Fora todos! E aí?

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O assunto é o Brasil, mas começo relembrando o que aconteceu há anos com nossos vizinhos do Sul. A Argentina está em crise de novo. De novo! Não chega a ser igual à que se abateu sobre o país no final de 2001, mas está difícil. A situação lá era tão ruim que os presidentes se sucediam no cargo, sucumbindo um a um, em períodos cada vez mais breves. Aí a população não aguentou mais e criou um movimento radical, fechando não só ruas e avenidas das grandes cidades, mas também estradas, saqueando lojas e supermercados e pondo pra quebrar, pra valer. Esse movimento tinha como lema “Que se vayan todos!”, que pode ser traduzido como “Fora todos”. Não viam um político digno de merecer respeito. Achavam que era tudo a mesma corja. Então apareceu um sujeito vindo da pequena província de Santa Cruz, na Patagônia, um advogado que militou na esquerda durante a ditadura e depois dela governou sua província com decência, privilegiando o emprego e as atividades produtivas. Foi eleito presidente em 2003 como uma esperança, acreditaram que seria diferente de “todos”. E foi. Mereceu a confiança que lhe depositaram. Néstor Kirchner pôs a casa em ordem, levantou a Argentina, multiplicou por três o poder de compras dos salários e das aposentadorias. Em 2007, a lei argentina não permitia a reeleição. Elegeu sua mulher, Cristina, e parecia que era uma sombra no governo dela, mantendo a rota criada por ele. Mas morreu em outubro de 2010. Já era permitida a reeleição e Cristina foi reeleita em 2011, no primeiro turno. De uns tempos pra cá, parece que ela meteu os pés pelas mãos. E está aí a Argentina em crise de novo. Agora, aqui no Brasil, a situação, pelo menos por enquanto, não chega ao nível de bagunça da Argentina de 2001, mas se vacilar, não sei não. Conversei com amigos e conhecidos sobre o “Fora todos!” da Argentina e puxamos a conversa para a hipótese de se repetir a dose aqui. Isso porque tem gente falando em impeachment da presidente Dilma. Muita gente fala isso sem saber o que aconteceria depois do impeachment. Um dia desses, num ônibus, ouvi uma moça perguntando a outra: “Mas não é o Aécio que assume?”. “Ainda bem que não”, respondeu outra. “Se a Dilma é ruim, ele é pior ainda.” Nas conversas, levantam muitas dúvidas sobre o que aconteceria depois. Tem que haver novas eleições, porque estamos ainda no início do mandato? Ou Michel Temer assume o mandato como Itamar Franco assumiu depois do impeachment de Collor? E como seria um governo de Michel Temer, com seu partido, o PMDB? Se tiver que fazer novas eleições, enquanto isso, quem assume a presidência? O presidente da Câmara, Eduardo Cunha? – pergunta um, e outro responde ao lado “Vade retro!”. Ou o do Senado, Renan Calheiros? – pergunta outro, e ele mesmo exclama: “Viiiixxxeee!”. Então... Escolham uma dessas opções... Ou outras. Quem poderia ser? O presidente do STF? Aí já escuto alguém falar mal do Lewandowski, dizendo que ninguém do poder Judiciário entende de dirigir um país, embora haja quem acredite que Joaquim Barbosa seria. Enfim, avaliando todas essas alternativas, vamos partir para o “Fora todos”? E aí, temos um Kirchner aqui? Num mero exercício de suposições partimos para a procura de alguém com credibilidade e competência, capaz de tirar o Brasil da crise. Mas tem que ser como Kirchner fez na Argentina: incentivando o emprego e as atividades produtivas, e não a especulação financeira, sem ferrar os trabalhadores e os pobres em geral. E sem quebrar a ordem institucional, porque se for por um processo revolucionário a coisa é diferente, mas que eu saiba isso não está sendo proposto. Um dos que participaram da conversa lamentou que Eduardo Campos tenha morrido. Seria um nome de respeito e credibilidade, na opinião dele. E a Marina, substituta do Eduardo Campos? O sujeito torceu o nariz: “Não dá. Pode ser gente boa, mas não tem estrutura...”. “E eu acho que ela é bem ruinzinha”, chia outro. Alguém lembrou de Cristóvão Buarque. Foi governador do Distrito Federal, proporcionalmente, mais importante para o Brasil do que a província de Santa Cruz para a Argentina. A província de Santa Cruz tinha só um 1% do PIB da Argentina. Brasília representa mais para o Brasil. Cristóvão Buarque fez um bom governo e não tem acusação de ser corrupto, garantiu alguém. Foi do PT, mas saiu, está no PDT. Será que teria capacidade de comandar um governo de recuperação nacional? E pensamos nos atuais governadores: nenhum empolga nem em seus estados. E muitos têm o “defeito” de estarem no PT, no PSDB ou no PMDB, partidos que seriam alvos diretos do “Fora todos!”