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As revelações dos bastidores das empresas do magnata da mídia, Rupert Murdoch, têm sido muito interessantes para desvelar os métodos e padrões éticos das organizações de comunicação.
Há muito tempo que o vale-tudo neste setor tem sido utilizado como verdadeiro manual das redações. Em nome do interesse do veículo e daqueles que se beneficiarão em nome do veículo, pseudo-jornalistas têm autorização para agir como bestas-feras e destruir reputações.
E não é só na terra da rainha, onde o esgoto está subindo pelos ralos, que a podridão campeia. No Brasil, há casos e mais casos de denúncias baseadas em investigações a partir de métodos criminosos. Afora casos de reportagens inventadas sem sequer uma fonte em on ou qualquer documento que ateste veracidade.
Alguém aí lembra dos dólares cubanos enviados em garrafas de uisque para a campanha de Lula? E das contas bancárias que Lula e Gushikem teriam no exterior?
Aliás, alguém leu um único pedido de desculpas a Luiz Gushiken depois que ele foi absolvido no caso conhecido por mensalão por conta da fragilidade das acusações contra ele?
Mas precisamos sair do terreno das contestações e passar a discutir quais seriam as saídas para isso. E só há uma: a regulação dos meios de comunicação.
O que está longe de ser censura, mas que faz com que muitos atores políticos borrem as botas por conta da pressão que sofrem quando o tema entra em pauta.
E isso não acontece só no Brasil.
O artigo abaixo, de Jonathan Powel, que foi secretário de Tony Blair, é ilustrativo dessa relação mídia x políticos. É importante lê-lo para refletir se o PT daqui não está cometendo (guardadas as devidas proporções) os mesmos erros que o PT (Partido Trabalhista) Britânico.
Partido Trabalhista e a Imprensa: "Esta foi uma batalha pelo poder que jamais conseguiríamos vencer"
por Jonathan Powel, que foi secretário do Gabinete de Tony Blair (1997-2007) . Publicado no Guardian, UK, e traduzido para o português pelo pessoal da Vila Vudu (via rede Castor)
Não escrevo para me desculpar pelos esforços que o Novo PT [orig. New Labour] fez para aproximar-se de Rupert Murdoch e de LordRothermere em 1994. Passáramos 18 anos na oposição, em parte porque não tínhamos nenhum tipo de cobertura que nos preservasse do massacre diário dos tablóides conservadores. Tentar nos aproximar de pelo menos alguns deles foi estratégia razoável. Políticos só sobrevivem se conseguem fazer-se ouvir pela opinião pública, e tem de ser pela imprensa. Mas aprendêramos bem as lições do tempo em que estivemos na oposição, e, chegados ao governo, nos preocupavam muito os barões da mídia, sobretudo na Europa.
Gordon Brown decidiu que o “primeiro turno” que tinha de vencer, se quisesse chegar à liderança do PT seria aproximar-se de Murdoch e chegou a tentar usar a boa vontade que então recebia de Murdoch e de Paul Dacre, editor do Daily Mail, como alavanca para tirar Tony Blair do n. 10 da rua Downing. David Cameron seguiu essa escrita, e cultivou assiduamente uma nova geração de Murdochs, mobilizando-os contra o Brown.
Esse tipo de relacionamento entre políticos e a imprensa continuará, aconteça o que acontecer a Murdoch, a menos que se façam mudanças num plano muito mais fundamentalmente importante que o futuro financeiro da empresa News International. Em junho de 2007, Tony Blair fez cuidadoso discurso no qual falou dos problemas e ofereceu soluções. A imprensa desmantelou o discurso, porque a imprensa não tem nenhum interesse em nenhuma discussão séria sobre... a imprensa.
Assumo que nos deixamos apanhar na arapuca da “crítica” que a imprensa nos fez, porque deixamos aquele discurso para muito tarde, quando o mandato de Tony já chegava ao fim. Erramos por medo da vingança da imprensa e por um erro inadmissível nos contatos com a “mídia”: apresentamos a própria “mídia” como besta fera sem escrúpulos. Já deveríamos saber, àquela altura, que os jornalistas, colunistas e “analistas” destacariam a “acusação”, apagariam o resto do discurso e calariam os argumentos que não lhes fossem favoráveis.
No governo, pensamos na possibilidade de tomar passos radicais, para por em novas bases o relacionamento com a imprensa. Em 2002, encomendamos a especialistas um estudo sobre novas regras de conduta para a imprensa, que poderia vir a ser lei; um projeto de lei para impor limites à propriedade de empresa de comunicação. Em discurso de 2006, a Rainha introduziu reflexões sobre algumas daquelas medidas. Mas recuamos, nas duas ocasiões, por causa do massacre incansável que sabíamos que aquelas medidas enfrentariam na imprensa. E não podíamos confiar no apoio da oposição (sequer podíamos confiar no apoio dos nossos!) por causa dos desesperados elogios que Gordon fazia a Dacre e Murdoch. No final, entendemos que era uma guerra pelo poder e que não tínhamos meios para vencê-la.
