A polêmica das biografias e a censura artístico cultural

A polêmica entre músicas e biógrafos a respeito da produção de biografias faz parte de uma nova modalidade de censura, a artística cultural

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[caption id="attachment_13772" align="alignleft" width="188"] Pela lei, se a família do Chatô não gostasse, esse livro do Fernando Moraes não existiria. E aí, Chico Buarque, isso não é censura?[/caption] Um movimento denominado Procure Saber, liderado por Paula Lavigne e do qual participam Caetano e Chico Buarque, entre outros grandes músicos, colocou mais vinte centavos na conta de uma nova modalidade de censura que vem se instalando no Brasil, a artístico cultural. Ela é patrocinada por um grupo que foi um dos que mais sofreu com a censura política da ditadura militar e tem por objetivo restringir a circulação da produção cultural aos desígnios do criador individual. Agora, essa modalidade de censura ganha um novo contorno, biografar a vida de uma pessoa também entraria na categoria da exploração da sua obra. A produtora Paula Lavigne é a maior expoente deste grupo no atual momento, mas quem melhor representou este discurso nos últimos tempos foi a ex-ministra da Cultura, Ana de Hollanda. Ao assumir o ministério, ela retirou o selo do Creative Commons do site dizendo que “era uma marquinha, uma propagandinha de um serviço que uma entidade promove”. Ana de Hollanda orgulhava-se de defender a “classe artística”. Mas o que é a classe artística? Certamente há possibilidades variadas para se definir este grupo. Mas nos últimos tempos o segmento da sociedade que se auto designa dessa forma tem se afirmado como um grupo social que defende a cultura no marco da mercadoria e da propriedade privada. E tão somente isso. E nesse ponto, justiça seja feita, mesmo sendo os mais barulhentos, os músicos não marcham sozinhos. Muitos escritores que se estão indignados com a limitação da lei das biografias também transformam o debate em apenas comercial quando se discute novas possibilidades de circulação cultural. No que diz respeito às biografias, a polêmica diz respeito à Lei 10.406, de 2002. Os artigos 20 e 21 são de fato uma aberração. Está lá, por exemplo, que a “exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”. Ou seja, com disse recentemente o biógrafo de Getúlio Vargas, Lira Neto, se a família de Filinto Muller, considerar que a sua “boa fama” foi atingida, pode impedir a circulação de uma obra. Mas há coisas mais absurdas que estão em discussão. O cantor e compositor Djavan acha um absurdo que o biógrafo ganhe sozinho os 10% pela produção da obra e que o biografado fique sem nada mesmo sendo o objeto do trabalho. É de se perguntar se Djavan poderia fornecer os números dos direitos autorais recebidos por Helo Pinheiro por Garota de Ipanema, música de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. O rumo que o debate mercadológico da cultura no Brasil está tomando é muito perigoso. Há sim em curso a tentativa de se construir barreiras e limites não só a produção quanto a circulação de produtos culturais que podem ser caracterizados como censura. É uma censura nas possibilidades do acesso. De um lado do acesso aos bens, do outro da história. E os escritores, especialmente biógrafos, que estão sentindo isso na pele com a força de uma lei esdruxula precisam também começar a pensar no conjunto da obra. E não apenas no capítulo do seu interesse imediato. Fernando Moraes tem posições excelentes a respeito do tema. Como é o melhor biógrafo brasileiro vivo, há esperança.