. Bom, mas os outros partidos não são melhores. Quase todos são partidos de venda de legenda e de segundos no horário político. Salvam-se poucos, como o PSOL, que muita gente acha que ainda está agindo corretamente porque é pequeno e não tem perspectiva de poder, como era o PT dos anos 1980. E não tem um político com a experiência mínima de poder executivo que tinha Kirchner. O que fazer? Partimos pra galhofa. Pensamos em “importar” um presidente de fora. Os de esquerda lembraram-se de Evo Morales, que deu dignidade à Bolívia. Mas a Bolívia não se compara ao Brasil, lembraram-se outros. Um sujeito mais conservador falou em Ângela Merkel, aí os mais à esquerda chiaram, argumentando que para ela os trabalhadores e o povo em geral que se danem, o que vale é manter uma economia forte, e pronto! Uns continuaram achando que vale a pena um “Fora todos!”, outros acharam que o poder acabaria nas mãos de um político manhoso qualquer, que só vê corrupção nos outros, parecendo que não olha no espelho. Tirada a alternativa de impeachment da presidente e entrega do poder ao PMDB – seja colocando como presidente o vice, o presidente do Senado ou o da Câmara –, que seria pôr o bode pra cuidar do paiol, o que resta então? Sempre tem algum esperançoso nesses momentos. E um desses lembrou do passado de Dilma: por uma causa em que acreditava, arriscou a ser presa e torturada, e foi. Arriscou também a vida, mas sobreviveu. A alternativa apresentada por ele foi essa: “Ela tem que rodar a baiana, botar pra quebrar, afastar tudo quanto é safado do seu governo e governar pra valer. Claro que se arrisca a ser cassada, mas mesmo assim sairia do governo com a cabeça erguida. Tem que ser a Dilma militante, não essa presidente que está aí, se sujeitando a tudo...”. A discussão continuou: é possível fazer isso tendo 28 partidos no Congresso? “O povo pressionando, o Congresso funciona, como em junho de 2013”, argumentou um. “E sob pressão popular, fazemos uma reforma política rápida, sem aquelas negociatas, quer dizer negociações intermináveis dos políticos...” Não sei. Não vejo as coisas com muita clareza. Confesso minha incompetência futurológica. O que vejo é que governar decentemente, do jeito que está, com a estrutura política existente hoje, é impossível. O PT teve 12 anos pra fazer uma reforma geral, e não fez. Todo mundo finge que quer mudanças, mas, na prática, quase todos os políticos de quase todos partidos agem em sentido contrário, preferem manter a “merda” do jeito que está. Vale o ditado: “A merda é a mesma, mudam as moscas”. As “moscas” atuais, querem continuar usufruindo, enquanto as que estão fora têm esperança de serem as próximas a ter direito a se beneficiar dessa “merda” toda. Será possível fazer uma mudança rápida e verdadeira? Se não houver uma reforma política pra valer e uma tomada de atitude inédita da parte da presidente, o risco PMDB está aí. Ou, na menos pior das alternativas, uma nova eleição, em que certamente não seria eleito nenhum salvador da pátria. E será possível continuar a administrar o país com um ministério que é um saco de gatos e a base aliada no Congresso é insaciável e traidora? No que vai dar um governo que se diz de esquerda, mas não faz a reforma agrária nem a demarcação de terras indígenas, porque não quer perder votos dos agronegociantes? E que não muda a legislação conservadora porque não quer perder votos dos evangélicos, e cede direto e em tudo a eles? E cobra imposto de renda de quem ganha uma merreca de salário? Daqui a pouco quem ganha salário mínimo vai ter que pagar imposto de renda, pois a correção da tabela é abaixo da inflação. E se vacilar, quem ganha a bolsa família vai pagar também. Junte-se a isso a sanha crescente do PMDB... Os mesmos políticos que estiveram com Collor, com FHC, com Lula e permanecem com Dilma, sempre minando aqui ou ali, sequioso de cargos, que os governos sucessivos dão para manter a chamada “governabilidade”. Fico matutando na Dilma rodando a baiana, alternativa que me parece pouco possível, mas a que acredito ser a mais “decente”. Será que conseguiria ser uma transformadora como esperavam que ela seria, no início do seu primeiro mandato? Realizaria o que Kirchner fez na Argentina e até mais, porque o Brasil tem muito mais potencial? Ou seria cassada, presa, e não sei que mais? E não rodando, pode sair do governo no fim do mandato ou daqui a pouco, de cabeça baixa, humilhada, massacrada. O que ela deixará para a História?