A raiz do problema é a impermeabilidade da imprensa a qualquer controle. E a total impunibilidade. A razão pela qual os jornais de Murdoch e outros podem invadir contas bancárias, plantar jornalistas seus empregados em todos os cantos do governo, de onde podem roubar documentos, vasculhar latas de lixo e agendas pessoais de políticos e celebridades em geral e interceptar telefones de cidadãos comuns é porque (1) nada lhes acontece e (2) há uma ideologia de legitimação desses atos (os jornalistas estariam ‘fiscalizando’ o poder). Costumávamos perguntar aos jornalistas dos jornais dominicais, por que haviam publicado matéria que sabiam ser forjadas. Eles riam e respondiam que “era uma grande matéria”. Quando, depois, se comprovasse que a matéria fora forjada, nada aconteceria nem ao jornalista nem a empresa que o emprega: já haveria outras notícias, o mundo anda, ninguém seria punido. Uma ou outra condenação judicial de jornais ou jornalistas vira tabu, que nenhum jornal publica.
Dacre diz que, diariamente, é julgado pelos leitores. Bobagem. Quase dois milhões de pessoas compraram o News of the World depois de o jornal já estar exposto pela prática de vários crimes, como se fosse edição “normal” do jornal do domingo a que estavam habituados.
A Comissão de Autorregulação da Imprensa, fundada pelos barões da imprensa e presidida pelo próprio Dacre e outros editores, já comprovou que é incapaz de manter qualquer tipo de fiscalização dos crimes que a própria imprensa comete. Assim sendo, por que não examinamos soluções encontradas em outros países? A resposta automática é que queremos preservar nossa tradição de imprensa livre. Mas a Alemanha criou leis que asseguram pleno direito de resposta. Alguma imprensa ficou menos livre, por algum caluniado ter-se defendido? As televisões seriam talvez menos livres, se fossem fiscalizadas e cobradas quando não fossem imparciais? Países nos quais se respeitam as leis que protegem a privacidade dos cidadãos seriam por acaso menos democráticos? Claro que não.
Em todas as ditaduras, a imprensa é controlada pelo favor do ditador: só o próprio ditador e seus amigos oligarcas podem ser proprietários de empresas de comunicação. Ou assassinam-se jornalistas independentes. Nenhuma ditadura controla a imprensa por leis aprovadas democraticamente. A própria ditadura controla a imprensa. É exatamente o mesmo mecanismo que se vê em países ‘livres’!
Será que o juiz Levenson, que presidirá o inquérito do escândalo Murdoch terá coragem para sugerir as medidas que tornarão a imprensa britânica mais transparente ao controle social? Não, se, antes, conversar com Brian Hutton.
Lord Hutton supunha que tivesse sido chamado a presidir inquérito sobre a morte de David Kelly como juiz imparcial. Analisou as provas, ouviu as testemunhas e chegou a sentença justa. Foi quando a imprensa, que até ali o elogiara pela condução equilibrada do inquérito, não gostou da sentença. E a imprensa virou-se contra ele. Foi pessoalmente atacado, foi acusado de ter julgado movido por instinto de vingança. Depois daquele inquérito, nunca mais nenhum juiz atreveu-se a condenar ou absolver quem a imprensa não quisesse ver absolvido ou condenado.
Já houve inúmeras comissões nomeadas pela Rainha e grupos de exame da imprensa na Grã-Bretanha, mas nenhuma conseguiu alterar a equação básica. Duvido que batalhas pelo poder político possam ser decididas em inquéritos ou em relatórios de comissões de notáveis, por melhores que sejam.
Ainda que o inquérito não nos traga qualquer resposta, é possível que alguma solução apareça bem antes do que esperam os barões da imprensa. Pode vir das novas tecnologias. Na internet, o jornalismo impresso e a televisão estão-se misturando, Os jornais online são fartos de conteúdos em vídeo. Na Grã-Bretanha, as televisões online não são reguladas. O jornal BBC News online já é o jornal mais lido do país. Novas fontes de informação, híbridas, ganham cada vez mais leitores entre os mais jovens. Na medida em que cresça essa convergência, cada vez menos sentido haverá em dois sistemas de regulação.
O mais provável é que o advento do blogueiro, muito mais que alguma condenação (ou absolvição) de Murdoch, consiga pôr fim à suja mistura em que vivemos hoje, de política e barões da imprensa.
A edição final do News of the World vendeu 1,5 milhão de cópias extras. Foto: Mike Kemp / Mike Kemp / In Pictures / Corbis |
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