As Charlottes do Brasil

Escrito en BLOGS el

Um acontecimento que aparentemente não tem nada a ver com a cultura brasileira, e ainda por cima ocorrido bem longe daqui, deve refletir até nas periferias das nossas grandes cidades.

É o nascimento de mais uma herdeira do trono inglês. O que importa para o Brasil? Nada! Diria até com ênfase: “Absolutamente nada!”.

Mas na televisão, a cara de prazer de certas apresentadoras ao noticiar qualquer coisa referente à família real inglesa, principalmente futilidades, nos faz pensar que o futuro do Brasil será outro a partir de então.

E isso não é de hoje. Lembro-me do casamento do príncipe Charles com Diana, chamada inclusive aqui de “Lady Di”, que foi transmitido ao vivo pela TV brasileira, como algo imperdível. Era como se alimentasse os sonhos de meninas da periferia daqui de verem se realizar seus próprios sonhos de Cinderela.

E logo o Brasil se encheu de meninas chamadas Daiana ou Daiane, adaptando a escrita à pronúncia inglesa, assim como apareceram muitos Maico ou nomes assemelhados, adaptados de Michael Jackson.

Aí entra o que falei no início: nomes também fazem parte da cultura de um país.

No Brasil, a variedade de nomes é tão grande quanto a própria mistura de povos. Fora os nomes inventados, há os das mais variadas origens.

No Nordeste e mesmo aqui pelas bandas do Sudeste, a terminação “son” faz parecer que há aqui muitos descendentes de suecos: Edmilson, Nailson, Adilson, Wilson, Nilson, Arilson, Juilson, Emerson, Mailson, Waldson...

Há em todo o Brasil nomes espanhóis, italianos, alemães, árabes, judeus, russos, ingleses e até indianos, em pessoas que não descendem de nenhum desses povos, sem contar os nomes indígenas e os bíblicos.

Uma exceção é nome japonês: praticamente só tem em descendentes de japoneses. Alguém conhece algum Tanaka, alguma Keiko, um Nakashiro, que não seja descendente de japoneses? Só soube de um caso assim, um sujeito nascido no Paraná, cujos pais não tinham nada de japoneses, mas o homem admirava o imperador Hiroíto. E deu esse nome ao filho, que veio para São Paulo e se tornou aqui um “bandido” famoso, conhecido como “Rei da Boca”, nos anos 1950.

Voltando ao caso da princesa britânica, na segunda-feira vi na televisão uma apresentadora fazendo cara de êxtase para dizer que a princesa ganhou o nome de Charlotte Elizabeth Diana, homenageando o avô, Charles, a rainha Elizabeth e a avó Diana.

Que nome! Se fosse filha de brasileiros, logo diriam: “Que brega!”. Mas vindo da aristocracia inglesa deve ter gente achando o nome bonito e sonoro.

Ele me fez lembrar de certas combinações brasileiras. Um amigo, quando queria dizer que uma pessoa tinha nome estranho, citava a cantora Shirley Terezinha, gaúcha, viúva do cantor Teixeirinha.

E me fez lembrar também da primeira filha de Pelé, Kelly Cristina. De Pelé, podia-se esperar um nome estrangeiro, de preferência em inglês, para sua filha. Mas a combinação Kelly Cristina provocou muitas ironias.

Como Pelé anunciou o nome antes da menina nascer, muita gente pegou carona nele, e deu nome de Kelly Cristina a filhas antes mesmo do nascimento da herdeira de Pelé, que ficou irritado porque o nome da herdeira já não era inédito.

Enfim, nomes são modas pelos mais variados motivos, como admiração por personagens de telenovelas. E entre muitos outros, há esse de imitar gente famosa.

Por isso, podemos esperar: nas periferias das nossas grandes cidades, e até na zona rural, o Brasil vai se encher de meninas chamadas Charlotte.

E pode ser a combinação inteira, Charlotte Elizabeth Diana, ou com uma adaptação nacional, tipo Charlotte Aparecida.

Sei que muitos leitores devem estar pensando: um sujeito cujo nome é escrito errado e com uma combinação tão esquisita, estranhando combinações de nomes alheios? Pois é... Meu nome também não é lá essas coisas.

Podem ironizar, com todo direito: é o roto falando do esfarrapado. Ou melhor, da esfarrapada. Ou, melhor ainda, de xarás de uma menina nada esfarrapada, é princesa.