Futebol medalhado e outros mais divertidos

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Terminada com sucesso a Olimpíada do Rio, e comemorando o ouro inédito para a seleção brasileira masculina de futebol, vou contar aqui algumas historinhas de jogos de futebol que, amadores de verdade, revelam um lado mais divertido do que antes chamavam de “o viril esporte bretão”. São causos da minha terra, que já publiquei inclusive em livros. Um deles, “O Salomão do futebol”, já vi reproduzido num monte de lugares como se tivessem acontecido em outros lugares. É comum apropriarem-se de causos, né? Mas antes dos causos, pergunto: por que perseguir tanto as medalhas, se o tal “espírito olímpico” — conforme dizem — nos prega que “o importante não é vencer, é competir”? Na verdade, todo mundo quer é vencer, quer medalha. “Espírito olímpico”, que eu nomearia como mais apropriado “espírito sacizístico”, que o Comitê Olímpico Internacional devia estudar, se achasse que vencer não é tão importante assim, era um campeonato de futebol que acontecia em São Luiz do Paraitinga, o “Campeonato do Saci”, disputado num campinho que tinha uma enorme paineira bem no meio. Eram oito jogadores de cada lado. Quando se marcava um gol, todos os jogadores, dos dois times comemoravam pulando com uma perna só. Para não estimular vaidades de jogadores metidos a craques, se um deles marcasse dois gols tinha que sair, dando lugar a outro. E um time não podia vencer o outro por diferença de mais de dois gols. Se o placar estivesse em dois a zero, por exemplo, e o time que vencia fizesse mais um gol, esse gol valia pro adversário, ficando dois a um. No final de cada partida, todo mundo comemorava tomando cerveja juntos, festejando. A DESPEDIDA Quando Elias completou 31 anos como lateral esquerdo da Esportiva Nova Resende, resolveram fazer para ele uma festa de despedida do futebol. Um detalhe: os 31 anos não eram de idade (que devia estar por volta dos 50), mas só de titular do time. Se deixassem, ele continuaria ainda. A festa foi um jeito sutil de tirá-lo pelo menos da equipe principal. A despedida seria contra o time da Ventania, que topou o acerto: a primeira bola que fosse na sua área, um zagueiro deveria pôr a mão intencionalmente. O Elias seria encarregado de bater o pênalti e o goleiro tinha a obrigação de não defendê-lo. Aí seria feita uma grande badalação, com discursos e tudo o mais. Depois recomeçaria o jogo, já com outro titular na lateral esquerda da Esportiva. E alguém daria também um pênalti intencional a favor do time da Ventania. Só daí pra frente o jogo seria pra valer. Desde meia hora antes do início do jogo, todos os seresteiros da cidade se revezaram num microfone improvisado em cima de um caminhão, cantando "Ave Maria do Morro", a música preferida do Elias. Com as duas equipes em campo, fez-se um minuto de silêncio em homenagem a um ex-craque da Esportiva, que tinha morrido dias antes. Em seguida o juiz deu o início à partida e tudo correu conforme o combinado. Aos cinco minutos de jogo, veio o pênalti. Elias bateu e marcou o gol, foi carregado pelos jogadores até o caminhão que servia de palanque. O presidente do time discursou rememorando os grandes momentos do jogador que se despedia, o prefeito falou em seguida sobre o grande cidadão, que honrava a cidade e, pra completar, foi designado para falar, representando os jogadores, o meia-direita Luizinho do Lica. O que ele fez não foi bem um discurso, falou apenas uma frase: — Só de minuto de silêncio, o Elias tem um ano e meio! O SALOMÃO DO FUTEBOL O time de futebol de Santa Rita Velha estava jogando na vizinha cidade de Presépio, contra seu tradicional adversário, o Presépio Sport Club. A bola, velha e meio torta, meio oval, não atrapalhava em nada a qualidade do jogo. Combinava bem com a forma de jogar dos dois times. Aos quarenta minutos de jogo, a bola sobrou pingando para o centro avante Cavadeira, de Santa Rita, que encheu o pé, chutou com toda força mas o goleiro estava bem colocado e pulou, agarrando a “redonda” no peito. Acontece que a bola não resistiu. Ao bater no peito do