em classificar toda oposição como fascista. E ela não é. Mas algumas observações são necessárias porque muito me preocupa esse interesse em negar que esse ovo esteja sendo chocado por aqui. Em Era dos Extremos, Hobsbawm enumera 3 modalidades de reacionarismo convertido em Estado: 1) Autoritários ou Conservadores Anacrônicos; 2) Estatismo Orgânico; e 3) o Fascismo propriamente dito.

O que todos eles tinham em comum entre as décadas de 1920 e 1940? Todos eram contra a revolução social. Eram, na verdade, uma reação contra a subversão da velha ordem social entre 1917-20. Todos eram autoritários e hostis a instituições políticas liberais. Nem todos proibiam todos os partidos, mas alguns. Autoritários ou conservadores orgânicos são um exemplo. Destaco Franco, na Espanha. Eles não tinham um programa ideológico particular. Além do anticomunismo e dos preconceitos mais ou menos comuns de classe, claro. Já o estatismo orgânico resiste ao individualismo liberal e ao trabalhismo/socialismo. Há também uma nostalgia da velha ordem social da Idade Média, tida como orgânica e melhor que a contemporânea.

O fascismo é muito mais complexo, fundamentalmente, por ter programas próprios. Há paradigmas muito mais claros que simplesmente rejeições. Mas, de novo, o que todos eles têm em comum? A rejeição profunda aos valores trazidos pela herança iluminista. Dentre eles, o socialismo. Essa rejeição, destaque-se num parênteses, é paradoxal porque regimes fascistas partiram de princípios cientificistas pra pregar supremacia. Mas o mais importante aqui é a ideia de que estes valores subverteram a ordem orgânica do mundo. Faço questão de destacar esse aspecto. Porque, no Brasil contemporâneo, o que mais tem é gente cegamente crente na ideia de que:

1) o socialismo está no poder;

2) subverteu os valores orgânicos da sociedade brasileira;

3) Direitos Humanos, invenção fundamentalmente liberal, são pra proteger bandido.

Há sim, evidentemente, muitas aproximações entre socialistas e fascistas, sobretudo no que diz respeito aos totalitarismos. Mas a questão é que o pensamento reacionário não está preocupado com programas econômicos, mas com valores. Problema, pros fascistas, era a mulher sair de casa pra trabalhar. Isso é um valor moral. Porque, quer dizer, a economia, pensando numa dimensão liberal, ganha com isso. As questões morais de hoje não mais as mesmas de ontem. Mas essa crescente sensação de subversão de valores hoje é preocupante.

E eu tenho algumas perguntas sinceras a fazer: o que esses grupos que se dizem liberais, como o MBL, têm a sugerir pro fim da corrupção? Porque, veja, eles só falam disso. Não vem com esse papo pra mim que são liberais porque isso é motivo de piada pra qualquer ajuizado. Então qual é o programa pra acabar com a corrupção? Extinguir o PT? Sério que esse é o projeto? Em 13 anos -- eu disse 13 anos --, qual é o programa da oposição pro país? Insisto, a pergunta não é retórica. Os intelectuais liberais do país praticamente desapareceram no meio desse lamaçal. Vocês têm visto Eduardo Giannetti com frequência? Eu não. Então eu gostaria muito que vocês observassem com mais rigor as publicações desses grupos que estão pautando o grosso da oposição. E, claro, o comportamento nessas manifestações. Lembram do menino linchado em Copacabana? Eles falavam, em tom de deboche, em Direitos Humanos. E uma senhora gritava sobre "inversão de valores" enquanto o moleque levava socos, xingamentos e até incentivos para que fosse metralhado -- sim, metralhado.

Neste momento, era pra oposição estar apresentando seu programa e não discursando num caminhão do Revoltados On Line. Foram 13 anos pra construí-lo. 13. Eu disse 13. Este era o momento, aliás, de FHC e Lula aparecerem pra dizer "pessoal, agora parou que tá feio". Mas isso não vai acontecer. Primeiro porque ambos entraram no jogo eleitoreiro e têm falado tanta besteira que, mesmo se o fizerem, ninguém vai dar a mínima.

Tudo é fascismo? Claro que não. Mas negar que o ovo da serpente esteja sendo chocado e que existe potencial fascista nesta violência que já deixou de ser exceção faz tempo é uma falta de juízo imperdoável. Só espero que não percebam isso quando já for tarde demais. Grande abraço e que todos tenham bastante o que refletir neste Natal e na despedida deste tresloucado 2015.