Randolfe Rodrigues: "O Psol sozinho não será protagonista de uma alternativa para o futuro"

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É de se comemorar a postura de lideranças do PSOL diante da crise política no país. Em vários momentos essas lideranças fizeram coro à direita e à mídia na crítica seletiva ao PT. O que vemos hoje é um discurso maduro, de análise de conjuntura e disposição pra enfrentar o crescimento das forças fascistas. Que se fecunde esta postura entre as lideranças de esquerda no Brasil. 

'O naufrágio do PT levará toda a esquerda a uma fragorosa derrota'

Quem diz isso é o senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP), iniciado na política via Partido dos Trabalhadores e comunidades eclesiais de base. O resultado, segundo ele, será o fortalecimento dos setores conservadores, que têm como principal representante o presidente da Câmara, Eduardo Cunha

Por: Edla LulaJosé Negreiros, no Brasil Econômico 01/06/2015
"Esse senhor Eduardo Cunha tem que ser detido. Representa tudo o que não presta na política brasileira (...) Onde tem retrocesso e ameaça a direitos, ali está ele”, diz o senador Randolfe Rodrigues. Foto:  Joel Rodrigues

Iniciado na política pelo PT e formado pelas Comunidades Eclesiais de Base, o senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP) diz que a saída contra a crise e o crescimento do conservadorismo passa pela coalizão de forças progressistas democráticas e populares: “Engana-se quem pensa que o naufrágio do PT é solitário. É um naufrágio que levará toda a esquerda a uma fragorosa derrota”. Randolfe prega uma posição clara frente a “esse movimento de viúvas de regime autoritário” e diz que o principal agente do conservadorismo é “o sr. presidente da Câmara dos Deputados”, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O senador elogia a competência técnica do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, mas acha que ele está no lugar errado: “Levy é um técnico muito competente no mercado financeiro, não para o setor público”.

Que saída o sr. vislumbra para a situação que temos hoje, de governo fraco e falta de alternativas?

Faço primeiro a constatação de que nós vivemos uma crise gravíssima de vários precedentes e de diferentes matrizes no Brasil: há uma crise política, uma crise econômica e uma crise moral. A constatação de que há esta crise moral e ética é o fato de as pessoas não acreditarem em instituição alguma, nem nos políticos. E temos que admitir que há uma responsabilidade direta do Partido dos Trabalhadores nos contornos desta crise. Temos que reconhecer que vamos ter 16 anos pelo menos de um governo que se inaugurou como de centro-esquerda. E que nesse período houve uma parcela da sociedade brasileira que ascendeu devido principalmente ao consumo. Mas esse foi o principal erro da esquerda conduzida pelo PT. A ascensão pelo consumo não educa. O PT nasceu como um partido educador e transformador. A ascensão econômica, principalmente pelo consumo, resultou no que nós estamos vivendo hoje, que é a maior ofensiva conservadora da história desde o golpe de 64. Ascendemos ao poder com um projeto de poder, e não com um projeto de sociedade. Aqueles que ascenderam pelo consumo são os mesmos que hoje batem panelas e fortalecem a onda conservadora contra o PT. Vivemos hoje a maior crise da esquerda brasileira desde o golpe de 64.

Ao cometer erros na economia, o PT fomentou o panelaço?

O PT tem que fazer a autocrítica dos erros cometidos nesses 12 anos. Ao passo que temos que reconhecer os seus méritos, como a ascensão de uma nova classe média e de uma parcela da camada mais pobre que nunca tinha tido direitos, principalmente nos anos do PSDB. Essa polarização PT-PSDB que está aí desde a redemocratização tem que se esgotar. O próprio PT está dando sinais de esgotamento. Os dois partidos se constituíram no nascimento da redemocratização como duas referências inovadoras na política brasileira — o PSDB com uma proposta social-democrata, assim como o PT, na sua evolução — e acabaram naufragando em seus próprios erros. Os erros do PT e do PSDB são verso e contraverso da mesma moeda: se no PT tem o escândalo do mensalão, no PSDB houve o escândalo da reeleição. Foi um outro mensalão que não teve na grande mídia a mesma repercussão do mensalão petista, mas que foi também um escândalo. O PSDB fez um giro lamentável para a direita nos anos 90.

Qual a saída que o seu partido, o Psol, apresenta para o futuro?