goleiro, estourou, e ele ficou segurando só o capotão, enquanto a câmara de ar saltou para dentro do gol. Aí começou a discussão. Os jogadores de Santa Rita começaram a comemorar, gritando que valia, era a câmara de ar, enquanto os de Presépio afirmavam que o capotão era que valia e este o goleiro pegou. Os 22 jogadores e mais os reservas falavam sem ninguém ouvir: — O que vale é a câmara... — Não foi gol não, o capotão não entrou... Quando já estavam partindo pra briga foi que o juiz resolveu fazer valer sua autoridade: — Prrriiii, prrriiii, prrriiii... — apitava alucinado para chamar a atenção dos jogadores, até que resolveram ouvi-lo. — Quem entende de regra aqui sou eu. Eu é que sei o que vale e o que não vale. — Então como é que é? É gol ou não é? — Tá na regra: quando a câmara de ar entra e o capotão não entra, vale meio gol! Foi o único jogo até hoje que terminou meio a zero. CHUTE FORTE Zeca, pescador e caçador que garante nunca ter contado uma mentira em toda a vida, um dia assistia a uma discussão no Bar Esportiva Nova Resende, sobre quem tinha o chute mais forte em toda a história do futebol da cidade. Uns diziam que era o Celinho, que jogava na Esportiva e mudou-se para Juruaia. Era beque de espera, e os tiros de meta que batia atravessavam o campo e caíam atrás do gol adversário. Outros diziam que era o Toniquinho, e havia quem defendesse o Zé Leopoldo... No meio da discussão, Zeca, que estava calado até essa altura, resolveu entrar na conversa e todo mundo se calou, sabendo que quando ele tinha sempre alguma coisa "inédita" pra contar (e quem é que tinha coragem de chamar suas histórias de mentira?). — Não é nenhum desses aí. O chute mais forte que já teve aqui era o do Tião Folheiro. — Como é que o senhor sabe? — provocou o Alcindo. — Rá! Eu era menino quando reinauguraram o campo da Esportiva, que foi aplainado, acabando com a inclinação. Foi aí que sobrou aquele barranco atrás do gol de cima. Fiquei sentado no barranco, bem atrás do gol, e vi o primeiro pênalti batido nesse campo novo, pelo Tião Folheiro. Sabe o que aconteceu? — Nunca ouvi falar! — A bola enterrou um metro e meio no barranco! JUIZ IMPARCIAL A inauguração de um campo novo no Córrego Cavalo foi muito festiva. Chamaram até um time da cidade pra jogar lá. Quem ia “bater o piu”, quer dizer, apitar o jogo, era o Ernesto, que fez um longo discurso antes, dizendo ser imparcial, o que não convenceu ninguém. Estava difícil fazer o time da casa ganhar, o adversário jogava muito melhor. A certa altura, o baixinho Parafuso pegou a bola na ponta direita, driblou dois zagueiros do Córrego Cavalo e centrou. O ponta esquerda Luizinho do Lica entrou de cabeça pelo meio e marcou um gol para o time da cidade, quer dizer, o adversário do Córrego Cavalo. Gol anulado, claro. — Nóis é da roça mas sabe as regras. Ponta esquerda tem que jogar na ponta esquerda, na extrema. O que é que ocê tava fazendo no lugar do centroavante? — bronqueou o juiz, que ainda deu falta contra o time da cidade. Pouco depois, sobrou uma bola pingando para o centroavante Zé do Gato, que deu um chutaço a gol. O goleiro do Córrego Cavalo nem viu a cor da bola. Só que o gol não tinha rede e a bola, a meia altura, bateu de cheio na cara do Zé Soldado, da gloriosa Polícia Militar, que assistia ao jogo atrás do gol, derrubando-o de costas. Ernesto, Logicamente, anulou, apitando falta do atacante: — Desacato a autoridade — gritou bravo, ameaçando Zé do Gato de expulsão, se ele fizesse isso de novo. Faltando uns dez minutos para terminar o jogo, mantido zero a zero até então com muita dificuldade, finalmente o ataque do Córrego Cavalo chegou à área adversária, mas o meio Zaqueu tropeçou e caiu na hora de chutar. Pronto! Pênalti, apitou o Ernesto. Quem foi bater? O próprio Zaqueu? Não! — Eu apitei pra mim batê, uai — disse o Ernesto. Já vestindo a camisa cedida por um atacante substituído por ele, Ernesto entregou o apito ao seu compadre Orlando: — Cumpadre, bate o piu nesse restinho de jogo que agora eu sô jogador. Bateu o pênalti e marcou. Um a zero para o time do Córrego Cavalo, invencível jogando em casa.