O Psol sozinho não será protagonista de uma alternativa para o futuro. Diante desta crise, a alternativa tem que ser de uma coalizão de forças progressistas democráticas e populares. O Psol pode e está cumprindo o seu papel, mas sozinho não cumprirá. O Psol não pode se achar o dono da verdade absoluta e a alternativa redentora da esquerda. O PT outrora assim se propunha, e deu no que deu. O Psol tem que ter a humildade de aceitar ser parte de um todo. Temos que unir os diversos setores da sociedade.

Quem comporia essa coalizão?

Tarso Genro, Lindbergh Farias, Walter Pinheiro e Paulo Paim são pessoas que têm posições criticas dentro do próprio PT. Considero fundamental dialogar com personalidades como Roberto Requião (PMDB-PR). Um amigo e irmão que é uma importante liderança política é o Pedro Simon (PMDB-RS). Temos que buscar esses atores. Temos que ter a clareza de que é necessário dialogar com amplos setores, com o PCdoB e setores do PSB. Eu vejo o PSB em um processo de fusão caminhando na direção da direita. Mas existem pessoas descontentes dentro do PSB, como o ex-presidente Roberto Amaral, a deputada Luiza Erundina (SP), a senadora Lídice da Mata (BA), o deputado Glauber Braga (RJ). A alternativa não estará em um só ator nem em um só partido político.

Já existe um movimento mais amplo formado por pessoas e instituições que assinaram um manifesto contra a política econômica...

Nós, do grupo dos 11 senadores, subscrevemos esse manifesto e constituímos o movimento aqui no Senado para receber o que estava vindo com a insatisfação da sociedade civil. Boa parte desse movimento apoiou a presidenta Dilma Rousseff no segundo mandato. A CUT, o MST e intelectuais como Ladislau Dowbor prepararam o manifesto criticando as opções políticas, e em especial as opções econômicas do segundo mandato da presidenta Dilma. Esse é o caminho, quero estar conectado com isso. A ideia é fazermos um segundo manifesto para ser divulgado dentro em pouco. Vamos combinar: o ministro Levy seria ótimo para um governo do PSDB ou do DEM, mas não para um governo que fez campanha à esquerda, prometendo avançar em mudanças já ocorridas. Esse avanço jamais poderia ser com um ministro da Fazenda vindo do Bradesco.

Que problemas que o sr. vê nisso?

Na campanha foram corretamente criticadas as escolhas políticas de Marina e de Aécio de terem assessores econômicos ligados aos grandes bancos. Estamos há 20 anos vivendo um momento em que só banco ganha. A indústria retrocedeu 3% no último trimestre, o desemprego está em 6,8%. Essas medidas de ajuste fiscal só vão ampliar o fosso da desgraça para os trabalhadores. Segundo o Dieese, somente a ampliação do prazo no acesso ao seguro-desemprego vai deixar quase 4,5 milhões de trabalhadores sem emprego no decorrer do ano. É paradoxal: no momento em que o desemprego aumenta, dificulta-se o acesso ao seguro. Essas medidas de ajuste fiscal não apontam horizontes. O pior — para as pessoas, para o país e para uma geração — é não ver horizonte adiante. O pior dessa situação é que o caminho natural é aprofundar a recessão. Quando se retiram investimentos, com o corte de R$ 69,9 bilhões do orçamento, se reduzem direitos trabalhistas, aumenta a taxa de juros, enfraquece-se a indústria. Cria-se um ciclo vicioso que vai levar o ano de 2015 à recessão e vai entrar em 2016 nesta circunstância. Engana-se quem pensa que o naufrágio do PT é solitário. É um naufrágio que levará toda a esquerda a uma fragorosa derrota e levará ao fortalecimento dos setores conservadores.

Quais as alternativas?

Primeiro tem que parar de falar do imposto sobre grandes fortunas, e fazer o imposto. O governo tem que mandar para o Congresso essa proposta. Os cálculos que projetam a arrecadação com o imposto sobre grandes fortunas apontam para R$ 90 bilhões. O arrocho fiscal contra os trabalhadores não chegou a R$ 20 bilhões. A operação Zelotes mostrou que o total das fraudes resultaria em R$ 20 bilhões tirados dos cofres públicos. O senador Otto Alencar (PSD-BA) falou muito corretamente que pode começar a cobrar imposto do pessoal que está na Avenida Paulista, que não será necessário punir os trabalhadores. A CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) de empresas poderia ser ampliada. A taxação dos bancos também. O que não pode é a conta sempre cair no lado mais fraco.

Se o sr. estivesse na cadeira da presidenta, o que faria?

Reconheço que o Brasil virou o ano com um déficit acima da média, de 6,7% nas contas públicas. É bom que se diga que esse déficit se deve aos erros do próprio governo, como aquela medida de desonerar o grande capital. Se eu estivesse no lugar da presidenta, faria um diálogo nacional, colocaria a situação e faria a autocrítica dos erros cometidos. Tem que ampliar a CSLL, aumentar a taxação dos bancos, ampliar o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e até criar uma taxação sobre a movimentação financeira para os ricos. Criamos a CPFM, que atingiu a classe média, mas tinha que haver uma taxação direta sobre esses setores. Não dá para entender porque aumentou a taxa de juros no Brasil. Ampliando a taxa de juros, amplia-se o estoque da própria divida. Contenção de inflação não se faz com ampliação de taxa de juros. Temos que acabar com essa receita de uma nota só, ortodoxa. Toda vez, para conter a inflação, aumenta-se a taxa de juros. Isso só beneficia os bancos. A inflação é de dois tipos. Há a inflação de preços administrados, que o governo tem como controlar, e a de safra. O que a taxa de juros altera no preço administrado e na safra? Vai fazer chover mais?

O sr. faz críticas a Levy e ao mesmo tempo fala dos erros do primeiro mandato, em que a Fazenda foi conduzida por Guido Mantega, heterodoxo... 

Não questiono a competência do atual ministro da Fazenda. Levy é um técnico muito competente para o mercado financeiro, mas não para o setor público. Ele tem a perspectiva de uma escola que ficou conhecida como “Chicago boys” (alunos de Economia da Universidade de Chicago, influenciados por Milton Friedman, para quem a principal causa da inflação era de origem monetária), uma escola que adota modelo de redução do Estado e modelos econômicos cuja regra tem sido o fracasso. A faculdade de Economia da Universidade de Chicago forma para o mercado financeiro. Não critico as medidas de crescimento do ministro Mantega. Critico e acho que foi um erro a desoneração das grandes empresas. Houve também outras medidas que ocorreram artificialmente, uma delas foi a questão energética. Houve uma sustentação artificial dos preços da energia, quando não tinha como sustentar. Houve o problema da corrupção na Petrobras, onde o principal problema foram decisões temerárias. Adoraria uma refinaria no Amapá, mas as refinarias que o governo inaugurou não tiveram rentabilidade nenhuma. Os investimentos da empresa criaram o déficit de caixa da Petrobras, que também tem consequências no déficit do país.

O primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, adotou medidas ortodoxas e foi reeleito...

A vitória do Cameron tem suas próprias contradições. O partido conservador alcançou a maioria sozinho. Mas tem o fenômeno em que o segundo partido é o Partido Nacional Escocês, e daqui a pouco vai voltar à pauta o tema da separação da Escócia. E o Cameron ainda não adotou as medidas recessivas de diminuição do Estado. Eu quero trazer à tona a questão da Europa, que tomou medidas recessivas e o efeito foi contrário. A Espanha está afundando e o Podemos (partido espanhol de esquerda) poderá ser a alternativa política. Na Grécia, as medidas ortodoxas levaram o país ao fundo do poço e, por isso, Syriza ascendeu por lá. A França tem crescido pouco e está caminhando para a recessão. Os EUA tomaram medidas keynesianas e optaram por um caminho diferente com o Obama, e estão retomando o crescimento. A China tem uma poupança enorme, que até quer trazer para cá. Na Europa e na América Latina, estamos tendo retrocesso, e não crescimento, porque boa parte dos países está agora adotando a ortodoxia.

Como o sr. vê esse movimento conservador, que cresce também no aspecto moral e político, com propostas como a redução da maioridade penal e a rejeição ao casamento de pessoas do mesmo sexo?

O movimento conservador tem um prócere no Congresso Nacional que se chama Eduardo Cunha (deputado federal, presidente da Câmara, PMDB-RJ). Se tem alguém que representa o atraso do atraso do atraso, é o senhor Eduardo Cunha. Esse senhor Eduardo Cunha tem que ser detido. Representa tudo o que não presta na política brasileira. Entrou na política pelas mãos de PC Farias, personagem de um dos piores escândalos da história do país. Onde tem coisa ruim, o Eduardo Cunha está. Onde tem retrocesso e ameaça a direitos, ali está ele. E onde tem corrupção, está lá ele. Ele pensa que faz tudo na República. Ameaça o procurador-geral, recusa-se a ser investigado, pensa que está acima de tudo e de todos. Extorque e chantageia governos. Temos que ter uma posição clara em relação a esse movimento ultraconservador de viúvas de regime autoritário. Eles têm representação dentro do Congresso e não é só o PSDB. O principal agente de oposição ao governo e de fortalecimento desses movimentos conservadores é o senhor presidente da Câmara.

E o confronto aberto entre o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e a presidente Dilma?

O Legislativo tem que ser independente. Essa independência não pode ser circunstancial. Quero que o presidente do Senado continue numa linha de fazer frente aos projetos que são contra os trabalhadores. Ele se colocou contra o ajuste fiscal. É importante essa postura também em relação à terceirização. Existe uma diferença entre a posição de Renan e a do presidente da Câmara, que é claramente de chantagear o Executivo.

Renan não chantageia?

O presidente do Senado tem uma chance importante agora para sua biografia, de se redimir dos erros e pecados do passado. Torço para que essa postura que ele inaugurou seja mantida. Significa nem tanto ao céu, nem tanto à terra, sem ofensa ao Executivo, mas com independência. O desafio para o presidente do Congresso é manter essa postura. Não votei nele para presidente do Senado, votei no Luiz Henrique. Mas se ele mantiver uma postura que seja de independência, resguardando os direitos do plenário, como deve proceder um magistrado do Congresso, ele se redime de erros e pecados cometidos em sua trajetória. Renan tem uma chance importante agora de não se misturar com Cunha. Ele pode tomar atitudes inversas às que tem tomado Cunha, que declarou guerra ao procurador-geral da República por estar sendo investigado.

Como analisa a maneira como o presidente da Câmara conduziu a votação da reforma política?

Foi o exemplo concreto de como ele representa tudo o que há de atraso. Ele usou uma manobra regimental para passar duas questões de seu interesse no Congresso. Depois de ter sido derrotado, conseguiu passar o financiamento privado de campanha na reforma política e também incluiu como contrabando na MP 668 o “parlashopping”, com o claro interesse de atender ao interesse privado. Essas são duas manobras que retratam o que ele representa. Por isso que eu reitero: Eduardo Cunha é o escárnio à Nação. A reforma política que ele propõe é uma contrarreforma, é recessiva, contra o que temos de democracia. Ele propunha distritão, uma coisa que só tem em três lugares do mundo. Ele quer, a todo custo, institucionalizar o financiamento privado de campanha. Se o Cunha diz que é inocente da Lava Jato, propor a institucionalização do financiamento privado é a confissão de culpa.

Qual seria a reforma ideal?

Estou apostando muito em propostas que a Coalizão por uma Reforma Política e Democrática (constituída por movimentos sociais liderados por CNBB e OAB) apresentou. São as melhores para aperfeiçoamos a democracia. O voto proporcional em dois turnos é mais adequado porque mantém o princípio da proporcionalidade e acaba com aquela história de uma personalidade eleger outros que não têm votos. Segundo, o Congresso tinha que ter a coragem de acabar com o financiamento privado de campanha, mas acho que isso não vai acontecer nunca. Essa seria a mãe de todas as reformas: acabar com o financiamento privado, que hoje tem sido pai e mãe de todos os escândalos de corrupção. Outra coisa, os partidos pequenos têm que ter a vocação de crescer. É inadequado termos uma disputa presidencial em que tenha candidato levando para o debate órgão sexual, como houve na última disputa presidencial. É preciso colocar um freio de arrumação nos partidos de aluguel. O Psol e o PCdoB têm que compreender que eles têm que crescer. Não podem conviver no mesmo grupo e plêiade de partidos que colocam preço a cada eleição.

Na MP que restringiu o abono salarial, a vitória do governo foi apertada. Como o sr. analisa essa forte reação ao governo?

É um equilíbrio de forças. A boa nova de tudo isso é uma dissidência, formada por um grupo parlamentar progressista de esquerda, suprapartidário, que está fazendo diferença. Cumpriu o seu papel de pressionar o governo e se posicionar contra as propostas. Fico mais à vontade por estar na companhia desses 11 parlamentares, gente como Walter Pinheiro, Paulo Paim, o PSB de Lídice da Mata, do que ao lado do PSDB ou do DEM. As lideranças desses dois partidos não têm coerência para criticar medidas contra o trabalhador. Durante o governo do PSDB, houve medidas de igual gravidade contra os trabalhadores. Nenhuma liderança do DEM tem condição de falar contra a retirada de direitos dos trabalhadores. O DEM é herdeiro do PDS e do PFL. Era o partido base do Centrão (frente parlamentar conservadora), contra os trabalhadores na Constituinte.

Como católico, qual a sua posição diante de temas defendidos pelos conservadores?

Para a Igreja Católica, a melhor coisa que surgiu nos últimos tempos foi o Papa Francisco. Ele foi a salvação de uma Igreja enquanto comunidade. Nos últimos anos, houve um retrocesso enorme com as teorias mais conservadoras avançando na Igreja. O Papa Francisco faz a redenção da Teologia da Libertação. Fez a beatificação de Dom Oscar Romero, iniciou o processo para beatificar Dom Hélder Câmara, que são referências de uma igreja voltada aos pobres. As concepções que estão querendo colocar na pauta conservadora da Câmara sequer dialogam com a identidade cristã. Elas dialogam com o ódio. Se dizem concepções religiosas, mas são fundamentalistas. Não acredito em um Deus que só pensa no castigo.

Os movimentos das ruas em 2013 já sinalizavam esse conservadorismo?

Se em 2013 o governo tivesse dado respostas e apontado caminhos, não haveria esse retorno às ruas agora com bandeiras conservadoras e alguns com proclamações fascistas e pedidos de intervenção militar. O movimento de 2013 pelo menos tinha um quê de progressista, porque exigia direitos legítimos, como mobilidade, educação e saúde. Mas não houve resposta concreta. Hoje quem continua mandando no sistema de transporte no Brasil são os mesmos empresários de ônibus de sempre.

Os cinco pactos propostos pela presidenta foram esquecidos?

Dos cinco pactos, o único que eu saúdo e acho que avançou foi o Mais Médicos. Mas deveria haver outros passos, como a ampliação dos investimentos em saúde, aprovar os 10% da Receita Bruta do Orçamento para saúde. Ainda padecemos de uma chaga que são os 9% de analfabetos na população brasileira. Um governo progressista e transformador, como se propunham a ser os dois governos do PT, deveria ter feito o crescimento pelo consumo, mas não poderia abrir mão de um pacto para até 2015 declarar o Brasil livre do analfabetismo. É uma medida simples, mas transformadora. Vamos sair desse governo de centro-esquerda com o seguinte ensinamento: não adianta promover as massas somente pelo consumo, se não tiver um projeto transformador de sociedade.

Que líderes políticos o sr. acha que representariam esse projeto transformador?

O Lula se constituiu como a principal liderança da esquerda não só pela sua história, mas também pelos seus governos. Mas existe hoje um desgaste enorme do PT, que pesará sobre ele também. Aécio enfrentará no PSDB o Alckmin, que está construindo sua candidatura presidencial. Há espaço para alternativas, mas se configura um quadro de escassez de lideranças. Por isso, a alternativa será a busca conjunta dos setores que se identificam com a esquerda.

E Marina e o PSB, que tiveram quantidade expressiva de votos em 2014?

O crescimento do PSB em 2014 foi em torno de Marina, que aparentemente não está umbilicalmente conectada com o partido. Ela vinha de outro projeto que era a Rede. Criei condições para apoiar a Marina, caso ela fosse para o segundo turno. Como não foi, opinei que o melhor apoio não seria o PSDB. O apoio à candidatura do PSDB jogaria fora a alternativa de terceira via. Foi um erro dela o apoio à candidatura do PSDB. A posição mais adequada seria a de independência, para manter viva uma alternativa da terceira via.

O sr. é relator da CPI do HSBC. Por que as discussões estão paradas?

Vão avançar agora. Conseguimos marcar para esta semana o depoimento de Henry Hoyer, que hoje está ligado à Operação Lava Jato (era um dos operadores do esquema de corrupção na Petrobras, junto com Alberto Youssef) e teve sua conta também relacionada no HSBC. Temos pouco material, mas temos os elementos necessários para que a CPI avance. O caso do HSBC não é um escândalo qualquer. É o maior escândalo de evasão fiscal do mundo. E o Brasil é o protagonista desse escândalo. É o quarto em número de correntistas e o nono em movimentação financeira. A movimentação financeira no Brasil é superior às dos xeques da Arábia e de uma centena de outros países. O que apuramos até agora com o depoimento de especialistas e do secretário da Receita Federal (Jorge Rachid) é que nós temos uma rede de depósitos de contas no exterior. O Brasil não tem controle quase nenhum sobre isso. Só nesta agencia do HSCB na Suíça, são US$ 7 bilhões.